Omissão legislativa

Congresso tem um ano para aprovar compensação de renúncia de ICMS

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30 de novembro de 2016, 17h25

O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu nesta quarta-feira (30/11) a omissão inconstitucional do Congresso em não dizer quanto a União deve repassar aos estados pela imunidade de ICMS a produtos destinados a exportação. Os ministros ainda deram 12 meses para os parlamentares editarem uma lei complementar sobre o assunto e, caso falhem, a tarefa será repassada ao Tribunal de Contas da União.

Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, relator. O reconhecimento da “mora inconstitucional” do Congresso foi unânime. Quanto ao prazo, ficou vencido o ministro Marco Aurélio. Sobre a delegação da tarefa ao TCU, discordaram do relator os ministros Teori Zavascki, Marco Aurélio e Cármen Lúcia.

A discussão foi levada ao Supremo numa Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Nela, o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), afirma que o Congresso incorre em inconstitucionalidade enquanto não regulamentar o artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.

O dispositivo do ADCT é uma decorrência da Emenda Constitucional 42, a “reforma constitucional” elaborada pelo governo Lula já em 2003, seu primeiro ano de governo. Ela estabeleceu que não incide ICMS sobre “operações que destinem mercadorias para o exterior”, e nem sobre serviços prestados a destinatários lotados fora do Brasil. Por isso, foi incluído no ADCT um dispositivo que obriga a União a repassar uma quantia aos estados como compensação por essa isenção fiscal constitucional.

Só que o ADCT delegou a uma lei complementar estabelecer quanto a União deverá repassar aos estados e qual será a forma de divisão. O dispositivo transitório só diz que, do valor pago a cada estado, 75% ficarão com o próprio estado e 25% serão distribuídos entre seus municípios.

Prejuízos reais
Durante a conclusão do julgamento nesta quarta, o ministro Gilmar Mendes se disse impressionado com  a argumentação do governo paraense. A ministra Cármen Lúcia concordou com ele. A defesa do estado, de fato, pintou um quadro preocupante.

Segundo a petição enviada ao Supremo, a renúncia de ICMS exigida pela reforma tributária de 2003 corresponde a 29% do PIB do estado. Em outros estados, essa cifra é de 9,62%, segundo cálculos da Secretaria de Fazenda paraense.

Essa renúncia fiscal começou em 1996, com a edição da Lei Kandir, que definiu o ICMS como ele é hoje. A lei ampliou uma renúncia que já vinha do artigo 155 da Constituição Federal: mudou de “produtos industrializados” para importação para “produtos destinados ao exterior”.

Na petição, o governo paraense informa que, se não fosse essa renúncia, a arrecadação do estado entre 1996 e 2012 seria de R$ 20,5 bilhões. Mas a compensação paga pela União nesse período foi de R$ 5,5 bilhões, alega o Pará.

Omissão legislativa
Não houve discussão quanto ao reconhecimento da omissão do Congresso em relação ao tema. Seguiu-se o voto do ministro Gilmar, para quem a omissão não é a falta de lei, mas a falta de norma sobre o que se espera de uma lei. A União, no processo, apresentou uma série de projetos em tramitação no Congresso sobre o tema, inclusive propostas de emenda à Constituição.

“O fato de existirem, em tramitação atualmente no Congresso Nacional, algumas proposições acerca do tema não é suficiente para afastar a inércia legislativa, passados dez anos da promulgação da EC 42/2003”, responde o ministro Gilmar. “Pode o Supremo Tribunal Federal reconhecer a mora do legislador em deliberar sobre questão, declarando, assim, a inconstitucionalidade por omissão.”

Outro argumento levado ao Supremo é que o próprio ADCT estabelece critérios temporários, que vigoram enquanto não é editada uma lei complementar, conforme exige o artigo 91. Mas, para o relator, isso não é suficiente para afastar a configuração da omissão do Congresso. “Ao contrário: o sentido de provisoriedade estampado no teor do parágrafo 2º do artigo 91 só confirma a omissão do Congresso Nacional na matéria. Não tem o condão de convalidá-la.”

