Presença obrigatória

Proibir advogado de acompanhar interrogatório torna investigação nula

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15 de janeiro de 2016, 6h01

A nova lei que garante acesso a todos os documentos de uma investigação considera nulos interrogatórios ou depoimentos colhidos de pessoa investigada sem assistência de seu advogado, incluindo todos os elementos de prova decorrentes ou derivados dessas falas. A regra foi fixada pela Lei 13.245/2016, publicada nesta quarta-feira (13/1).

A Lei 10.792/2003 já considerava obrigatória a presença de um defensor durante o interrogatório do investigado preso, no curso do processo penal. A novidade é que agora fica expressa a prerrogativa do advogado de acompanhar fases preliminares de investigação — e não só perante a autoridade policial, mas em apurações movidas por “qualquer instituição”, como o Ministério Público e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Se o profissional for barrado, haverá nulidade absoluta “do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente”, conforme a nova regra, que altera o artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

O Superior Tribunal de Justiça já negou anular confissão de uma ré que, mesmo avisada sobre os direitos de permanecer em silêncio e de ser acompanhada por um advogado, aceitou falar sem a companhia de ninguém. Para o autor do projeto de lei, deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), a partir de agora nem o investigado pode abrir mão da garantia. Quando não tiver advogado, é obrigação das autoridades providenciar dativo ou defensor público, avalia.

Já o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, entende que a presença do advogado “fica no campo da autonomia da manifestação de vontade”, como no caso de pessoas convocadas para depor em comissões parlamentares de inquérito. Exigir que um defensor sempre acompanhe o interrogatório na polícia, para o ministro, “seria burocratizar demasiadamente o inquérito”. Na jurisprudência da corte, o inquérito policial é visto como peça meramente informativa, não suscetível de contraditório.

Assim, segundo Marco Aurélio, a nova lei segue jurisprudência do próprio Supremo, que garante prerrogativas do profissional do Direito — o acesso aos elementos que fazem parte de apurações, por exemplo, é pacificado pela Súmula Vinculante 14.

O criminalista José Roberto Batochio entende que o acompanhamento de perto é relevante porque, na área criminal, a fase de investigação é uma parte da persecução penal. “Não é uma lei corporativista, benéfica apenas para a advocacia. É importante para cidadania, consagra direitos de todos”, afirma.

De acordo com o advogado Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), haverá vantagens até para a polícia, o MP e o próprio processo penal. “É muito comum que o réu recue de depoimentos prestados na fase do inquérito sob o argumento de que foi coagido. A presença do advogado dará mais credibilidade ao inquérito policial.” Ainda segundo ele, autoridades começarão a ter mais cautela na hora de ouvir investigados, inclusive podendo indicar, nas intimações, que o advogado pode estar presente.

Efeito colateral
O criminalista Bruno Rodrigues chama a atenção para um problema: quem não tiver advogado constituído nem declarar ter advogado logo na chegada à delegacia continuará a ser interrogado sem a presença de um defensor. “Isso gera uma discriminação econômica, pois o leigo, normalmente mais pobre, se for questionado, vai dizer que não tem advogado e prestar o depoimento antes que um defensor seja designado”, explica.

A solução para isso, na visão do advogado carioca, é uma nova mudança no Estatuto da Advocacia, no seu artigo 2º, que considera o advogado indispensável à administração da Justiça. Como o parágrafo 3º fala da função do profissional no processo judicial, deveria ter outro para fixar a obrigatoriedade de sua presença em todos os atos de investigação e inquéritos, afirma Rodrigues.

Ele também critica veto da presidente Dilma Rousseff (PT) ao inciso que permitia ao advogado requisitar diligências durante a apuração de infrações. Segundo ele, essa garantia impediria o inquérito policial inquisitorial, “onde os investigadores fazem o que querem, descartando o que lhes convêm”. Especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico, no entanto, dizem que a supressão do trecho não impede pedidos de diligências.

Atuação plena
Em artigo publicado na ConJur, o professor Gamil Föppel El Hireche e o pós-graduando Pedro Ravel Freitas Santos consideram que o termo “assistência ao investigado” não pode se limitar ao acompanhamento da oitiva. “Necessário que se permita a formulação de quesitos quando da oitiva de testemunhas e/ou suposta vítima, que se possibilite ao causídico o acompanhamento pormenorizado do quanto investigado.”

Os delegados Henrique Hoffmann Monteiro de Castro e Adriano Sousa Costa afirmam, também em artigo à ConJur, que “sempre foi uma luta dos advogados ter voz ativa no contexto de apurações inquisitoriais”. “Frequentemente, os advogados queriam expor razões ao presidente das investigações, bem como fazer questionamentos circunstanciados a seus clientes, e acabavam sendo silenciados, sob o argumento de que não deveriam interferir no curso da oitiva”, afirmam. Segundo o texto, o dispositivo recém-sancionado “garante ao causídico, além de poder assistir o seu cliente quando de sua oitiva, também justificar fatos e formular perguntas que auxiliem na apuração”.

O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira diz que as garantias fixadas nem precisariam de norma específica, pois são necessárias ao pleno exercício do direito de defesa fixado na Constituição Federal. Porém, é entusiasta da nova lei, pois mesmo nos dias atuais já teve negados pedidos para acessar inquéritos. Ele afirma que até durante o regime militar conseguia ver processos sem dificuldade. 

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