Entrevista: ministro Antônio Cezar Peluso
12 de abril de 2006, 7h00
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que se incomoda mais com críticas que com sua consciência, foge de seu papel. O STF ajuda o país quando dá força aos seus melhores princípios. Principalmente porque a ele cabe julgar princípios e não pessoas.
Essas são algumas das opiniões de um dos artífices do principal tribunal do país, o ministro Antonio Cezar Peluso, um juiz que não se incomoda de parecer antipático. O importante, afirma, é que cada um cumpra o seu papel.
Único juiz de carreira do Supremo, Cezar Peluso julga controvérsias entre seus semelhantes há 38 anos. Orgulha-se de seu ofício e irrita-se quando alguém se atreve a duvidar da boa fé da Justiça. Chama a atenção a rapidez com que ganhou o respeito de seus pares no tribunal.
O seu respeito pelos poderes constituídos não o impede de duvidar da eficiência de uma Constituição detalhista e analítica. Esse é o motivo, segundo ele, da dificuldade do legislador brasileiro em produzir normas que atendam as diretrizes constitucionais.
O detalhismo da Constituição, explica ele, é o que entope o Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta, de tantos questionamentos.
Peluso, que foi quem impediu que o caseiro Francenildo fosse depor na CPI dos Bingos, lamenta que a população não compreenda a função do Judiciário. O Supremo, explica, julga princípios. Não se prende às emoções do momento. E se passeios noturnos do ministro da Fazenda não se relacionam com irregularidades que envolvem o jogo do bingo, o Judiciário não pode se colocar na arquibancada de uma torcida uniformizada para misturar alhos com bugalhos.
O Supremo, explica ele, é um tribunal de princípios e as leis são feitas para a realidade e não para a arquibancada ou para o mundo acadêmico. Ainda que muitas leis sejam criadas para mudar a realidade, afirma, a Justiça existe para o mundo real, não para o imaginário de cada um.
Leia os principais trechos da entrevista, a sexta de uma série com os ministros do Supremo, feita pelo site Consultor Jurídico em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo.
Conjur — A partir de 1988, o Supremo, passa a ter atribuições e poderes que não tinha antes. O que mudou?
Cezar Peluso — Uma tendência muito forte e cada vez mais marcante: a de garantir as estruturas e os mecanismos do Estado democrático de direito,de consolidar o processo de redemocratização, de aprendizagem e vivência da vida democrática. O Supremo tem exercido um papel importante nesse sentido. A segunda tendência que começou a se desenvolver a partir de 1988 é a Corte realmente exercer o papel extraordinário de proteger as liberdades públicas e os direitos e garantias individuais. Essas são duas linhas fortes do espírito do Supremo pós-88, que não vão ser alteradas, mas reforçadas.
Conjur — Nessa adaptação o Supremo teve de se valer de diversos mecanismos para acomodar a nova Constituição. Como foi a aplicação desses instrumentos?
Cezar Peluso — São instrumentos importantíssimos para implementar as mudanças introduzidas pela Constituição. Sem esses instrumentos seria muito difícil o controle de constitucionalidade, sobretudo de normas, por exemplo, anteriores, que teoricamente estariam revogadas e não poderiam ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Então, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi criada exatamente para suprir essa lacuna, dar um rito célere com alcance amplo para resolver os casos de ofensa a direitos fundamentais por normas anteriores à Constituição em vigor, e que não poderiam ser objeto de ação declaratória e, portanto, não poderiam obter uma decisão de caráter geral. Com a ADPF, isso foi possível.
Conjur — Por participar mais das grandes decisões nacionais, há quem entenda que o Supremo governa. O senhor concorda?
