Denúncia grave

Ser réu em processo penal já é punição, diz Gilmar Mendes

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24 de agosto de 2007, 12h05

Apesar de votar pelo recebimento da denúncia contra os ex-dirigentes do Banco Rural, o ministro Gilmar Mendes fez questão de ressaltar o perigo de o Supremo Tribunal Federal aceitar Ações Penais sem fundamento. Na avaliação do ministro, a denúncia penal é tão grave que a simples instauração do processo pode se tornar uma pena para o acusado que será exposto a uma situação de constrangimento público.

O ministro Celso de Mello engrossou a opinião de Gilmar Mendes. Disse que o Supremo deve trabalhar para “impedir que se instaurem processos penais temerários independentemente da condição social do acusado”. Deste modo, o corte deve se basear “em elementos indiciários mínimos para a sua admissão”.

Por entenderem que há estes elementos, os dois ministros votaram pela aceitação da denúncia contra os ex-diretores do Banco Rural feita pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.

Por unanimidade, os outros ministros também aceitaram a tese do relator Joaquim Barbosa pelo recebimento da denúncia pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. A denúncia foi aceita contra a ex-presidente do banco Kátia Rabello e os ex-diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório Tôrres de Jesus. Eles são o primeiro grupo de réus do mensalão.

Os ex-diretores do banco ainda são acusados pela PGR pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Essa parte da denúncia não foi apreciada pelo relator.

Em seu voto, o ministro Carlos Britto fez uma ponderação. Lembrou que as instituições financeiras estão presentes na vida da maioria dos cidadãos. São órgãos que precisam e são fiscalizados pelo Banco Central. O que é de se estranhar no caso é o fato de o BC ter aprovado transações tão suspeitas.

Joaquim Barbosa analisou o item V da denúncia apresentada pelo procurador-geral, que trata da gestão fraudulenta de instituição financeira (artigo 4º da lei 7.492/86). É o momento da denúncia em que o procurador descreve os empréstimos de Marcos Valério e do PT. O relator decidiu proferir o voto por itens, seguindo a estruturação da denúncia, que foi escrita em blocos.

Segundo o procurador, os empréstimos “descortinaram uma série de ilicitudes que evidenciam que o Banco Rural foi gerido de forma fraudulenta”. Segundo o procurador, foram feitas 19 operações de créditos no valor de R$ 29 milhões, que significavam 10% da carteira de crédito do banco na época.

Os réus terão de se defender da acusação de prática de crime previsto na Lei dos Crimes do Sistema Financeiro, a Lei do Colarinho Branco. As penas variam de 3 a 12 anos de prisão.

Para Joaquim Barbosa, os empréstimos foram concedidos sem garantia. Também foram renovados sem que fossem amortizados. Tal atitude pode significar, assim, gestão fraudulenta.

Votaram com o relator também os ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Brito e a presidente do STF Ellen Gracie.

O ministro Marco Aurélio chegou a divergir parcialmente. Para ele, a denúncia deveria deixar em aberto se o crime é de gestão temerária ou fraudulenta.

O mensalão

O inquérito do mensalão foi aberto no STF em agosto de 2005, a pedido do procurador-geral da República, depois que o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusou líderes e dirigentes do PL e do PP de receberem mesada do PT em troca de apoio político ao governo. Em março de 2006, Antônio Fernando Souza denunciou 40 pessoas acusadas de envolvimento no esquema, em 136 páginas entregues ao Supremo.

De acordo com procurador-geral, o esquema do mensalão funcionava como uma organização criminosa dividida em três núcleos: o político-partidário, o publicitário e o financeiro. Para garantir apoio no Congresso, ajudar na eleição de aliados e fazer caixa para novas campanhas, o PT desembolsava altas quantias aparentemente recebidas em troca de favorecimento da máquina pública.

O núcleo político-partidário — composto por José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Luiz Gushiken —, de acordo com a denúncia, pretendia garantir a permanência do Partido dos Trabalhadores no poder com a compra de suporte político de outros partidos e com o financiamento irregular de campanhas. Esse núcleo era o responsável por repassar as diretrizes de atuação para os outros dois núcleos.

O segundo núcleo — formado, entre outros, por Marcos Valério, Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Simone Vasconselos e Geiza Dias — recebia vantagens indevidas de integrantes do governo federal e de contratos com órgãos públicos (como, por exemplo, os contratos de publicidade da Câmara dos Deputados, do Banco do Brasil e da Visanet).

E o terceiro núcleo — composto por José Augusto Dumont, Kátia Rabelo José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane — teria entrado na organização criminosa em busca de vantagens indevidas e facilitava as operações de lavagem de dinheiro.

O esquema atingiu grandes nomes do governo Lula, como o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, acusado pelo procurador-geral da República de formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. O deputado federal José Genoíno (PT-SP), ex-dirigente do PT, é alvo das mesmas acusações. O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza bate recorde de acusações: formação de quadrilha, falsidade ideológica, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Luiz Gushiken responde a uma acusação: peculato.

Leia explicação do ministro Gilmar Mendes

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