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Eu é que estava com a faca no pescoço, afirma Lewandowski

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31 de agosto de 2007, 0h52

“Eu é que estava com a faca no pescoço”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski ao reunir um grupo de jornalistas, na noite desta quinta-feira (30/8), em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal. O ministro decidiu falar depois que o jornal Folha de S.Paulo divulgou trechos de uma conversa sua ao telefone, travada na noite da última terça, onde ele teria dito que a pressão da imprensa interferiu no julgamento em que foi recebida a denúncia contra os 40 acusados de envolvimento no mensalão.

O ministro quis explicar e colocar no contexto algumas das frases a ele atribuídas – “Tendência era amaciar para Dirceu” e “Supremo votou com a faca no pescoço” – pela repórter Vera Magalhães, da Folha, que acompanhou sua conversa no restaurante Expand Wine Store by Piantella, na Asa Sul, em Brasília. Lewandowski falava com seu irmão Marcelo.

Segundo Lewandowski, o pescoço a que se referia na conversa era o seu próprio, em razão da publicação, pelo jornal O Globo, de mensagens que trocou no primeiro dia de julgamento com a colega Cármen Lúcia. As mensagens foram fotografadas e publicadas no jornal. “Isso se refere absoluta e unicamente a mim. Eu estava com a faca no pescoço. Me senti profundamente mal e abalado”, disse o ministro, procurando afastar qualquer dúvida sobre a independência do colegiado no julgamento da denúncia do mensalão. “Se um magistrado do STF não puder se expressar com independência, é melhor fechar o tribunal”, afirmou.

No julgamento da denúncia do mensalão, Ricardo Lewandowski foi o único entre os 10 ministros da Corte a livrar o ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil José Dirceu da acusação de formação de quadrilha feita pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Sua posição e voto estão baseados em antecedentes e na jurisprudência do STF, conforme esclarece.

Lewandowski afirma, ainda, não ter identificado na denúncia o nexo causal e o comportamento do acusado que caracterizasse o crime de quadrilha. Ele confessa que ficou surpreso por ter votado sozinho neste ponto da denúncia, mas se manteve fiel no que acredita ser o entendimento e jurisprudência do Supremo. O ministro acolheu 90% da denúncia. O ministro lembrou que os votos são públicos e fundamentados. “Meu compromisso aqui é com as leis, a Constituição e com a minha consciência.”

Público e privado

“A imprensa tem o direito de trabalhar livremente, mas, no meu caso, não respeitou o limite da intimidade. Eu senti e entendi o que significa ter sofrimento moral”, reclamou o ministro. Mas mesmo com a “intimidade devassada”, como ele mesmo definiu, Lewandowski afirmou que a imprensa livre é ator social de extrema relevância e que não pretende processar os jornais que divulgaram as notícias.

O ministro falou com tranqüilidade das mensagens que trocou com a colega Cármen. Na conversa de pouco mais de uma hora com jornalistas, o ministro afirmou que foi vítima de uma “indiscrição da imprensa”, que “ultrapassou os limites”. Apesar de ser solicito e simpático com a imprensa, Lewandowski sempre procurou fugir dos holofotes. Em sua carreira de quase 20 anos de magistratura, é a primeira vez que ganhou as manchetes dos jornais – da forma que menos esperava ou desejava.

“Tive uma mega-exposição na mídia. Justo eu, reservado, que sempre achei que o juiz só fala nos autos. Estou me sentindo extremamente desconfortável. Fui vítima de uma invasão de privacidade por duas vezes”, desabafou o ministro, referindo-se as notícias publicadas no jornal O Globo, sobre a troca de mensagens, e no jornal Folha de S. Paulo, sobre conversa em telefone celular que travava com o irmão, Marcelo.

Da publicação da primeira notícia o ministro ficou sabendo por meio de telefonema de um amigo. A segunda notícia chegou através de seu filho, advogado que mora na Inglaterra. “Meu filho me acordou de madrugada para me preservar. Ele disse: Pai, antes que o senhor tenha um choque…”. Para Lewandowski, “o juiz não é pop-star e tem de ser preservado”.

Pequenas ironias

O ministro Eros Grau, batizado de cupido na conversa eletrônica de Cármen e Lewandowski, reafirmou a intenção de processar o colega. Lewandowski não está preocupado com a possível interpelação. “Conheço o Eros há mais de 30 anos. Tenho o maior respeito e admiração por ele. Eu acho que nunca estivemos rompidos. Mas se vier uma interpelação, responderei com a maior boa vontade”. De acordo com o ministro, os colegas de plenário lhe foram solidários desde o início.

Ele lembrou que a colega Cármen Lúcia é irreverente, divertida e sempre foi uma das grandes defensoras de Joaquim Barbosa. Elogiou o brilhantismo da colega que teve sua carreira construída com sacrifício, agora desnudada pela opinião pública sem qualquer defesa. Na ocasião da troca de mensagens, Cármen afirmou que Joaquim Barbosa teria um “salto social” por ser relator da denúncia do mensalão.

Depois da divulgação das mensagens eletrônicas, o ministro acredita que este “instrumento importantíssimo de trabalho” – é comum os ministros trocarem pelo computador idéias sobre as teses e entendimentos do tema em julgamento – ficou inviabilizado. “Pequenas ironias e brincadeiras, que são naturais em uma conversa íntima vieram a público como se fossem uma coisa horrorosa”.

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