Cezar Peluso — Isso é um erro de perspectiva. Não se trata de governo do Judiciário. Trata-se de uma decorrência necessária do caráter analítico de uma Constituição que, em vez de se limitar a um conjunto de normas fundamentais e essenciais, resolveu abranger um espectro muito amplo de matérias. Dessa forma, toda vez que há alguma controvérsia sobre essas matérias, ela implica de algum modo o exame da Constituição. Por isso mesmo, provocam a competência do Supremo, de modo que todo mundo acaba recorrendo à Corte. Não se trata de governo. Trata-se pura e simplesmente de o Supremo aplicar as normas constitucionais no caso em que as pessoas recorrem ao Supremo, porque os assuntos dizem respeito a essas normas constitucionais, que são amplas, que abrangem um campo largo de assuntos e de relações sociais que podiam ser reguladas muito bem por normas infraconstitucionais e que o constituinte, no seu juízo soberano, resolveu inscrever na Constituição.
Conjur — A velha guarda do Supremo entendia que o Mandado de Injunção é inaplicável. O senhor concorda com isso?
Cezar Peluso — Eu não gostaria de me manifestar sobre este assunto, porque forçosamente, mais cedo ou mais tarde, vai ser objeto de rediscussão pelo Supremo, e eu não gostaria de antecipar o meu ponto de vista sobre isso. Há, porém, certa tendência de rever a primeira posição do Supremo a respeito do Mandado de Injunção e do seu papel. Este é um daqueles instrumentos importantes introduzidos pela Constituição de 88.
Conjur — O senhor defende uma Constituição mais sintética?
Cezar Peluso — Uma Constituição mais sintética evitaria, sobretudo, a sobrecarga do Supremo, que é conseqüência desse caráter analítico da Constituição. Eu preferiria uma Constituição mais sintética, que evitaria inclusive essa Emendas Constitucionais sucessivas, que são provocadas exatamente pelo fato de ela ser muito ampla e ser muito extensa. Sempre que há mudança na realidade social, o Congresso se vê na necessidade de introduzir uma Emenda Constitucional, porque não há outra maneira de regulamentar, diferentemente, porque está na Constituição. Eu sou favorável a uma Constituição mais enxuta, mais sintética e que evitaria tudo isso, inclusive essa falsa perspectiva de que o Supremo está governando. O Supremo não governa.
Conjur — O Supremo deve ser uma Corte exclusivamente constitucional?
Cezar Peluso — Não, sobretudo por um aspecto que me parece relevante e que a experiência do Supremo me revelou. O Supremo tem desempenhado um papel muito importante em matéria criminal. A competência do Supremo em matéria penal e a experiência que o Supremo acumulou nesses anos em matéria penal, considero extremamente importantes para a salvaguarda de direitos fundamentais. O Supremo tem desempenhado uma função relevantíssima nesse campo. A cidadania em geral perderia com uma eventual subtração dessa competência do Supremo.
Conjur — O Supremo deve zelar pela governabilidade do país?
Cezar Peluso — A governabilidade não é um objeto especifico da competência do Supremo. Todas as decisões do Judiciário, em particular as decisões do Supremo, implicam conseqüências graves no plano institucional, sem dúvida nenhuma. Isto não significa que, quando avalia essas conseqüências, o Supremo esteja tomando alguma posição política em relação à governabilidade. A interpretação jurídica de qualquer norma e, especialmente, das normas constitucionais, já implica uma valoração do resultados das posições possíveis. Uma interpretação não é uma coisa matemática, nem automática. A interpretação é uma reconstrução intelectual, e esse trabalho de reconstituir o sentido da norma implica avaliação dos resultados. Nesse sentido podemos dizer que os resultados da interpretação do Supremo são ponderados em função da realidade social, mas como parte da tarefa de interpretação da norma, e não, como uma atitude política do Supremo no sentido de interferir nos outros Poderes.
Conjur — O site Consultor Jurídico fez um levantamento sobre a admissibilidade de ADIs Supremo. O resultado foi um índice de inconstitucionalidade muito alto. Onde está o problema?
