Representantes do Estado

MP denuncia policiais por extorsão mediante sequestro

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8 de março de 2012, 13h30

A cela da delegacia virou cativeiro. Sobre o homem mantido preso nela não recaía acusação alguma. Ao contrário, tratava-se de uma vítima de extorsão mediante sequestro. Essas subversões foram cometidas justamente por sete homens que representavam o Estado. Eles estavam investidos da função de policial civil para reprimir crimes em geral. Desviaram as suas condutas, de acordo com o Ministério Público, e viraram réus.

Esse enredo mais parecido com o de filmes da máfia resume a denúncia oferecida pelos promotores André Luiz dos Santos, Cássio Roberto Conserino e Silvio de Cillo Leite Loubeh, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) — Núcleo de Santos. Nesta semana, a Justiça recebeu a acusação formal do Ministério Público. A ação tramita na 2ª Vara de São Vicente.

A vítima possui loja de autopeças em Santos e mora em São Vicente. Valendo-se de informações privilegiadas decorrentes de investigações, oriundas inclusive de interceptações telefônicas das cidades de Caçapava e Caraguatatuba, os policiais a abordaram no dia 15 de fevereiro de 2005, logo após ela sair de casa. Como pretexto, como relataram os promotores na denúncia, os acusados alegaram possuir provas de sua ligação com o tráfico de drogas.

Os policiais estavam armados, algemaram o comerciante e retornaram com ele até a residência, revistando-a sem mandado judicial. Apesar de nada de ilícito ser achado, o lojista foi sequestrado e levado à Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, onde atuavam seis dos réus, de acordo com a acusação feita pelo Ministério Público. O sétimo acusado era do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic).

Resgate
Insistindo no discurso de que havia provas contra o lojista, os acusados o mantiveram incomunicável em uma cela da delegacia, liberando-o apenas no dia seguinte. A soltura foi condicionada ao pagamento da quantia de R$ 100 mil, que o comerciante alegou não possuir. Porém, devido ao receio de algo pior, a vítima ofereceu R$ 30 mil, sendo que R$ 10 mil obteria com a venda de sua moto e o restante sacaria no banco.

Segundo a denúncia do MP, participaram da abordagem na Baixada Santista os policiais Roberto Sarmento de Figueiredo Lopes Júnior, Luiz Gustavo de Oliveira, Marcelo Raggasini Rocha, Flávio Tadeu Bastos de Oliveira e Accácio Rangel de França. Eles viajaram em dois carros: um Golf, que era produto de crime e estava depositado para Luiz Gustavo, e um Audi pertencente a Accácio.

Posteriormente, esses acusados se encontraram na Dise com José Rubens de Rezende Filho, suspeito de exercer liderança sobre os demais. Na delegacia também chegou o denunciado Paulo Sérgio da Fonseca de Souza, único policial do Deic. A próxima etapa do grupo foi retornar com a vítima à Baixada Santista, a fim de receber os valores que ela aceitara pagar. Neste regresso ao Litoral, apenas Accácio não veio.

Em 16 de fevereiro, conforme os promotores do Gaeco, o comerciante vendeu sua moto, repassando os R$ 10 mil recebidos aos réus. Cinco dias depois, ele sacou R$ 20 mil de uma agência bancária, em São Vicente, entregando o dinheiro aos acusados. Porém, em 29 de março do mesmo ano, os denunciados voltaram a pressionar o lojista, porque não receberam os R$ 100 mil exigidos inicialmente.

Para isso, os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão na residência dos sogros do lojista, impondo-lhe grande constrangimento. A partir daí, os agentes públicos foram formalmente acusados pela vítima e as suas condutas passaram a ser apuradas pela Corregedoria da Polícia Civil. Embora a denúncia só tenha sido recebida nesta semana, o processo contra eles já conta com seis volumes.

Prova do sequestro
As horas de cárcere privado da vítima dentro do xadrez da Dise de São José dos Campos ficaram comprovadas, segundo destacaram os representantes do MP, porque ela deixou propositalmente no local vestígios que depois foram detectados por peritos criminais.

“Visando comprovar sua presença no local, a vítima escondeu pedaços de um chip de celular, o qual foi posteriormente encontrado pela Corregedoria da Polícia Civil e submetido a perícia”, relataram os membros do Gaeco.

A situação dos policiais, que não mais integram a instituição, se complicou ainda mais porque Roberto e Luiz Gustavo elaboraram um relatório de investigação com informações falsas, no qual informavam que a vítima colaborava com eles espontaneamente com a indicação de traficantes e pontos de venda de drogas.

O relatório foi elaborado com a finalidade de dar aspecto de legalidade à vinda dos réus a São Vicente em 15 de fevereiro de 2005, omitindo o sequestro com fins de extorsão da vítima e narrando que os policiais, na realidade, realizavam uma diligência oficial.

Embora tenha sido colocada a data de 17 de fevereiro de 2005 no documento, ele apenas foi entregue ao delegado que na época trabalhava na Dise em 5 de julho, quando a Corregedoria já apurava o desvio de conduta dos agentes. Por esse motivo, Roberto e Luiz Gustavo foram denunciados por falsidade ideológica.

Como os demais, esses acusados ainda responderão por extorsão mediante sequestro, que é crime hediondo, e formação de quadrilha. Entre as 11 testemunhas indicadas pelo MP para depor no processo estão o comerciante e dois delegados da Corregedoria.

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