Quebra de patente

Justiça condena laboratório indiano por quebra de patente

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22 de setembro de 2005, 16h14

A Justiça paulista confirmou que o laboratório norte-americano Abbott é o titular da patente do princípio ativo Lopinavir, usado na produção do medicamento Kaletra — um anti-retroviral destinado a pacientes com Aids.

A decisão foi do juiz André Gustavo Civdanes Furlan, da 13ª Vara Cível Central da capital paulista. Para ele, “a titularidade da patente é incontroversa e está demonstrada nos autos”.

O juiz condenou o laboratório indiano Aurobindo Pharma Limited — além de seu representante no Brasil, a Ab Farmo Química Ltda — a pagar indenização por perdas e danos ao Abbott e determinou que o Aurobindo se abstenha, no prazo de cinco dias, de importar, vender, manter em estoque, fabricar, comercializar e exportar o medicamento, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Cabe recurso.

O laboratório indiano, por meio do AB Farmo, está inscrito em licitação aberta pelo Ministério da Saúde, oferecendo a venda o genérico do Lopinavir para a Fundação Oswaldo Cruz. Por isso, o Abott entrou com ação na Justiça paulista reclamando o pagamento de perdas e danos decorrentes da violação da patente.

O Aurobindo se defendeu reclamando que a Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela licitação, fosse incluída no processo e, ainda, sustentou a ilegitimidade passiva do seu representante brasileiro. Pleiteou o respeito à livre concorrência e argumentou que no processo contra ele não havia demonstração de prejuízo material por parte do Abbott.

Queda-de-braço

O Abbott trava uma queda-de-braço com o Ministério da Saúde, com a OMS — Organização Mundial da Saúde e com ONGs de combate à Aids. O governo ameaçou várias vezes quebrar a patente do Kaletra, mais negocia reduzir o preço da droga. Na gestão do ex-ministro Humberto Costa, chegou a ser anunciado que um acordo fora fechado, com a redução do preço do remédio de US$ 1,17 para US$ 0,70. O atual ministro Saraiva Felipe espera que o laboratório ofereça um preço próximo do custo unitário estimado, que é de US$ 0,49.

No caso de quebra de patente, o governo levará dois anos entre o início de fabricação do Kaletra brasileiro (pelo Instituto Manguinhos) e a distribuição do medicamento entre os pacientes, devido à obrigatoriedade de testes de qualidade e bioequivalência. Até lá, a saída mais econômica seria o governo comprar a versão genérica do Kaletra no mercado internacional, que é vendido, no menor preço, por laboratórios chineses e indianos.

Kaletra

O Kaletra é o mais importante medicamento que compõe o coquetel anti-Aids distribuído gratuitamente pelo governo federal. Dos 170 mil brasileiros atendidos pela distribuição de medicamentos do programa DST/Aids, 23,4 mil tomam o Kaletra, que representa 30% do orçamento de compra de medicamentos para o tratamento da doença. Os gastos com a compra do Kaletra, neste ano, serão de R$ 257 milhões.

O remédio apresenta eficácia em pacientes que não respondem bem a outros anti-retrovirais, remédios do coquetel anti-Aids responsáveis por diminuir a reprodução do vírus HIV. As negociações para redução do preço do medicamento se iniciaram em março.

Leia a sentença

Vistos.

ABBOTT LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA. e ABBOTT LABORATORIES ajuizaram ação cominatória c.c. perdas e danos em face de AUROBINDO PHARMA LIMITED e AB FARMO QUÍMICA LTDA. alegando em síntese ser titular da patente do princípio ativo denominado LOPINAVIR, utilizado no preparo da medicação KALETRA usada no combate à Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS).

Ocorre que a primeira ré, por intermédio de sua representante no Brasil (segunda ré), ingressou em certame licitatório oferecendo à venda produto idêntico ao do objeto da patente (fornecimento de vinte quilos de LOPINAVIR à Fundação Oswaldo Cruz), o que ensejou violação da PI 1100397-9. Pleitearam a título antecipatório sejam as rés impedidas de importar, oferecer à venda, manter em estoque, fabricar, comercializar, exportar, fornecer para quem quer que seja ou de qualquer modo explorar comercialmente a patente, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, a ser tornada definitiva ao final, além do arbitramento de perdas e danos decorrentes da violação em soma a ser apurada em liquidação de sentença de acordo com o valor integral da venda dos produtos contrafeitos fabricados a partir de 28/10/1997.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 22/383. A antecipação de tutela foi indeferida (fls. 385/386). Citadas, as rés responderam a fls. 461/465, com os documentos de fls. 466/506 e 508/514, com os documentos de fls. 515/597, pleiteando preliminarmente a ilegitimidade passiva da segunda ré por agir como mandatária da primeira e por ter renunciado à representação; denunciação da lide ou chamamento ao processo da Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela eclosão da licitação; improcedência à luz do artigo 43, inciso II da Lei Federal 9.279/96 e imperiosa necessidade de respeito à livre concorrência; falta de demonstração de prejuízo material.

