Contenção de abusos

Intuição de policial não permite invadir domicílio sem autorização, diz STJ

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4 de outubro de 2017, 13h30

A mera intuição sobre eventual traficância de entorpecentes, embora autorize a abordagem policial em via pública para averiguação, não é, isoladamente, justa causa para a polícia entrar na casa do suspeito sem o consentimento dele. Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para manter a absolvição de uma mulher por falta de provas. Ela foi condenada em primeiro grau por tráfico de drogas.

Por unanimidade, os ministros seguiram o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, para quem a motivação para a invasão domiciliar sem determinação judicial deve ser comprovada minimamente, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.

Segundo ele, havia somente vagas suspeitas sobre eventual tráfico de drogas praticado pela ré, em razão, única e exclusivamente, de informações de que haveria venda de entorpecentes na rua onde morava. “Aliás, o tráfico poderia muito bem estar sendo praticado inclusive por outro vizinho ou qualquer outro morador”, afirmou o ministro.

Schietti diz no voto que a polícia não fez prévia investigação para verificar a eventual veracidade das informações que recebeu. “Ademais, o simples fato de haver um casal na porta de sua residência não pode, por si só, ser tratado como movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.”

O relator destaca ainda que, na revista pessoal, os policiais militares não encontraram nada de ilícito com ela, apenas R$ 93. Os PMs só acharam 11 pedras de crack quando invadiram a residência dela.

Citando a Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, de origem norte-americana, consagrada no artigo 5º da Constituição brasileira, o ministro manteve a absolvição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por entender ser nula a prova derivada de conduta ilícita. De acordo com o voto, é evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio de forma ilícita e a apreensão de drogas.

Foi contra a decisão do TJ-RS que o Ministério Público gaúcho foi ao STJ. O MP defendia que o tráfico de drogas é crime de caráter permanente e que não havia exigência de ordem judicial para entrar na casa da mulher, que foi defendida pela Defensoria Público do Rio Grande do Sul.

“A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser considerado quando, no conforto de nossos gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda”, disse Schietti.

Minimização de abusos
O ministro sugeriu em voto condições para diminuir o risco de abusos policiais em invasão de domicílios, sem autorização judicial, por causa de suposto flagrante por crime de tráfico de drogas. Ele afirma que isso é importante para assegurar manifestação da vontade do envolvido e afastar pressão psicológica que o impeça de exercer seus direitos constitucionais.

Para o ministro, apesar da decisão do STF reconhecendo a validade da entrada em residências sem mandado, inclusive durante a noite, quando “amparada em fundadas razões”, ainda não existe orientação jurisprudencial nem leis ou regramentos administrativos para minimizar a prática “tão comum em comunidades de baixa renda, em que casas são ocasionalmente invadidas sem o amparo do Direito”.

Citando exemplos de decisões do Tribunal Supremo da Espanha, ele fala em outorga “consciente e livre” da autorização para o ingresso no domicílio, que pressupõe ausência de violência ou qualquer intimidação por parte da polícia. Para o ministro, a jurisprudência espanhola expressamente diz que, se o consentimento vier de pessoa já presa ou conduzida, a anuência do preso somente será válida caso ocorra com a assistência de um advogado.

Schietti defende também o requisito estabelecido pela corte do país europeu que regula a situação na qual diversas pessoas sejam atingidas pela violação do domicílio. Nesses casos, explica, a jurisprudência reconhece a autorização de uma pessoa, desde que seja cotitular do direito protegido. “Assim, não se poderia validar o ingresso policial em uma residência se quem consentiu na entrada dos agentes da segurança pública era, por exemplo, pessoa não residente, mas apenas frequentadora do local”, afirmou.

Clique aqui para ler o acórdão.
REsp 1.558.004

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