Poderes com prazos
O ministro Gilmar anda preocupado com a execução das decisões objetivas do Supremo. No caso da omissão, por exemplo, ele acredita que a única forma de sanar o problema será dar ao Congresso um ano para que aprove uma lei sobre o assunto.

“A grande questão reside na forma de dar efetividade à decisão de reconhecimento de inconstitucionalidade”, escreveu. “Um tribunal apenas terá efetivo poder caso possa, além de conceder a tutela requerida pelo jurisdicionado, garantir também que suas decisões sejam executadas. Com uma Corte Constitucional isso não é diferente. Seus acórdãos não devem servir apenas para declarar ou solucionar determinada situação jurídica, mas para serem efetivamente cumpridos.”

O ministro Marco Aurélio, vencido nessa questão, prontamente reclamou. Disse que dar prazo para outro poder significa criar uma norma de conduta, o que não pode ser feito pelo Judiciário — disse o mesmo a respeito de dar ao TCU a competência para regulamentar o assunto, caso o prazo vença.

Para o ministro, o Supremo invade a competência do Legislativo quando age assim. Em uma das frases que costuma repetir, Marco Aurélio diz que, quando o STF avança em suas atribuições, “lança um bumerangue que pode voltar em nossas testas”. Exemplo disso, citou, foi visto na 1ª Turma em sua decisão sobre a criminalização do aborto.

Na terça-feira (29/11), a 1ª Turma decidiu, num Habeas Corpus, que o aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. A decisão foi à tarde. Na madrugada desta quarta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou a criação de uma comissão para discutir a decisão.  

“Se nós entendermos que houve uma interferência no Congresso Nacional, no nosso poder, no poder dos legisladores, o nosso papel é legislar, que seja para ratificar ou retificar. Acho que isso vai ser uma decisão do Plenário em uma emenda constitucional que está apresentada", afirmou o deputado. Ele disse que fará isso toda vez que entender que o Supremo invadiu a competência do Legislativo.

Técnica decisória
Caso o Congresso não aprove uma lei nos 12 meses estipulados pelo Plenário, a proposta do voto do ministro Gilmar é que o TCU assuma a incumbência. De acordo com o voto, a corte de contas decidirá quanto será o montante decido pela União e como será feita a divisão.

Os critérios para divisão devem obedecer os “entendimentos entre os estados” manifestados no Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz.

Além de Marco Auréilio, os ministros Teori Zavascki e Cármen Lúcia discordaram. Para Teori, a ação de inconstitucionalidade por omissão vem se aproximando do mandado de injunção, pelo menos quanto à forma de pedir. Por isso, defendeu que a forma de decidir também se aproxime.

O mandado de injunção cabe quando um direito constitucional fique sem regulamentação por omissão do Congresso Nacional. Mas ele serve para o exercício de um direito subjetivo, e não pode ser ajuizado por entes federados nem partidos.

Segundo o ministro Teori, para o Supremo estabelecer um prazo de ação, depois de reconhecer a mora legislativa, ou se ocupar da tarefa de regulamentar, é preciso que a corte aponte reiteradas omissões. Foi o que aconteceu com a greve dos servidores: depois de uma série de decisões, e de o direito de greve estar descrito na Constituição desde 1988, o Congresso não adotou nenhuma posição. O STF, então, decidiu pelo corte de ponto dos servidores.

Para Teori Zavascki, o mesmo deveria ser feito com as ações de inconstitucionalidade por omissão. E no caso da Lei Kandir, não houve reiteradas discussões sobre o fato. Esta foi a primeira vez que o Supremo discutiu a omissão do Congresso em relação à compensação da União pela renúncia fiscal de ICMS para exportados.

A ministra Cármen Lúcia concordou com o prazo, mas foi contra envolver o TCU. Segundo ela, a Constituição já estabelece que o descumprimento de prazo pelo Legislativo já atrairia novamente a competência do Supremo para tratar de novo do assunto.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
ADO 25

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