Parte ilegítima

Delatado não pode questionar validade de acordo de colaboração premiada

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8 de novembro de 2016, 13h55

O acordo de delação premiada é um negócio jurídico processual personalíssimo, que só gera direitos e obrigações para as suas partes. Assim, só elas podem contestar suas disposições, e outros acusados ou delatados não têm legitimidade para contestar as informações da colaboração, pois esta não interfere na esfera jurídica de terceiros. Esse foi o entendimento firmado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar Recurso em Habeas Corpus de três policiais militares do Rio de Janeiro acusados de corrupção passiva e peculato na Justiça Militar e organização criminosa e dispensa indevida de licitação.

Os agentes foram presos preventivamente após outro investigado firmar acordo de colaboração premiada e acusá-los de participar de uma quadrilha que desviava verbas do fundo de saúde da polícia por meio de fraudes a licitações, peculato, falsidade ideológica e concussão.

Contra a detenção, a defesa impetrou Habeas Corpus, sustentando que a delação seria nula, uma vez que não há previsão a esse tipo de acordo no Código Penal Militar e no Código de Processo Penal Militar. Além disso, os advogados argumentaram que o juiz que homologou o compromisso — da Auditoria Militar — não teria competência para fazê-lo, pois não existe o crime de organização criminosa nas leis que regem os integrantes das Forças Armadas e polícias.

Contudo, o HC foi negado. Os policiais então foram ao STJ. O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, apontou que a defesa inovou ao questionar a validade de acordo de delação na Justiça Militar, uma vez que não apresentou esse argumento no HC original. Assim, o ministro negou a análise desse ponto, o que consistiriam em supressão de instância.

Quanto à alegação de nulidade do compromisso, Fonseca afirmou que apenas o delator e as autoridades que o celebraram podem contestá-lo — e há diversos motivos para fazê-lo, pois diversas cláusulas dos acordos da operação “lava jato” (pioneira no uso deles) violam a Constituição e leis penais, como mostrou a ConJur.

Segundo o relator, por ter natureza de negócio jurídico processual personalíssimo, “bem como por se tratar de meio de obtenção de provas, e não de efetiva prova”, os outros investigados, réus ou citados não podem questionar acordo de colaboração premiada. Isso porque o compromisso, em si, “não tem o condão de atingir a esfera jurídica [do terceiro], faltando-lhe, pois, interesse de agir no que se refere à legalidade ou não do acordo”, destacou.

O magistrado fundamentou sua interpretação no voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli no HC 127.483. Por meio dessa medida, a defesa de um dos executivos da Galvão Engenheira envolvido na “lava jato” buscava anular a delação premiada do doleiro Alberto Youssef — espinha dorsal da operação — e todas as provas que surgiram a partir dos depoimentos dele.

O argumento dos advogados era que a colaboração foi firmada pelo Ministério Público Federal sete dias depois de o juiz federal Sergio Moro considerar que Youssef quebrou um acordo anterior de 2003, no chamado caso Banestado. Eles apoiaram-se em parecer de Gilson Dipp que apontava dois problemas: o colaborador não teria credibilidade, como diz a Lei de Organizações Criminosas, e o MPF omitiu o descumprimento na primeira chance.

Mas Toffoli rejeitou a ação constitucional do executivo. Em seu voto, o ministro disse que “negar-se ao delatado o direito de impugnar o acordo de colaboração não implica desproteção a seus interesses”. A seu ver, existem duas razões para isso. Uma é que nenhuma sentença pode ser proferida apenas com base em informações prestadas em compromisso de colaboração. Outra é que o delatado terá direito ao contraditório para confrontar as acusações.

Fonseca ainda ressaltou que a homologação do acordo de delação é mera atribuição de eficácia aos direitos e obrigações nele contidos, não havendo, assim, interesse de terceiros para questionar a legalidade de tal decisão. Dessa maneira, ele votou pelo indeferimento do recurso, e foi seguido pelos ministros Marcelo Navarro, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Jorge Mussi.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
RHC 69.988

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