Opinião

Lei 13.245 representa busca por processo mais justo e transparente

Autores

  • Gamil Föppel

    é advogado professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) pós doutor em Direito Penal pela USP doutor em Direito pela UFPE e membro das comissões de Reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro do Código Penal e da Lei de Execução Penal nomeado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

  • Pedro Ravel Freitas Santos

    é pós-graduando em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Graduado em Direito (Universidade Federal da Bahia. 2015.1). Técnico Administrativo Ministério Público da Bahia (2012-2015).

14 de janeiro de 2016, 14h26

A Lei 13.245, publicada em 13 de janeiro de 2016, representa, verdadeiramente, a busca por um processo e procedimento mais justo, mais transparente. Enfim, cuida-se de tentar, aos poucos, transformar o Estado de Direito, em Estado Democrático de Direito. Contudo, é digno de tristeza e lamentação o fato de o legislador infraconstitucional ter de dizer o patente, o óbvio. Explica-se: tudo quanto previsto na novel lei já existia no ordenamento jurídico pátrio, já deveria ser respeitado. Em outras palavras: se o direito penal e processual fossem interpretados sempre à luz dos desígnios constitucionais, jamais precisaria o legislador se dar ao trabalho de asseverar o óbvio ululante.

A nova lei altera o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, dispondo ser direito dos advogados:

Art. 7°.
“XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”

Percebem-se significativas mudanças em relação à previsão anterior do aludido inciso, Isso porque ampliam-se os direitos não só dos advogados, mas, sobretudo, dos cidadãos, na medida em que, anteriormente, a lei somente fazia menção à “repartição policial”. Na nova lei se fala em “qualquer instituição”. É dizer, toda e qualquer instituição responsável por conduzir investigação deve respeitar o direito conferido aos advogados.

Em boa hora previu a lei a possibilidade de se tomar apontamentos também em meio digital, ao passo em que, o dispositivo passado não deixava clara a abrangência da norma (muito embora, repita-se, isso fosse inquestionável). Ademais, a novel lei se refere a investigações de qualquer natureza, findas ou em andamento. Muito importante tal previsão, uma vez que a norma anterior consagrava tão-somente a expressão inquérito. Ou seja, qualquer que seja o procedimento investigativo, deverá ser oportunizado ao advogado a prerrogativa de ter acesso aos autos, não importando se tratar de investigação criminal, administrativa etc..

A alteração no inciso XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil foi, induvidosamente, benéfica ao projeto democrático previsto em sede Constitucional. Contudo, a mais importante novidade trazida pela nova lei se traduz na inclusão do inciso XXI no rol dos direitos dos advogados. Transcreve-se o dispositivo:

“XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos.”

De há muito vinha se enfraquecendo a fascista tese de que em sede de inquérito policial não existiria defesa e contraditório em algum grau. Ledo engano. Ao menos, à luz dos princípios e garantias insculpidos no projeto democrático consagrado na Constituição da República de 1988. É dizer. Se o advogado é sujeito essencial à justiça, conforme o texto Constitucional, evidentemente, constitui direito de o causídico assistir a seus clientes no bojo de investigação policial.

A consequência para o descumprimento de tal direito é a declaração de nulidade (fatal) de todos os atos que decorram, direta ou indiretamente, do ato que dispensara o defensor (teoria dos frutos da árvore envenenada). A lei, pois, torna incontroversa a possibilidade de ser declarado nulo ato praticado no procedimento investigatório.

Ponto nevrálgico da lei em comento é a consequência de sua inobservância para além da fase policial. Explica-se. Se o procedimento policial não respeitar os direitos consagrados (pela Constituição e, agora, pelo EOAB) tudo que tenha origem no aludido inquérito (peça investigativa) deverá ser considerado nulo. Não se pode aceitar a cínica e conveniente tese de que defeitos no bojo do procedimento investigativo são sanáveis. Ora, de nada adiantaria o legislador positivar tais direitos, se a judicialização do caso penal tivesse o condão de eliminar os graves atentados aos direitos fundamentais — do acusado e do defensor.

Insta salientar que o espírito da nova lei (democrático) leva a crer na acepção ampla da expressão “assistir a seus clientes investigados”. Isso porque, a lisura e eficácia do direito à defesa vão além do acompanhamento tão-somente do investigado. A “assistência ao investigado” para ser real, não pode se limitar ao acompanhamento de sua oitiva.

Necessário que se permita a formulação de quesitos quando da oitiva de testemunhas e/ou suposta vítima, que se possibilite ao causídico o acompanhamento pormenorizado do quanto investigado. É preciso advertir aos leitores que, inacreditavelmente, ainda persistem autoridades policiais (minoritariamente, registre-se que são casos esparsos) que seguem o Direito Penal dos Estados Totalitários, e pensam que o Processo Penal ainda é ditado pelas normas ditatoriais.

Evidentemente, a novel lei prevê como consequência ao embaraço dos direitos dos defensores, a responsabilidade criminal e administrativa do responsável que dificultar ou impedir o acesso do advogado. Cita-se o dispositivo:

“§12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.”

Por óbvio, restarão resguardados os procedimentos sigilosos, os quais serão revelados após apresentação de procuração. O sigilo, neste caso, é para resguardar o interesse do investigado (relacionado, no mais das vezes, a dados relacionados à sua intimidade), razão por que a ele não pode ser oposto. Ademais, a autoridade competente poderá delimitar o acesso dos advogados aos elementos referentes às diligências em andamento, por exemplo, interceptação telefônica somente enquanto estiverem em curso. Findas, o acesso é obrigatório, independentemente de qualquer tipo de conclusão por parte do investigador. Mais uma vez, cuida-se de norma a ser interpretada restritivamente, sob pena de fazer letra morta às garantias aqui apresentadas.

Por fim, chama-se atenção para o veto à alínea “b” do inciso XXI, artigo 7° do EOAB. O dispositivo insculpia como direito dos advogados a requisição de diligências. A mensagem de veto dispõe que “o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição a que faz referência seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e conseqüentes prejuízos à administração da justiça”. Nada mais equivocado. Isso porque, o pleito de diligências faz parte do livre exercício da advocacia, além de constituir-se como verdadeira manifestação da ampla defesa, consagrada constitucionalmente. Importante destacar ainda, que interpretação da Constituição e do próprio Código de Processo Penal já permite a formulação de diligências por parte do investigado. O veto, inclusive, contraria a possibilidade de assistência integral ao investigado…

De fato, a positivação de leis, por si só, não possui a força para a necessária mudança político-social. Faz-se mister a mudança (estrutural e de pensamento) dos diversos atores do processo. A nova lei não é salvação, mesmo porque tais garantias já poderiam ser extraídas de interpretação sistemática do texto de 1988. Contudo, em tempos de delações e degradações, em tempos que se escreve que “o problema é o processo”, não deixa de ser alentador ver o Brasil, ao menos uma vez, escolher o caminho de sua Lei Maior, ou seja, escolher a democracia e justiça. Isso porque, não há resultado final justo, se os caminhos são tortuosos e secretos.

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    é advogado e professor. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Penal e da Comissão de Juristas para atualização da Lei de Execuções Penais.

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    é pós-graduando em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Graduado em Direito (Universidade Federal da Bahia. 2015.1). Técnico Administrativo Ministério Público da Bahia (2012-2015).

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