Improbidade administrativa

Só cabe ação de improbidade se prejuízo é comprovado

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1 de dezembro de 2007, 23h01

Ação por improbidade administrativa que não demonstre, minimamente, que o suposto ato de improbidade tenha realmente causado prejuízos, não merece ser acolhida. O entendimento é do desembargador federal Fábio Prieto de Souza, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O desembargador rejeitou uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal contra um procurador seccional da Fazenda Nacional.

O procurador foi acusado de perseguir um colega, que seria seu desafeto. De acordo com a ação, ele criou uma portaria que distribuiu serviço para vários procuradores, mas a norma acabou prejudicando seu suposto desafeto, que ficou sobrecarregado de trabalho.

A portaria foi criada para atender o que determinou a Medida Provisória 258/05. A MP aumentou as atribuições da Procuradoria da Fazenda Nacional, porque passou ao órgão a responsabilidade pela defesa do INSS. A nova atribuição se projetou na Justiça Estadual, Federal e Trabalhista, para onde o procurador perseguido foi transferido. Na Vara Trabalhista, seria o responsável por conferir os cálculos das ações. Ficou 35 dias na função e acabou removido, por seu pedido.

O Ministério Público Federal afirmou na ação que o procurador seccional agiu por vingança, porque o procurador supostamente prejudicado fez uma denúncia anônima de irregularidades na unidade do procurador apontando como réu. E que mesmo antes da portaria, já tinha perdido seus estagiários, computadores e mudado de sala, tudo fruto da perseguição.

O procurador seccional, para se defender, afirmou que juízes reclamaram da denúncia de seu colega, afirmando que era infundada, e que o procurador transferido ameaçava os servidores. Por isso, o retirou das funções exercidas na Justiça estadual e lhe atribuiu novas tarefas. No novo trabalho, a condição era ainda melhor porque ele tinha ajuda de fiscais da Previdência Social para conferir os cálculos nos processos trabalhistas.

A ação foi recebida em primeira instância. O procurador seccional recorreu. O desembargador Fábio Prieto rejeitou a ação. Considerou que Ministério Público Federal, antes de apresentar a ação, deveria pelo menos ter ouvido as partes envolvidas, o que não foi feito. “O Ministério Público Federal tem o poder e o dever de oitiva dos servidores supostamente ameaçados, dos Juízes de Direito, dos vários Procuradores da Fazenda Nacional sujeitos à mesma portaria e, ainda, da apuração do eventual aumento de serviço para outros membros da carreira, como efeito da aludida Medida Provisória”, afirmou.

Para o desembargador, “não cabe projetar a veracidade de uma das versões, sem atenção à plena pesquisa dos fatos, para que o suspeito eleito sem justa causa tenha a oportunidade de demonstrar a própria inocência, na condição de réu”.

“No quadro vigente, sem a apresentação de qualquer razão fundamentada, para a ausência de pesquisa factual imprescindível e viável, é ilegítima a escolha de um dos protagonistas dos fatos, para a posição processual passiva, na ação civil pública por improbidade administrativa”, decidiu.

Leia a decisão

Relatório:

Trata-se de recurso contra o recebimento de petição inicial, em ação civil pública por improbidade administrativa.

O agravante, no exercício da função de Procurador Seccional da Fazenda Nacional, foi admitido na condição de réu, em ação civil pública por improbidade administrativa, porque autor de portaria distributiva de serviço entre vários Procuradores, com alegado prejuízo a um deles, vítima de suposta retaliação.

A origem do episódio, segundo a petição inicial acusatória (fls. 31): na ótica do agravante, o desafeto seria o irresponsável autor de denúncia anônima sobre supostas irregularidades na unidade seccional do órgão.

Por isto, antes da edição da aludida portaria, mas sempre por iniciativa do agravante, ainda teria havido: a retirada de estagiários e computadores, a alteração da sala e a substituição da mesa de trabalho do adversário funcional.

Concedi o efeito suspensivo (fls. 83/86).

Informações do digno Juízo de 1º grau de jurisdição (fls. 111/112).

Contra-razões (fls. 114/123) e agravo (fls. 124/135) da douta Procuradoria Regional da República.

Manutenção da decisão liminar (fls. 137).

É o relatório.

Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza

Relator

Voto:

Não é necessária a acolhida da questão de ordem suscitada pela douta Procuradoria Regional da República, nesta sessão de julgamento.

O seu objeto: o agravante, em três oportunidades – fls. 139/349, 352/430 e 437/487 -, juntou documentos. Sobre as duas primeiras, ouvida, a douta Procuradoria Regional da República pediu a desconsideração e o desentranhamento dos documentos.

Após a terceira juntada, a douta Procuradoria Regional da República pediu preferência no julgamento. Concedida de imediato. Agora, na sessão de julgamento, postula-se o adiamento e a vista dos autos.

