Improbidade sem fim

Discussão de foro para improbidade pode voltar ao começo

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1 de março de 2007, 18h34

A discussão sobre o foro privilegiado para autoridades públicas acusadas de improbidade administrativa pode voltar para o zero, depois de quase cinco anos à espera do veredicto. Os ministros do Supremo Tribunal Federal poderiam definir a questão nesta quinta-feira (1/3), mas o julgamento foi adiado mais uma vez.

Agora, antes de decidir se prevalece o foro ou não, os ministros terão de se debruçar numa questão preliminar. Ronaldo Sardenberg, autor da Reclamação em que se trava a discussão no Supremo, não é mais ministro de Estado. Portanto, o STF tem de definir se isso impede que a corte continue analisando o seu pedido de foro privilegiado.

Esta questão de ordem foi levantada pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, antes mesmo que o ministro Joaquim Barbosa apresentasse seu voto. Barbosa pediu vista em 2005 quando o julgamento estava seis a um a favor do foro. Se prevalecesse esse entendimento, o processo contra Sardenberg poderia ser anulado, já que ele foi julgado pelas instâncias comuns (ele foi condenado a pagar R$ 20 mil por usar para fins particulares um avião da Força Aérea Brasileira). Além de Joaquim Barbosa, ainda faltam votar Marco Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

Três ministros votaram na questão de ordem — Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, todos para que a Reclamação não fosse mais analisada, já que o autor não era mais ministro de Estado. Eros Grau — que não vota no mérito, pois substituiu o ministro Maurício Corrêa que já votou, mas vota na questão de ordem — pediu vista e se comprometeu a apresentar sua posição em 10 dias.

O ministro Marco Aurélio, que não se posicionou na primeira questão de ordem, levantou outra questão. Dos sete ministros que votaram, quatro já se aposentaram (Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Carlos Velloso). Para Marco Aurélio, a decisão nesta Reclamação não refletiria, portanto, a real posição do Supremo com a sua atual composição.

O ministro defendeu que a corte deveria esperar pelo julgamento de um processo similar, onde todos os ministros do STF poderiam se manifestar. Aí, sim, o resultado do julgamento refletiria a posição do tribunal. O ministro Joaquim Barbosa engrossou o coro: “Qualquer que seja a conclusão do julgamento, o tribunal poderá estar permitindo uma visão ambígua, que pode não corresponder à visão da corte atual”.

A sugestão dos dois ministros atenderia ao pedidos de quatro associações de juízes e promotores (Ajufe, AMB, ANPR e Conamp), que foram ao Supremo, na quarta-feira (28/1), pedir à ministra Ellen Gracie, presidente da corte e dona da pauta, que a Reclamação de Sardenberg não fosse julgada antes que outra Reclamação com o mesmo assunto, mas cujo julgamento ainda não começou pudesse ser analisada. Para as entidades, a conclusão no caso de Sardenberg abriria um precedente perigoso que não refletiria o entendimento do STF.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, apóia o pleito das entidades. "A Ordem já se manifestou no sentido de que o Supremo não deveria apreciar essa matéria agora, pois essa matéria deveria ir a discussão em outro processo, para que a nova composição do Tribunal possa opinar."

Vista com rima

O ministro Gilmar Mendes expressou profunda inconformidade com as questões de ordem levantadas. “Este julgamento começou em 2002. Estamos em 2007. Incomoda, imensamente, estes pedidos de vista que rima com perdido de vista.” Ele foi o único ministro a defender a continuidade do julgamento.

A intenção da votação favorável ao foro privilegiado é proteger políticos de abusos no uso da ação de improbidade, conforme apontado por Gilmar Mendes em julgamento de outra ação. “O uso eventualmente panfletário da ação de improbidade administrativa não pode ser rotulado por nós. A ação de improbidade surgiu de demanda popular”, rebateu Carlos Ayres Britto.

Desde que foi criado, em 1992, o improbidade administrativa tem sido uma das principais brigas entre políticos e Ministério Público. A Lei 8.429/92, que prevê o crime praticado por servidores públicos, não trata da prerrogativa das autoridades de serem julgados apenas pelas instâncias superiores. A ação por improbidade caiu no popular e passou a ser usada frequentemente pelo Ministério Público.

Uso político

No final do ano passado, o ministro Gilmar Mendes acusou o MP de usar a ação de improbidade com fins políticos, pessoais ou corporativistas. Daí a sua defesa do foro privilegiado. “Além de evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha perante os vários juízes de primeiro grau, a prerrogativa de foro serve para que os chefes das principais instituições públicas sejam julgados perante um órgão colegiado dotado de maior independência e de inequívoca seriedade.”

Ao analisar pedido de foro privilegiado da prefeita de Magé (RJ), Núbia Cozzolino, — que não foi concedido por razões processuais, o ministro lembrou de três promotores que usaram a ação de improbidade com fins nada louváveis. A procuradora da República no Distrito Federal, Walquíria Quixadá, moveu ação de improbidade contra o presidente do Banco Central por causa de prejuízos causados para aqueles que possuem fundo de investimento. Para Gilmar Mendes, a procuradora usou sua função no MP para mover “ação de cobrança de caráter particular”.

O ministro também exemplificou o mau uso da ação de improbidade com Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza, ambos procuradores-regionais da 1ª Região. Os dois foram acusados de usar a ação para defender interesses próprios. Souza foi acusado de permitir que adversários do grupo Opportunty escrevessem as suas ações. Schelb teria usado a estrutura do MP para combater a pirataria e conseguir patrocínio de empresas favorecidas para publicar um livro pessoal.

Reclamação 2.138

 

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