Cezar Peluso — São vários os fatores, a causa não é uma só. Primeiro, uma certa complexidade da própria estrutura analítica da Constituição. Se ela fosse mais simples, eu acho que essa tarefa de legislar ficaria mais fácil. Como ela abrange uma área muito grande de matérias, isso gera certa dificuldade na legislação infraconstitucional. Outro ponto é que no nível infraconstitucional não é apenas o Congresso Nacional que legisla — e que tem uma assessoria jurídica relativamente boa. Há outros órgãos no plano estadual e municipal. E, nesses outros planos, há sem dúvida deficiências de ordem técnica. Seria preciso que todos os corpos legislativos do país tivessem uma assessoria técnica de qualidade elevada para evitar esses vícios diante da complexidade que cada decisão normativa envolve perante a Constituição. Esses são fatores importantes que ajudam a explicar essa massa muito grande de inconstitucionalidades. Há um terceiro fator, ligado a uma tradição cultural no Brasil. Aqui se legisla muito, porque se parte da crença de que tudo pode ser resolvido criando uma nova lei. Os romanos diziam que, quando há muita leis, a República não é boa. Precisamos rever um pouco essa cultura, porque nem tudo depende de mudança de lei. Às vezes depende de providências de caráter administrativo ou de providências de outra ordem, não de mudança de lei. Há um conjunto grande de fatores que explica esse elevado número de procedências de ADIs.
Conjur — Não podemos deixar de falar das CPIs e das decisões do Supremo nos pedidos quanto a quebra de sigilo e depoimento na figura de testemunha. Em uma decisão recente, o senhor impediu o depoimento do caseiro Francenildo na CPI dos Bingos. Por que, ministro?
Cezar Peluso — Pelas razões que estão expostas na minha decisão.
Conjur — Essa decisão foi muito criticada pela imprensa e pela opinião pública. Como o senhor reagiu a isso?
Cezar Peluso — Com a naturalidade com que os ministros do Supremo têm que reagir diante das críticas. Os juizes não têm que se incomodar com as críticas. Têm que tomar as suas decisões de acordo com a sua consciência. As críticas fazem parte do jogo democrático.
Conjur — O Supremo está sendo acusado de interferir no Legislativo, e portanto, na separação dos poderes. O que o senhor diz desses comentários?
Cezar Peluso — Eu acho que alguns desses comentários são expressões de divergências orientadas por pontos de vista político-partidários. Nenhuma decisão judicial contenta todo mundo. É perfeitamente natural que muitas pessoas discordem das decisões. Muitos interpretam que as decisões do Supremo não correspondem aos seus pontos de vista e manifestam discordância. Há outras pessoas que manifestam a discordância porque não conhecem. O leigo tem certa dificuldade para entender o alcance de uma norma constitucional e o alcance de uma decisão do Supremo e fazem uma crítica não jurídica. É a expressão de um inconformismo, porque contraria anseios pessoais. E há outras críticas que eventualmente perseguem objetivos políticos, ou seja, vêm de pessoas que querem criar um clima de crítica mesmo ao papel que o Supremo exerce na interpretação da Constituição, uma tentativa de desgastar a imagem da Corte, muitas vezes, por interesses pessoais.
Conjur — De uma forma geral o senhor acredita que as CPIs ultrapassaram os limites legais?
Cezar Peluso — Eu não acredito em nada. Eu me limito a examinar os casos que chegam a mim. E em muitos casos o Supremo reconheceu que houve excesso.
Conjur — Como o senhor avalia a separação dos poderes hoje no Brasil e a influência de algumas entidades como a igreja e a imprensa na harmonia dos poderes?
Cezar Peluso — Acho que essas entidades desempenham o papel que têm dentro de um Estado democrático, isto é, fazem pressões. E essas pressões correspondem a convicções, a programas, a projetos da sociedade e de setores da sociedade que elas representam. Isso faz parte da fisiologia da vida democrática e representa a vitalidade do sistema democrático, onde esses organismos têm expressão, têm voz na vida democrática, e que cada Poder leva em consideração nos limites das suas competências, no que é possível. O Supremo não pode se deixar levar na interpretação de uma norma por conta dessa pressão, mas o Congresso, por exemplo, pode modificar uma lei diante da pressão. Cada poder reage dentro dessas pressões sociais legítimas, de acordo com as suas competências. Essas instituições estão funcionando, e o povo está-se manifestando, o que é muito bom.
