Obras intelectuais

Projeto sobre Lei dos Direitos Autorais é imaturo

Autor

24 de agosto de 2010, 18h23

A eliminação das fronteiras proporcionada pela popularização da internet criou um paradigma completamente novo para tratar da questão dos direitos autorais. Para os produtores de obras artísticas ou com esforço intelectual em geral, a rede mundial de computadores é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que possibilita uma divulgação planetária de seu trabalho, permite que ele, uma vez digitalizado e colocado na rede, saia completamente do controle de quem o produz. Isso porque a capacidade de reprodução na internet é infinita e impossível de ser totalmente rastreada.

Diante dessa realidade, uma das perguntas mais repetidas por quem discute o assunto é se as pessoas estão dispostas a pagar pelo conteúdo e de que forma os autores das obras podem ser remunerados. Ambas as questões foram discutidas em duas mesas distintas no XXX Congresso Internacional de Propriedade Intelectual, encerrado nesta terça-feira (24/8), em São Paulo: o painel que tratou do projeto de reforma da Lei dos Direitos Autorais e o que discutiu os novos paradigmas da indústria de comunicação.

Contra uma crescente corrente que defende uma menor intervenção da Justiça em relação aos direitos do autor, o desembargador do Tribunal de São Paulo José Renato Nalini disse que o projeto de reforma da Lei dos Direitos Autorais proposto pelo governo não levou em consideração a opinião do Judiciário sobre a questão. “Ninguém do Judiciário foi convidado a opinar sobre o assunto diretamente, somente se quisesse participar por meio da consulta pública. Acredito que tem de haver a participação dos juízes na questão, porque são opiniões de fundamental importância. Não por esse motivo, mas acredito que o projeto ainda é imaturo para que seja votado e entre em vigor. É necessário que haja mais discussão sobre o tema, que tem influências em diversos segmentos da sociedade”, comentou.

Outro que também criticou o projeto de reforma foi o advogado João Carlos Muller Chaves. De acordo com ele, a proposta traz uma série de eufemismo para questões conhecidas há muito tempo, cujos problemas não foram, e nem serão, resolvidos com a reforma. “Há alguns pontos que tratam certas práticas somente com outro nome, não protegendo necessariamente os autores ou consumidores. É a mesma coisa que tem ocorrido em relação ao fato de falar invasão e ocupação de terra. Muda-se o nome, mas na prática não há como fazer muita diferenciação”, comentou.

Ele afirma que os autores têm o direito de ser remunerados pela cópia que é feita de sua obra, muito popularizada com a internet, e que um caminho possível para isso seria de o fabricante dos aparelhos ou do suporte terem de pagar uma taxa, o que garantiria a correta remuneração para os artistas e criadores.

No papel de defensor da proposta de reforma estava o diretor de direitos intelectuais do Ministério da Cultura, Marcos Alves de Souza. Segundo ele, o projeto que está em consulta pública até a próxima semana, já recebeu 5,8 mil sugestões pela internet. Souza diz que um dos um pontos mais comentados pelos que enviaram sugestões foi o que trata da proteção da obra de autores falecidos. “O prazo em relação a esta questão é extremamente controverso, porque cada um tem um entendimento próprio, inclusive se os direitos são estendidos aos herdeiros do artista. Cada corrente quer um período diferente, de 50 a 80 anos, ou ainda que não seja definido, ou mesmo que não haja qualquer tipo de limitação sobre a obra, sob o argumento do acesso universal e democrático à cultura”, comenta.

Também presente à discussão, Claudio Lins de Vasconcelos, da Fundação Roberto Marinho, afirmou que o projeto de reforma da Lei de Direitos Autorais "tende a ser mais eficaz" às empresas que fazem negócios direto com empresas. Já nas relações de consumo, "a legislação autoral se mostra cada vez menos eficaz, face as inúmeras possibilidades de cópias digitais disponíveis a qualquer um com acesso à internet".

Para ele, um dos pontos mais delicados é a falta de um mecanismo que proteja os textos jornalísticos. “Isso sequer está citado no projeto, porque considera que um texto produzido por um profissional capacitado para aquilo não é uma obra intelectual. O projeto está colocando essa produção como qualquer outro bem, excluindo-se completamente o seu caráter e os aspectos da profissão nele contidos”, afirmou.

Ele acrescentou que as possibilidades de produção de conteúdo criadas pela internet não podem, de maneira alguma, substituir a mediação profissional do conteúdo que é feita pela imprensa. “As mediações não profissionais não cumprem o mesmo papel que os veículos de comunicação. Eles são fundamentais para garantir os direitos da cidadania. A mídia continua sendo necessária para a sociedade”.

Conteúdo pago
Na abertura de sua apresentação sobre os novos paradigmas da indústria de comunicação, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg disse que todo o processo que envolve a criação de um material jornalístico, em qualquer mídia, é muito caro. Portanto, os profissionais e as empresas têm de ser remunerados por isso. “O leitor, espectador ou ouvinte, quando se depara com uma matéria sobre uma guerra no Oriente Médio, por exemplo, não faz ideia do quanto é caro mandar uma equipe para o local do conflito. É preciso pagar o repórter, aqueles que o apoiam, ter guia, motorista, hospedagem, alimentação e mais uma série de outras despesas. Poucos conseguem dimensionar esse investimento feito pelas empresas de comunicação”.

Para ele, a qualidade deste tipo de produção é o que a diferencia de qualquer outra. “É impossível comparar certas coberturas, porque os veículos que investem pesado colhem os resultados na qualidade daquilo que foi produzido. É a mesma coisa quando a tevê transmite algo ao vivo. Dependendo do assunto e da dinâmica, torna-se muito mais rico do que se fosse gravado. Só que a transmissão ao vivo envolve uma equipe especializada e também infraestrutura para isso, que não são baratos. Portanto, as empresas de comunicação têm muitos gastos em todas as etapas do processo de produção de seu conteúdo. É por esse motivo que o conteúdo tem de ser cobrado”, acrescentou.

O advogado Benny Spiewak, que também participou da mesa sobre a indústria da comunicação, tem a mesma opinião. Para ele, o acesso universal à informação não significa que ele precisa ser gratuito. “Qualquer pessoa pode encontrar informação em qualquer lugar, está e sempre esteve disponível. No entanto, é preciso que se faça uma diferenciação em relação ao conteúdo informativo, que vai muito além de uma informação. Neste caso, há um grande valor agregado, porque o resultado é fruto do trabalho de um profissional capacitado para aquilo”, comentou.

Ele diz que há um fenômeno na internet, no qual algumas pessoas querem ganhar dinheiro com o conteúdo produzido de outros, como no caso dos chamados agregadores de notícia. Spiewak afirmou, ainda, que o problema é alguém gerar receita a partir da produção alheia. “Se fosse somente para divulgar a informação seria uma coisa, no entanto, muita gente gera receita se aproveitando desta produção, cujo valor é muito alto para a empresa responsável”, explica.

Para o advogado, se isso for feito, o correto é que os lucros obtidos sejam divididos entre todos os envolvidos no processo de produção e comercialização daquele conteúdo. “As pessoas precisam entender que o autor também tem seus direitos, e tem de ser remunerado. Não é somente o consumidor ou cidadão que têm direito”, finalizou.

Notícia atualizada às 17h22 para acréscimo de informações.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!