Fogo amigo

Ao se aplicar um princípio, outro princípio pode ser violado

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13 de dezembro de 2006, 6h00

O conflito entre liberdade e liberdade acontece dia após dia. A liberdade de se expressar, por exemplo. Manifestar repúdio a determinada raça é racismo, mas também é liberdade de cada um dizer o que pensa. À primeira vista, a equação parece indissolúvel. Para o professor e estudioso do Direito Marcelo Neves, a resposta disso está na regra escrita. É ela quem vai determinar de que maneira o conflito entre o que ele chama de princípios será resolvido. É a regra escrita que vai permitir que o princípio seja aplicado.

Neves expôs a sua tese durante o segundo dia do III Congresso Nacional de Estudos Tributários, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) em São Paulo, nesta segunda, terça e quarta-feira (11, 12 e 13/12).

O professor enumera princípios e regras como os dois critérios que norteiam o Direito. Liberdade é um princípio. Não matar é a regra. A solução judicial sai dessa relação entre regra e princípio.

“Os princípios só se concretizam por meio de regras”, explica Neves. Ou seja, para o professor, não adianta dizer que todos têm direito à liberdade. É a regra que vai fazer com que todos exerçam essa liberdade e, para isso, traçará os seus limites.

Doce veneno

“Os princípios fazem injustiças a princípios no processo de concretização”, diz Marcelo Neves. Ao mesmo tempo em que essa regra do que pode e o que não pode ser feito norteia na prática a solução do conflito, a sua dissolução também não se dá sem os princípios, que levam à reflexão sobre a situação. Neste caso, os princípios impedem a repetição da regra em situações aparentemente iguais, mas com uma essência distinta.

Um dos ingredientes para dissolver essa eterna colisão entre conflitos é a ponderação. Para Neves, esta tem de ser usada com cautela, sob pena de se cair no que ele chama de compulsão pela ponderação. Do exagero da ponderação, diz o professor, dificilmente nascerá uma regra. “A ponderação tem de servir apenas como uma baliza das regras.”

Essa ponderação também varia de acordo com o cenário em que ocorre, explica o professor. “O pai que chega em casa e vê a filha na cama com o namorado pode colocar o menino para fora e brigar com a filha (dentro do razoável) sem que seja acusado de ferir a dignidade dos dois. Se a mesma cena ocorre no seu trabalho, com um funcionário, a sua reação já não pode ser a mesma”, compara.

O equilíbrio

“A alteridade do direito impede a idéia de princípio como direito ilimitado”, afirma Marcelo Neves. A liberdade jamais pode ser absoluta, pois ela entrará em choque com a liberdade de outrem. A resposta para isso é o equilíbrio, diz o professor. No círculo em que princípios são aplicados por meio das regras e estas são interpretadas de acordo com os princípios, o perigo fica a cargo da hipertrofia de determinado princípio ou regra para determinada pessoa ou grupo. Daí nasce a escravidão, a ditadura, o desequilíbrio.

Texto alterado em 15/12/2006

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