Conjur — A existência de um crucifixo sobre o plenário do Supremo aponta para uma preferência religiosa?
Cezar Peluso — É uma tradição cultural. Isso já foi objeto de discussão aqui dentro do Supremo há muitos anos, e se chegou à conclusão de que isso não representa tomada de posição religiosa.
Conjur — Como é ser juiz nesse momento em que o país vive de denúncias a todo momento, de corrupção, escândalos e eleições se aproximando?
Cezar Peluso — Não acho que seja muito diferente de ser juiz em outras circunstâncias. É um quadro até próprio de vésperas de eleições, em que os ânimos se acirram, os atores da vida política partidária estão em busca de resultados das eleições e acabam propiciando um ambiente de maior vivacidade, mas que, do ponto de vista do juízes, não altera muita coisa. Nada que preocupe os juízes. O que gera são apenas mais disputas.
Conjur — Há uma discussão sobre a necessidade de limitar o trabalho da imprensa. O que o senhor acha?
Cezar Peluso — A censura prévia é proibida pela Constituição. A imprensa tem que ser livre. A censura prévia é inadmissível, pelo menos em principio. Liberdade de imprensa é muito importante, e acho muito interessante a experiência da Suprema Corte norte-americana em relação à liberdade de imprensa. Lá, a liberdade de imprensa sempre foi defendida em casos que seriam até surpreendentes no ambiente brasileiro. Posições da imprensa em relação a altas autoridades norte-americanas, em termosaté censuráveis do ponto de vista ético. Mas a Suprema Corte norte-americana sempre buscou uma posição mais ou menos constante em favor da liberdade de imprensa como um instrumento importante da vida democrática e da fiscalização das autoridades.
Conjur — O segredo de Justiça vincula o jornalista? O jornalista que divulga uma decisão que está sob segredo de Justiça deve ser punido também, ou só a pessoa que repassou para a imprensa?
Cezar Peluso — Isso o Judiciário vai dizer quando for submetido a ele a questão.
Conjur — Em alguns estados como São Paulo, por exemplo, a Justiça está calamitosa: desorganizada, sufocada, atrasada e pouco informatizada. O senhor enxerga alguma solução para isso?
Cezar Peluso — Essa é uma pergunta que exigiria resposta de quem está vivendo lá dentro. Eu estou fora. Solúvel é, quanto a isso não há dúvida alguma. Nós não sabemos se a curto, a médio ou a longo prazo. É uma situação grave, que exige em primeiro lugar um diagnóstico das causas dos problemas. Com o diagnóstico, pode-se formular algumas propostas de soluções. Fala-se muito em aumentar o número de cargos de desembargadores, mas o problema só é agravado. O primeiro passo é fazer um diagnóstico preciso dos problemas e aí, sim, formular uma política mais racional de tentativa de solução. Se ficamos em tentativas de soluções pontuais, o problema é sempre levado adiante. O problema está ligado a diversos fatores, à legislação, à estrutura de recursos, à necessidade material de recursos financeiros etc..
Conjur — Esse diagnóstico a que o senhor se refere é o que está tentando fazer o CNJ em âmbito nacional. Qual a sua perspectiva?
Cezar Peluso — Temos esperança de que o Conselho Nacional tenha um papel decisivo nessa crise. Agora, temos um órgão teoricamente dotado de estrutura e capacidade de levantar esse diagnóstico para projetar políticas de caráter unitário para o país todo.
Conjur — Paralelamente ao CNJ, temos a Secretaria da Reforma do Judiciário, que tem feito propostas, principalmente no que diz respeito ao combate à morosidade. Como o senhor avalia o trabalho da Secretaria?
Cezar Peluso — Eu não acompanho de perto o trabalho da Secretaria e não posso avaliar francamente o que eles estão fazendo. O que eu tenho visto do trabalho deles, são alguns projetos. Alguns que estão tramitando e outros que já foram aprovados. Alguns são muito interessantes, mas eu receio que o que foi aprovado até agora não seja suficiente, até porque o problema, sobretudo o da morosidade, não será solucionado com a mudança de leis processuais. Talvez traga uma melhora, mas, com certeza, não vai resolver o problema. O trabalho da Secretaria é um esforço apreciável.