Réplicas a fls. 606/616 e 618/635.

Houve oportunidade para especificação de provas e manifestação das rés a respeito de documento encartado com a réplica (fls. 645 e 655/658). Constam manifestações das partes declinando da produção de prova oral ou pericial (fls. 650 e 652/653). Houve regularização da representação processual das autoras (fls. 660/665).

É o relatório.

Fundamento e DECIDO.

1. O feito comporta julgamento no estado em que se encontra por haver instrução satisfatória, conforme artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil. O acordo está inviabilizado em razão do teor de fls. 652.

2. Rejeito as preliminares articuladas pelas rés.

2.1 A segunda ré (empresa brasileira) é parte passiva legítima: os documentos que instruíram a inicial comprovam que se habilitou em licitação para a venda da substância patenteada (fls. 60, 334/337 e 341). O fato de atuar como mandatária da primeira ré não a exime de responder civilmente pelos atos praticados dispõe de personalidade jurídica própria e responde solidariamente por eventual ilicitude (CC, artigo 942). Indiferente se renunciou à representação perante a fundação. O vínculo entre as rés subsiste.

2.2 Não é caso de denunciação da lide ou chamamento ao processo. A Fundação Oswaldo Cruz limitou-se a abrir pregão para aquisição, dentre outras, da substância LOPINAVIR. Agiu, ao que consta dos autos, com finalidade eminentemente científica (artigo 43, inciso II da Lei Federal 9.279/96, cf. fls. 493/494). Não merece responsabilização na esfera regressiva tampouco pode ser considerada devedora solidária com relação aos fatos litigiosos.

2.3 Mantenho as réplicas encartadas aos autos, uma vez ofertadas dentro do prazo legal (fls. 605, 606 e 618).

3. No mérito o pedido é procedente com observação no pleito indenizatório. A controvérsia instaurada na presente demanda consiste em saber se as rés podem dispor do produto patenteado bem como se cabe o arbitramento de perdas e danos. A titularidade da patente é incontroversa e está demonstrada nos autos (fls. 70). A proteção buscada pela autora encontra fundamento no artigo 42, inciso I da Lei Federal 9.279/96. É fato que a fundação que fez desencadear o certame enquadra-se na hipótese do artigo 43, inciso II da Lei Federal 9.279/96 (estudos ou pesquisas científicas). Todavia a exceção não pode beneficiar as rés, que diversamente da entidade de direito público atuam com a intenção de lucro e para tanto não podem utilizar a propriedade intelectual alheia.

O regime da livre iniciativa (Constituição da República, artigo 170, caput) não impede a proteção à propriedade industrial a teor do inciso II do mesmo dispositivo constitucional e do artigo quinto, incisos XXII e XXIX da Magna Carta. Não há que se confundir liberdade de iniciativa com possibilidade de violação de patente por empresa privada que atua no mesmo ramo da titular.

No tocante às perdas e danos, a pretensão encontra amparo no artigo 44 da Lei Federal 9.279/96. Constatada a violação da patente (fato que se infere da inequívoca habilitação das rés na licitação), pertinente o arbitramento de indenização. A reparação consistirá no valor integral da efetiva venda dos produtos contrafeitos a partir de 28/10/1997 (data incontroversa da publicação do pedido de patente), a ser apurado em regular liquidação de sentença por artigos após o trânsito em julgado (CPC, artigos 608 e 609). Referidos valores sofrerão correção monetária na forma da tabela prática do E. Tribunal de Justiça de São Paulo desde a respectiva venda e serão acrescidos de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação no processo de conhecimento (fls. 457; CC artigos 405 e 406). Justifica-se a adoção desse tipo de procedimento de liquidação porque há necessidade de provar fato novo, qual seja, a efetiva venda pelas rés em território nacional dos produtos patenteados a partir da data da publicação do pedido. Mantenho o indeferimento da tutela antecipada.

Em que pese presente a figura da prova inequívoca, não se colhe dos elementos carreados aos autos a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação tampouco abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório (CPC, artigo 273, incisos I e II). A imposição do dever de indenizar ensejará recomposição do patrimônio da titular da patente. Ressalvo eventual entendimento contrário da E. Superior Instância em sede de agravo de instrumento.

4. Ante o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. e outra em face de Aurobindo Pharma Limited e outra para determinar às rés que se abstenham, no prazo razoável de cinco (05) dias, de importar, oferecer à venda, manter em estoque, fabricar, comercializar, exportar, fornecer para quem quer que seja ou de qualquer modo explorar comercialmente a patente PI 1100397-9, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Condeno as rés ao pagamento de indenização por perdas e danos nos termos da fundamentação. Sucumbentes, arcarão as rés com o pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da condenação.

Providencie-se a exclusão dos nomes dos i. patronos renunciantes de fls. 647/648, anotando-se os nomes dos novos, caso ainda não providenciado.

Oficie-se ao E. Tribunal de Justiça informando, com cópia, o teor desta decisão para instrução do agravo de instrumento nº 387.996-4/2.

P.R.I.C.

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