Juristas normalpatas no crime rasgam o véu e cobrem os olhos
5 de março de 2016, 8h00
São juristas a-históricos, atemporais, a-contextuais, que analisam qualquer conduta a partir do formalismo, salvo se há alguma projeção e empatia, distinguindo, quando convém, o caso penal. Acreditam que estão do lado do bem, dos bons e, na ânsia compulsiva por normalidade, autorizam-se a “consertar” o mundo que não se adapta ao modelo mental de ordem e disciplina, mesmo que em suas vidas privadas e no exercício das funções públicas não sejam tão probos assim. Muitos adotam o cinismo como padrão, já que para o outro não vale o que faço. Aliás, muitas vezes, em nome do bem, segundo eles, é necessário ser ilegal.
O frenesi das cruzadas, das lutas pela destruição do mal que se propaga na sociedade é o leitmotiv de muitas atuações — de boa-fé — que não entendem o possível papel democrático do Poder Judiciário, lançando-se na luta por harmonia social, desejada em alguma medida, mas impossível de ser alcançada em sociedades plurais e com alto grau de exclusão social.
Os juristas normalpatas são normais demais. Normais além da conta. Acreditam na fé inabalável de suas crenças, cuja destruição somente pode acontecer quando o sistema penal do esculacho e da aniquilação intercepta um parente ou amigo próximo. Aí, talvez, seja o ponto de mutação, até porque um dia se aposentam e, aí, nesse exato momento, a normalidade penal pode virar contra o aprendiz de feiticeiro, já que outros “normais”, absolutamente normais, aplicarão o Direito Penal normal, demais.
A autonomia do Direito e a necessidade democrática do Direito Penal precisam ser recompostas. A máscara da neutralidade é ideologicamente imposta, basta saber até quando o jurista normalpata a usará. Talvez sempre, ou não. Se dar conta e pensar por si não é tarefa para quem quer, mas para quem pode.
[1] BARROS, Luiz F. Os normalpatas, não matei Jesus Cristo e outros textos. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
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