Laranjas e contribuições

Fraude expõe "indústria" bilionária disputada por 10 mil sindicatos

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6 de agosto de 2016, 7h01

A reportagem sobre a criação de um falso sindicato, no qual um empresário tentava usar um ex-empregado seu como laranja, prometendo, entre outras coisas, um salário de R$ 10 mil, foi uma amostra de como o Brasil fomenta a chamada “indústria de sindicatos”. Com o sistema de sindicato único e contribuição compulsória, o valor pago por 12.757.121 trabalhadores é dividido, hoje, por 10.926 entidades, segundo dados do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, mesmo sem que elas efetivamente representem tais empregados.

Pela lei, cada sindicato recebe 60% de um dia de trabalho de cada um de seus filiados, as confederações ficam com 5%, e federações, com 15%. No ano passado, foram R$ 3,1 bilhões arrecadados. “Mesmo que o sindicato não represente ativamente uma categoria, a contribuição é compulsória. Por isso existem no Brasil muitos sindicatos chamados ‘fantasmas’, que arrecadam sem nada oferecer em troca”, critica o advogado Akira Sassaki, especialista em Direito do Trabalho da Adib Abdouni Advogados.

Para se tornar credora do imposto sindical, basta que a entidade tenha a “carta sindical”, que a confere representação legal. Isso sem que seja analisado se o discurso e os atos praticados pela entidade sindical realmente estão alinhados com o pensamento daqueles que ela representa, aponta Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio da Peixoto e Cury Advogados.

Spacca
Em caso exposto pela ConJur, empresário usa empregado como laranja para fundar um sindicato de trabalhadores.

No caso noticiado com exclusividade pela ConJur, a contribuição não chegou a ser paga, pois a formação do sindicato foi impedida pelo trabalhador que era usado como laranja. No entanto, a certeza de que o dinheiro viria fica exposta nas falas daqueles que organizavam a criação da entidade. O dono da pizzaria dizia para seu ex-empregado: “Tanto eu como você, nós vamos ganhar uma grana boa, cara!”. Um representante da Força Sindical dizia, por sua vez, afirmava que com o dinheiro que ganharia com o sindicato, o trabalhador conseguiria abrir uma rede de pizzarias ou comprar uma casa na Bahia.

O advogado Nelson Mannrich, sócio de Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados e professor titular da USP, é categórico: “Enquanto ficarmos brincando de reforma trabalhista sem rever nosso modelo sindical, continuaremos a dar força para espertos como o dono da pizzaria relatado na reportagem. Por óbvio que aos sindicalistas não interessa enfrentar esse ponto e qualquer ameaça provoca a ira deles”.

Na opinião de diversos advogados consultados pela ConJur, a adoção da pluralidade sindical deveria ser incluída na pauta da “reforma trabalhista” pregada pelo atual governo de Michel Temer. O reflexo inicial dessa mudança seria a criação de diversos sindicatos em uma mesma base territorial, mas a concorrência determinaria a sobrevivência apenas daqueles que prestarem os melhores serviços aos associados, afirma Arthur Rizk Stuhr Coradazzi, advogado da área trabalhista do Rayes e Fagundes Advogados Associados.

Questão criminal
A discussão não fica restrita, no entanto, a quem trabalha na área trabalhista. O criminalista Daniel Bialski, do Bialski Advogados, aponta que a gravação citada pela reportagem deixa nítido que os dados do trabalhador estavam sendo utilizados na constituição do sindicato. “Aqui, para além dos crimes de falso previstos nos artigos 297; 298 e 299 do Código Penal, caracterizam-se sérios indícios de estelionato, previsto no artigo 171 do mesmo código, além da aplicação da Lei 12.850/2013, já que tudo era bem estruturado e orquestrado por um plural de agentes, divididos em diferentes tarefas, tratando-se, pois, de verdadeira organização criminosa”, explica.

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