Não é útil ou necessária esta última providência. Os aludidos documentos – todos – não constituirão a base fática ou jurídica do presente julgamento; serão desconsiderados. Neste contexto, nenhum proveito traria o desentranhamento.

Indefiro, por isto, a questão de ordem.

O artigo 17, § 6º, da Lei Federal 8.429/92, impõe condição de idoneidade probatória mínima, na instrução da petição inicial de improbidade administrativa, ou a exposição das “razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”.

No caso concreto, a existência da portaria de distribuição de serviços é incontroversa. A propósito da motivação e de suas conseqüências, designante e designado têm perspectivas distintas e conflitantes.

O designante, agora agravante, noticia queoito Juízes de Direito solicitaram providências em relação ao designado, porque este teria suscitado suspeitas infundadas contra os serviços forenses e, ainda, ameaçado os respectivos servidores. Daí, a conveniência administrativa de retirar o designado das funções exercidas na Justiça Comum Estadual e atribuir-lhe novo ofício.

O designante nega, como efeito da portaria, o excesso desproporcional do serviço distribuído ao designado. Narra que a Medida Provisória nº 258/05 aumentou as atribuições da Procuradoria da Fazenda Nacional, em razão da imputação da defesa do INSS ao órgão. A nova atribuição projetou-se na Justiça Comum – Estadual e Federal – e na Trabalhista, para a qual o designado foi indicado.

Argumenta, todavia, que o designado enfrentou condições de trabalho mais favoráveis que os outros colegas. O próprio designante, ora agravante, conseguiu o auxílio de 4 Auditores Fiscais da Previdência Social, para a conferência dos cálculos nos processos trabalhistas, tarefa que o designado iria desempenhar.

Ademais disto, a perplexidade provocada pela citada Medida Provisória – causa da edição da discutida portaria – motivou iniciativa dos Juízes do Trabalho, no sentido do retardamento das ações administrativas da Procuradoria da Fazenda Nacional, bem como levou o próprio Tribunal Superior do Trabalho a expedir resolução suspensiva da tramitação dos processos de interesse do INSS, de modo que a prestação do serviço nunca foi exigida em sua plenitude.

De outra parte, alega ainda o agravante, o designado exerceu as funções questionadas no exíguo período compreendido entre 4 de outubro e 9 de novembro de 2005, pois nesta última data consolidou-se a remoção pedida pelo interessado.

O designante enfatiza que, com a edição da portaria, o designado não adotou qualquer medida de impugnação no âmbito administrativo, nem provocou a atuação do Poder Judiciário. Preferiu fazer a notícia dos fatos supostamente criminosos ao Ministério Público Federal, sob o título de “Representação Criminal”.

Por outro lado, a petição inicial questionada noticia o afastamento, pelo agravante, de dois estagiários do Procurador supostamente prejudicado, além da retirada de computadores, tudo para causar prejuízo ao suposto desafeto.

Neste contexto de confrontação das versões, a aceitação da petição inicial só será possível, nos termos da lei, se demonstrado o efetivo prejuízo ao serviço público.

Não cabe projetar a veracidade de uma das versões, sem atenção à plena pesquisa dos fatos, para que o suspeito eleito sem justa causa tenha a oportunidade de demonstrar a própria inocência, na condição de réu.

“A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado, por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário, por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamento jurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínua tensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (que jamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderão impor-se de forma absoluta). É, portanto, na Constituição e nas leis – e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica – que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade. O que simplesmente se revela intolerável, e não tem sentido, por divorciar-se dos padrões ordinários de submissão à “rule of law”, é a sugestão – que seria paradoxal, contraditória e inaceitável – de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal” (STF – Ministro CELSO DE MELLO – HC 88.015).

É central apurar se o designado efetivamente foi prejudicado com carga excessiva de trabalho. O agravante argumenta que o fato ocorreu, mas prejudicou outra profissional da carreira. Não se pode deixar de considerar a impossibilidade da igual distribuição das tarefas. Nem mesmo se, para a assunção das novas tarefas, o designado não contribuiu com a incompatibilidade eventualmente consolidada no anterior ambiente de trabalho.

O Ministério Público Federal tem o poder e o dever de oitiva dos servidores supostamente ameaçados, dos Juízes de Direito, dos vários Procuradores da Fazenda Nacional sujeitos à mesma portaria e, ainda, da apuração do eventual aumento de serviço para outros membros da carreira, como efeito da aludida Medida Provisória.

No quadro vigente, sem a apresentação de qualquer razão fundamentada, para a ausência de pesquisa factual imprescindível e viável, é ilegítima a escolha de um dos protagonistas dos fatos, para a posição processual passiva, na ação civil pública por improbidade administrativa.

A injustificada omissão inquisitiva tem como conseqüência o juízo de inexistência do ato de improbidade.

Por estes fundamentos, indefiro a questão de ordem e dou provimento ao recurso, para rejeitar a ação civil pública por improbidade administrativa, prejudicado o regimental da douta Procuradoria Regional da República.

É o meu voto.

Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza

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