Conjur — O Supremo vai trabalhar sob o comando de uma mulher, a ministra Ellen Grace. Como que o senhor vê a figura do presidente perante a Corte e como o senhor imagina que será o Supremo na regência da ministra?
Cezar Peluso — É um fato auspicioso. Uma mulher assumir uma posição de comando do Poder Judiciário nacional. Isso é muito saudável, mostra que as mulheres estão consolidando uma posição que elas devem ocupar dentro da nossa sociedade. Ellen Gracie é uma juíza experimentada, de muita vivência, muito tranqüila, conhece o Judiciário, tem ótima relação com os colegas e é muito competente. Acho que vai conduzir a Corte com serenidade. Estou muito tranqüilo em relação à presidência dela e estava até desejoso de que isso viesse a acontecer. Tenho certeza de que ela vai manter o nível que os presidentes do Supremo sempre tiveram. Ela vai mostrar que uma mulher é capaz de assumir essas funções importantes na vida do país.
Conjur — O Supremo julga mais princípios ou mais as pessoas?
Cezar Peluso — O Supremo é um tribunal de princípios, e eu tenho um ponto de vista pessoal sobre isso. As leis são feitas para a realidade, e não, para o mundo acadêmico. E muitas leis são criadas para mudar a realidade. É tarefa do Tribunal ajustar a lei à realidade social. É exatamente o exemplo da Corte dos Estados Unidos, perante uma Constituição com pouco mais de 20 cláusulas. Sem mudar a Constituição, ela foi adaptando a interpretação das normas constitucionais à realidade. Houve uma época em que a Suprema Corte reconheceu que o negro não era sujeito de direito. A Constituição não mudou. O que mudou? Mudou a realidade. A norma continua a mesma, o texto continua o mesmo, mas a interpretação da norma mudou por força desse processo que os Tribunais têm como obrigação de promover, que é o de adaptação da Constituição à realidade social. Por isso a Constituição não é estática, é dinâmica, e a função dela é realmente adaptar-se e responder às novas exigências dessa realidade. Até os limites em que isso seja possível, claro.
Conjur — Como o senhor avalia a forma de escolha dos ministros do Supremo?
Cezar Peluso — Não há uma forma perfeita, aliás nada entre os homens é perfeito. Acho que há alternativas que não são melhores nem piores do que esse critério vigente, que é tradicional e tem dado certo. Não vejo motivo nenhum para a revisão desse critério. Ele reproduz, de certo modo, o critério da experiência norte-americana, muito bem sucedida. Não vi nenhuma proposta que me convencesse de que o sistema atual poderia ser modificado para uma coisa muito melhor.
Conjur — Quais foram os ministros da Corte que contribuíram para o processo de adaptação da Constituição de 88?
Cezar Peluso — Todos. É uma obra coletiva. O colegiado tem uma dialética, uma interação, onde as pessoas se influenciam reciprocamente. Essa é uma das vantagens do colegiado, a troca de idéias, de experiências e opiniões. Um tribunal muda exatamente pela interação da opinião de seus juízes. Cada um dos seus membros representa uma unidade irredutível, e há uma multiplicidade de pontos de vistas pessoais e de contribuições para decisões coletivas. Essas pessoas se renovam em gerações e é natural que as mentalidade, as culturas, o modo de ser, a formação, a história de cada um e sua personalidade influam.
Conjur — O Supremo tem ministros que vieram da advocacia, outros que são juízes de carreira, do Ministério Público e da política. Como é a contribuição de cada membro para o Supremo?
