Capital Jurídica

Conflitos na Iugoslávia serão julgados até 2013

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21 de agosto de 2010, 7h00

O Tribunal Penal Internacional para a extinta Iugoslávia está atrasado. Desde 2002, trabalha sob uma estratégia de encerramento das suas atividades, que inicialmente previa a conclusão de todos os julgamentos este ano. Não deu. Agora, o tribunal tenta encerrar tudo até final de 2013. Nesta sexta reportagem da série Capital Jurídica, a Consultor Jurídico apresenta o único tribunal ad hoc da ONU que fica em Haia, na Holanda.

Desde 2002, o responsável por julgar em esfera internacional acusados de crimes contra a humanidade é o Tribunal Penal Internacional (TPI), este permanente e independe da ONU.

Arquivo ConJur
Haia - Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia, em Haia, na Holanda - Arquivo ConJurMas, antes de o TPI nascer, eram os ad hoc que julgavam conflitos em escala mundial, onde Judiciários nacionais não eram capazes de agir.

O chamado Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia (na foto ao lado), que hoje luta contra o tempo, foi criado em 1993 para poder julgar todos aqueles acusados por crimes de guerra cometidos na região da extinta Iugoslávia desde 1991. Começou a atuar no final de 1994. A exemplo dos tribunais de Nuremberg e Tóquio, que julgaram nazistas e japoneses por massacres na Segunda Guerra Mundial, o TPI para a extinta Iugoslávia fez parte da leva de instituições temporárias criadas pela ONU para fazer Justiça, com uma jurisdição muito bem limitada e prazos definidos, embora dificilmente respeitados.

Na região da extinta Iugoslávia, hoje estão seis países independentes e o território de Kosovo, que ainda luta para ter a sua independência reconhecida mundialmente. A quebra da República Federal Socialista da Iugoslávia foi o resultado de inúmeros conflitos permeados por crimes e abusos, hoje nas prateleiras da corte criminal da ONU.

Dores da separação

O processo de extinção da Iugoslávia foi rápido e dolorido. A crise no país começou junto com o colapso do comunismo no mundo, marcado mais fortemente em 1989 com a queda do muro de Berlim. Em 1991, a Eslovênia foi a primeira a se declarar independente da federação socialista, seguida pela Croácia, Macedônia e Bósnia-Herzegovina. Restou para a federação só a Sérvia e Montenegro. A união durou até 2006, quando os dois se separaram e hoje formam países independentes.

O auge dos conflitos de separação é conhecido como Massacre de Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina. Em 1995, portanto dois anos após a criação do TPI para a Iugoslávia, mais de 8 mil bósnios foram mortos, na região que, na época, estava sob proteção da ONU. Foi o maior massacre na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Os acusados hoje estão sendo julgados pela corte.

No último relatório enviado para o Conselho de Segurança da ONU, em maio deste ano, o tribunal explica o atraso para o encerramento das atividades. A estrutura da corte é insuficiente para o excesso de casos, diz. Mesmo afirmando que não há como saber exatamente quando o tribunal cumprirá a sua missão e fechará as suas portas, a corte estima que até 2012 todos acusados terão sido julgados e, em 2013, terá encerrado o julgamento da maioria das apelações.

A estrutura do tribunal, com três salas de julgamento, permite que apenas três audiências aconteçam por vez. São três câmaras de julgamento, cada um composta por três juízes permanentes e, no máximo, outros seis convocados pela ONU a pedido do presidente da câmara para atuar em determinado caso. Nessas câmaras, cada processo é analisado por três julgadores.

Os juízes são eleitos pelo Assembleia Geral da ONU, a partir de uma lista submetida pelo Conselho de Segurança com candidatos indicados pelos países da ONU. Os juízes permanente cumprem mandato de quatro anos, renovável por mais quatro. O mesmo tempo vale para os chamados juízes ad litem, embora estes sejam eleitos especificamente para julgar determinados processos. 

