Mundo novo

Tribunais estão despreparados para o Direito Eletrônico

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24 de junho de 2006, 7h00

Controlar o conteúdo da Internet não é tarefa das mais agradáveis. Afinal, questões fundamentais a respeito da comunicação na rede de computadores continuam à espera de definição: qual é o limite dos direitos autorais na rede? Qual a responsabilidade do provedor de acesso pelo conteúdo exibido? A quem responsabilizar pelos crimes de ofensa à honra, uso indevido de imagem, invasão da intimidade e da vida privada cometidos na Internet, no Orkut, em blogs, ou em comentários em geral?

Decisões judiciais significativas em relação ao Direito Eletrônico já foram proferidas no Brasil, mas a jurisprudência ainda não está consolidada. Existem sentenças, por exemplo, que excluem a responsabilidade objetiva dos provedores de acesso ou conteúdo, condenando o usuário que inseriu a informação a responder pelos danos.

Mais recentemente, uma decisão inédita provocou discussões entre os advogados especializados. A 28ª Vara Cível do Rio de Janeiro obrigou o Google e o Yahoo! a instalar filtros em seus motores de busca para que o nome de Robson Pacheco Pereira não seja encontrado pelos buscadores da internet. A determinação foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

Para os desembargadores, cabe ao site de busca responder pelo conteúdo apresentado na pesquisa. Na impossibilidade de impedir a citação do nome na internet, querem os julgadores proibir que ele seja encontrado. Uma semana depois da sentença de segundo grau, o nome aparece 89 vezes na ferramenta de busca do Google e 51 na do Yahoo.

Há um ano, Robson Pacheco Pereira foi indiciado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática por interceptação ilegal de dados telemáticos, mas não chegou a ser denunciado pelo Ministério Público, por falta de provas. Por causa do indiciamento, o caso teve repercussão nos principais jornais do Rio de Janeiro. Como as reportagens também foram publicadas na internet, os advogados de Pereira ajuizaram ação contra os sites Google e Yahoo!.

O objetivo foi evitar que, quando se fizesse a busca, aparecesse o nome de seu cliente vinculado ao crime. A defesa sustenta a tese do direito à imagem, direito à personalidade e do direito ao esquecimento como garantias fundamentais do ser humano. Por isso, afirma que as empresas que mantêm os sites de busca são responsáveis pelos danos causados. A defesa da Yahoo! sustenta o direito de liberdade de publicação. Por isso, não seria responsável pelos danos causados.

Na opinião de cinco especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico, o entendimento pode ser considerado censura prévia e mostra o despreparo das cortes e dos tribunais em relação ao Direito na era da Internet.

“Claro, existe a discussão de ordem constitucional sobre liberdade de expressão versus censura, mas ainda é pouco debatida no Brasil em termos de Internet”, explica o advogado especialista em Tecnologia e Internet, Omar Kaminski. “Geralmente há a ordem inicial para que o provedor de acesso identifique o usuário, e em consequência para que o provedor de conteúdo retire determinado item ou conteúdo considerado ofensivo do ar – desde que existam razões suficientes para a concessão de liminar -, para então se instaure o contraditório”. Para Kaminski, querer controlar a Internet, que é descentralizada, “é como querer controlar algo que sempre escapa pelo vão dos dedos”.

Para Nehemias Gueiros, especialista em Direito Autoral, mandar instalar filtro no mecanismo da busca configura uma decisão “inadequada” e “censura ao livre tráfego de informações”. “Manter a decisão é cometer uma grave injustiça contra os sites de busca Google e Yahoo!, que apenas fazem a varredura do que acontece na mídia e no mundo, atualizando o conteúdo disponível na grande rede. Porque então não punir também os jornais impressos que repercutiram o caso, com dano consideravelmente maior do que a Internet, já que assuntos de crimes atraem muito mais leitores do mundo físico do que do mundo eletrônico? Estamos diante de uma iniqüidade jurídica”.

O advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, especialista em Direito de Imprensa, considera que houve excesso. “Mais acertado seria mandar tirar do ar a reportagem tida por ofensiva, ou o site (se inteiramente ofensivo). Provedor não é responsável pelo conteúdo dos ‘sites’, porque apenas os hospeda, e não tem como controlar todos os conteúdos”.

Alexandre Fidalgo, que também atua na área de Direito de Imprensa, considera que qualquer decisão que impeça uma publicação constituiu censura. “Se o fato é verídico e há interesse público no assunto, há plena legalidade. A Constituição Federal no artigo 220 e artigo 5º, IX, prevê a impossibilidade da existência de censura no país; e o inciso XIV do artigo 5º assegura que a sociedade tem o direito de receber informações. Ou seja, é o Estado de Direito que autoriza o veículo de imprensa a publicar assunto de interesse, desde que verdadeiro”.

“Mesmo que a intenção tenha sido não expor a vítima, a decisão esbarra num conceito de liberdade de imprensa, assegurado constitucionalmente, e a serviço da sociedade. Melhor seria aproveitar a imprensa para esclarecer o assunto, publicando a confusão cometida pela autoridade pública”, diz.

Lá fora

O assunto não é polêmico só no Brasil. De acordo com Omar Kaminski, atualmente o Senado dos EUA está discutindo sobre a neutralidade da Internet, e isso pode afetar indiretamente o nosso país. De um lado, as grandes empresas de banda larga e acesso via cabo, que querem facilidades para a transição para o mercado de vídeo e mínima interferência do governo. De outro, aqueles que querem ter certeza que a Internet não irá se tornar melhor apenas para quem puder pagar mais por isso.

Na Alemanha, segundo explica Renato Ópice Blum, também especialista em Direito Eletrônico e presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da Fecomercio, há decisão da Corte de Hamburgo condenando o Google a não comercializar um anúncio que violava direitos autorais. Na França, existe condenação no mesmo sentido. No entanto, a obrigação não foi contra o Google, mas sim contra a pessoa que violou os direitos autorais.

“Isto é o que está acontecendo no Direito Comparado. No Direito brasileiro, temos precedentes quanto à responsabilidade do portal pelo conteúdo. Já no caso dos sites de busca, existem meras referências aos sistemas de robôs que vasculham a internet. Outros vários precedentes na retirada de conteúdo ofensivo. O Direito Eletrônico caminha para a construção da doutrina e jurisprudência”, afirma Ópice Blum.

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