Cezar Peluso — Isso é excelente, são pontos de vistas pessoais diferenciados, mas não necessariamente divergentes, maneiras contraditórias de ver as coisas, de interpretar e de se posicionar. A grandeza do Tribunal é formada exatamente por essa multiplicidade de pontos de vistas. Eu acho que o Supremo não é um tribunal que deva ser só de juízes, embora não possa prescindir deles, exatamente porque a história do Supremo mostra que vem desempenhando bem seu papel na vida brasileira. Esse papel se deve exatamente à heterogeneidade da formação dos seus membros. Todos eles trazem experiências pessoais valiosíssimas para formar o espírito da Corte.
Conjur — O Supremo ganhou um novo membro recentemente, vai ter uma mulher no comando e em breve deve ganhar mais um novo membro. Nessa conjuntura, o que o senhor vê para o Supremo no futuro próximo no sentido do encaminhamento julgamentos?
Cezar Peluso — Olhando retrospectivamente, pode ser que a Corte mude alguma coisa, mas não está claro ainda que vá haver alguma mudança muito drástica nas posturas do Supremo.
Conjur —Com a saída do ministro Nelson Jobim, o que o Supremo está perdendo?
Cezar Peluso — Perdemos algumas coisas que eram típicas da personalidade dele. Primeiro, uma experiência política importante, que permitiu uma visão menos corporativista do Judiciário. Pela sua experiência política, Jobim tinha uma visão muito ampla da Justiça e que lhe permitiu exercer papel importantíssimo na Reforma do Judiciário. Uma outra qualidade dele é sua liderança em termos de chefe do Poder Judiciário nacional, um homem de atitudes nítidas em defesa da instituição do Poder Judiciário.
Conjur — Como o senhor avalia o empenho e o papel da imprensa na divulgação dos atos judiciais?
Cezar Peluso — Às vezes a imprensa não chega a perceber o alcance de certas decisões judiciais, fica mais preocupada com aspectos políticos, que não estão ligados necessariamente ao conteúdo dessas decisões. A imprensa podia contribuir um pouco mais para que a opinião pública entenda certas decisões. Poderia explicar, por exemplo, por que é que o Supremo toma certas decisões. O Supremo tem de interpretar a Constituição, isso é importante para a vida do país como Estado democrático de direito. Isso acaba ficando um pouco obscurecido pela importância que a imprensa dá aos aspectos de insatisfação de caráter pessoal ou da opinião, às vezes, não tão bem informada. Sublinhar certos aspectos que a opinião pública aprecia, mas que podem desprestigiar as próprias instituições democráticas. Por isso, a imprensa poderia desempenhar um papel mais valioso, esclarecendo a opinião pública. No instante em que ninguém mais respeitar a Constituição, será o principio da desordem e do retrocesso. Mostrar para o país que a essência do Estado democrático de direito está na submissão de todos à lei e reafirmar isso é fundamental.
Conjur — O senhor como tantos outros nomes de destaque do mundo jurídico se formou na Universidade Católica de Santos (SP), que é uma escola tradicional, mas é uma escola que não integra o circuito das mais famosas. Isso significa que a escola pública perdeu monopólio na formação de grandes nomes de direito pelo desmonte do serviço público ou pelo avanço das escolas privadas?
Cezar Peluso — As escolas públicas acabaram perdendo um pouco desse monopólio, porque as outras escolas se multiplicaram e a qualidade dessas outras escolas também aumentou muito. As grandes expressões jurídicas do país necessariamente saiam delas. À medida que as escolas particulares foram sendo criadas, foram crescendo e se espalhando, foi aumentando a qualidade dos seus quadros, é natural que isso fique um pouco mais diluído, que nelas também comecem a aparecer figuras de relevo no mundo jurídico. Agora as escolas públicas já não são únicas, mas conservam a sua qualidade.
Conjur — Há quem critique a proliferação dos cursos de direito.
Cezar Peluso — Eu também. Nisso a OAB está desempenhando um papel importantíssimo. Porque algumas escolas muitas vezes não têm a infra-estrutura material necessária. O país também não dispõe de quadros suficientes de professores com alta competência para dar aula em todas essas faculdades. Realmente a proliferação das escolas é um risco de degradação da qualidade do ensino jurídico.
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