Fim da burocracia

Regra que desobriga apresentação de BO para aborto é legal

Autor

10 de março de 2005, 18h43

A polêmica em torno da norma baixada pelo Ministério da Saúde para dispensar as vítimas de estupro de apresentar Boletim de Ocorrência que comprove o crime para ter direito de abortar não chegou à seara do direito. A desburocratização do processo e a preservação da integridade física e mental da vítima de estupro, para os advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico, são por si só suficientes para justificar a medida do governo.

A nova norma, afirmam, pode até criar uma eventual possibilidade para se burlar a lei penal — que proíbe o aborto, exceto em casos de violência sexual e de risco de vida da gestante. Mas, ao mesmo tempo, não há previsão legal que diga que a vítima deve declarar o crime às autoridades policiais. “A obrigação não é expressa em lei”, diz o advogado Jair Jaloreto Júnior, do escritório Campos Bicudo, Jaloreto, Louzada e Dietrich Advogados. O artigo 128 do Código Penal não prevê a exigência de apresentação de documentos nesses casos.

A legislação também concede à vítima o poder da escolha de não denunciar o estuprador. Tanto que o artigo 213 do Código Penal condiciona a investigação à vontade da mulher de entrar com queixa-crime no Ministério Público. O MP, se for o caso, entra com ação penal privada — com exceção dos casos de abuso do pátrio poder ou de falta de recursos financeiros da vítima.

“Se a mulher tem a alternativa de nada fazer, não faz sentido que ela tenha de passar pelo processo policial, vencer o temor do estuprador, o preconceito e o medo de represálias para ter o direito de abortar”, afirma Dora Cavalcanti Cordani, do escritório Ráo, Cavalcanti & Pacheco Advogados. Nesse caso, prevalece o interesse em preservar a integridade da vítima em detrimento do interesse do estado em processar o criminoso.

“Sob a ótica do Código Penal, a alteração [promovida pelo Ministério da Saúde] está alinhada com o espírito da lei penal. A mulher não deve ser obrigada a passar por exposição à qual não é sujeita pela lei para solucionar um drama de saúde”, diz.

Além disso, via de regra, afirma Jaloreto Júnior, “o estupro deixa vestígios que podem ser investigados pelo médico antes de proceder ao aborto”. Até porque, diz ele, da mesma forma que a vítima pode mentir sobre o crime para o sistema de saúde público, ela pode deturpar o teor do BO, já que não existe investigação sobre ele. “Na prática [a norma] só elimina um entrave burocrático desnecessário”, diz.

Se a medida abre um precedente para a legalização do aborto? O advogado Maurício Leite, do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, responde: “A norma não descriminaliza a conduta abortiva, e nem poderia, por força dos preceitos constitucionais existentes”. Com ele, concorda Dora Cavalcanti: “ela não amplia a possibilidade legal para o aborto”. O que ela faz é facilitar o procedimento que, se demorado por ser burocrático, pode prejudicar a saúde da gestante.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!