Composição atual do Tribunal Penal para a Iugoslávia
Juízes permanentes
Patrick L. Robinson (presidente) Jamaica
O-Gon Kwon (vice-presidente) Coreia
Carmel A. Agius Malta
Jean-Claude Antonetti França
Christoph Flügge Alemanha
Mehmet Güney Turquia
Burton Hall Bahamas
Liu Daqun China
Guy Delvoie Bélgica
Theodor Meron Polônia
Bakone Justice Moloto África do Sul
Howard Morrison Reino Unido
Alphons M.M. Orie Holanda
Kevin Parker Austrália
Fausto Pocar Itália
Andresia Vaz Senegal
Juízes ad litem
Melville Baird Trinidad e Tobago
Pedro David Argentina
Elizabeth Gwaunza Zimbábue
Frederik Harhoff Dinamarca
Uldis Kinis Letônia
Flavia Lattanzi Itália
Antoine Kesia-Mbe Mindua Congo
Prisca Matimba Nyambe Zâmbia
Michèle Picard França
Árpád Prandler Hungria
Stefan Trechsel Suíça

 

Uma vez julgado, cabe apelo para a Câmara de Apelações. A turma tem dupla jurisdição. Ela julga recursos contra decisões do TPI para a Iugoslávia e também do TPI para Ruanda, que fica no país africano. A Câmara de Apelações é formada por cinco julgadores permanentes do TPI da Iugoslávia e dois da Ruanda, mas só cinco por vez participam dos julgamentos. As investigações ficam a cargo da Promotoria do próprio tribunal. A corte tem seu próprio centro de detenção, que funciona em um complexo prisional holandês na região praiana de Scheveningen, em Haia.

O TPI para a Iugoslávia garante assistência judiciária quando o réu não pode arcar com os custos da defesa e mantém uma lista dos advogados habilitados para atuar lá. Na corte, em alguns casos, os acusados podem optar por abrir mão de advogado e eles próprios se defenderem.

Portas abertas

Arquivo ConJur
Haia - Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia e a rua com as bandeiras da ONU - Arquivo ConJurA corte fica num parte mais afastada de Haia, numa vazia rua preenchida com as bandeiras dos países que integram a ONU (veja foto ao lado). Uma das preocupações é com a transparência. O tribunal abre as portas para quem quiser assistir aos julgamentos e convida jornalistas, advogados e estudantes, principalmente, para conhecer o funcionamento da instituição. O interesse da comunidade jurídica pela corte, depois de quase duas décadas de existência, não é grande, porém. As salas de julgamentos são vazias e os próprios seguranças recebem com simpatia, mas estranhamento as visitas incomuns. As audiências são transmitidas pela internet com 30 minutos de atraso para garantir a confidencialidade de algumas informações, mas o julgamento em si é transmitido ao vivo.

Como uma corte internacional, o TPI para a Iugoslávia enfrenta barreiras culturais e linguísticas, dribladas com tradutores devidamente treinados. Os julgamentos acontecem em inglês, francês e na língua do acusado. Todos que participam ficam munidos de fones de ouvido, assim cada um fala e ouve na sua própria língua.

Courtesy of the ICTY
sala de julgamento no Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia, em Haia, Holanda - Courtesy of the ICTY

O espaço do julgamento fica separado do lugar reservado para o público por vidros blindados e com perfeito isolamento acústico (na foto, uma das salas de julgamento). Assim, quem assiste precisa também dos fones para ouvir as sessões na língua de sua escolha, mas o isolamento não impede que o público tenha que cumprir formalidades, como levantar para a entrada dos juízes na sala de julgamento. Quem visita o tribunal tem de deixar pertences eletrônicos, inclusive o celular, em armários disponibilizados pela corte, para segurança das vítimas, dos acusados e dos julgadores.

Os gastos da corte são pagos pela ONU. São custos com a manutenção do tribunal e da sua prisão, investigações, assistência de vítimas e acusados e o salário dos 1.039 funcionários, de mais de 80 nacionalidades diferentes. O orçamento previsto para o segundo semestre de 2010 e o primeiro de 2011 é de US$ 300 milhões, mais de 100 vezes o que a corte consumiu no primeiro ano de vida.

Nesses mais de 15 anos, o TPI para a Iugoslávia já condenou 64 pessoas e absolveu 12. Para 13 acusados, o tribunal declinou da sua competência e remeteu o processo para o Judiciário do país deles e outros 36 nem chegaram a ser julgados pelo tribunal ou porque morreram ou porque a acusação foi retirada. Atualmente, 35 pessoas aguardam por uma decisão da corte, dos quais dois estão foragidos.


[Crédito das fotos: Aline Pinheiro e Divulgação ICTY]

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