Informação e sigilo

TJ-RJ suspende processo criminal contra jornalista Ancelmo Gois

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1 de agosto de 2005, 21h26

A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu liminarmente, na quinta-feira (28/7), processo penal contra o jornalista Ancelmo Gois. Ele está sendo processado por publicar informação que estava sob segredo de Justiça. Se condenado, pode pegar até seis anos de prisão. O relator, desembargador Carmine Savino Filho, solicitou mais informações à 25ª Vara Criminal da Justiça do Rio, onde o processo tramita.

Gois publicou, no dia 27 de fevereiro de 2004, em sua coluna no jornal O Globo, a informação de que o desembargador do TJ-RJ Francisco José de Asevedo foi condenado a pagar indenização de R$ 170 mil para a juíza Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio, da 5ª Vara de Órfãos e Sucessões, por tê-la acusado de prevaricação e lhe dado voz de prisão.

Gois foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro como co-autor por publicar o desfecho do caso já que o processo corre em segredo de Justiça. O resultado desfavorável ao desembargador teria sido divulgado ao jornalista por um funcionário público da 5ª Câmara Cível da capital fluminense, que não foi identificado.

Em nota oficial enviada ao presidente do TJ-RJ, desembargador Sérgio Cavalieri, e ao procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Martins Vieira, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) alega que a aceitação da denúncia contra Ancelmo Gois contraria disposições constitucionais que garantem a liberdade de informação.

Interesse público

Para o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, se jornalistas fossem destinatários do sigilo imposto aos processos com segredo de justiça, o governo não teria encaminhado ao Congresso projeto de lei exatamente com essa previsão. Como tem repetido insistentemente em seus votos, Celso de Mello assegura que aos jornalistas cabe divulgar as informações que recebe e ao agente público protegê-las.

Quanto ao enquadramento suscitado, o parágrafo 1º do artigo 325, o ministro chama a atenção para o fato de que, a partir do artigo 312 do mesmo Código Penal, os dispositivos constantes, chegando ao artigo 325, tratam todos de crimes de servidores contra a administração pública caso em que, evidentemente, não se enquadram jornalistas. O fato reforça a noção expressa pelo criminalista Paulo José da Costa Júnior, em livro, onde afirma que o particular a quem for revelado segredo não pratica o crime, “a menos que o mesmo tenha instigado o funcionário a revelar o que se divulgou”.

Na opinião do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o enquadramento “parece não se aplicar” ao caso concreto. Também falando em tese, o ministro assinala que, ao menos em relação à legislação em vigor, a infração citada no Código Penal só é possível quando no pólo passivo se encontrar um servidor público.

Outra ressalva, já feita pelo ministro em muitos de seus votos, diz respeito à presença do interesse público no fato noticiado. O desembargador em questão não praticou os atos questionados na esfera de sua privacidade ou da sua intimidade. Foi um ato funcional e público — e, ao público, o infrator deve satisfações — componente que tira do fato o véu do sigilo.

O ministro Marco Aurélio, sobre o mesmo tema, começa por questionar se o segredo de justiça, previsto para proteger da divulgação elementos constantes do processo, se estende também à decisão. “Precisamos estabelecer o que é regra e o que é exceção”, alerta o ministro. “Não podemos interpretar de maneira elástica a exceção — esse critério se aplica à regra. A exceção deve ser interpretada de forma restrita”, afirma ele referindo-se à vedação da publicidade prevista na Constituição.

Nessa linha de raciocínio, o ministro chega a perguntar sobre a validade de sigilo em uma corriqueira ação indenizatória por dano moral. “Não se pode potencializar o segredo em desfavor do interesse público que se sobrepõe ao interesse individual”, afirma.

Sigilo da fonte

Advogados questionam se o segredo de Justiça pode ser aplicado a um jornalista, que não é funcionário público. Alcyone Vieira Pinto Barretto, advogado responsável pela defesa de Ancelmo Gois, acredita que, se o jornalista tivesse revelado sua fonte, ou seja, o servidor que lhe passou as informações, não sofreria esse processo. Para ele, no entanto, isso é um “absurdo”, já que a lei de imprensa prevê justamente o contrário, que o jornalista preserve sua fonte. “Como jornalista, ele não está sujeito a um crime cometido por funcionários públicos.” Segundo Barretto, por não ser agente público, Gois não violou o sigilo funcional. Ele não revelou o processo, mas apenas noticiou uma decisão.

Barreto também alega que, na consulta de andamento processual disponível na internet, estavam disponíveis até os nomes das partes, e não consta que o processo tramitava em segredo de Justiça. No pedido de Habeas Corpus para suspender o processo penal, o advogado lembra que o inciso LX do artigo 5º, da Constituição Federal, estabelece que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem”, o que não acontece no fato. No Habeas Corpus, Barretto ainda escreve que a denúncia “tem por escopo não fazer justiça, mas vingança por ter o paciente, como jornalista, mantido o sigilo da fonte de informação”.

Outros especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico têm a mesma posição de Barretto. Para eles, o jornalista pode sim publicar a informação da decisão, mesmo se o processo estiver sob sigilo. “Ele pode noticiar a decisão, mesmo se o processo estiver sob segredo de Justiça, desde que não publique a decisão ou peculiaridades”, considera o advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival J. Santos.

Aldo de Campos Costa, advogado e professor da Faculdade de Direito da UnB, também entende que o segredo de Justiça preserva o conteúdo do material, e não a notícia do seu resultado.

O criminalista Alberto Zacharias Toron, também esclarecendo falar em tese, já que há advogado constituído no caso, diz não ter dúvida de que “jornalista não se insere no contexto divisado no texto legal”. Para Toron, que diz ver o caso com preocupação, “o texto se dirige claramente ao agente público”.

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