Imposto da discórdia

Nos 10 anos da ConJur, troféu da confusão vai para o ICMS

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28 de julho de 2007, 0h00

No dia 28 de julho de 1997, a Consultor Jurídico publicava a sua primeira reportagem: “Múltiplas configurações — ICMS toma formas diferentes, por setor, a cada decisão. Dez anos e 57 mil textos depois, o título da reportagem permanece atual. O ICMS continua sendo o imposto mais variável e mais confuso. É o campeão da confusão.

Uma vez, perguntei ao advogado tributarista Raul Haidar, grande especialista em ICMS, se poderia me explicar como funcionava o imposto. A resposta foi clara: “você vai demorar ao menos três anos para aprender”. Ainda não se passaram nem três anos do dia em que recebi o conselho e, nesse curto tempo, o pouco que aprendi do ICMS já mudou. Afinal, são 27 legislações diferentes.

A grande complicação do ICMS é justamente ser estadual, dizem os críticos. Ainda mais porque ele é um imposto que ultrapassa as fronteiras dos estados. Lei federal dá as diretrizes básicas e o Senado Federal fixa as alíquotas mínimas e máximas. Fora isso, cada estado fica livre para fazer o que bem entender. As mercadorias circulam de um estado para outro e como fica a cobrança do imposto? Complicada e conflituosa. A decisão de um estado influencia na economia do outro. Não bastasse, estados usam o imposto e sua capacidade de legislar sobre ele como armas da guerra fiscal.

“Os estados tornaram-se mais agressivos na concessão de benefícios fiscais como instrumento de atração de indústrias”, observa o economista e ex-coordenador da administração tributária de São Paulo Clóvis Panzarini. Nesses dez anos desde que a ConJur tratou a primeira vez do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a guerra fiscal entre os estados se acentuou.

O Supremo Tribunal Federal teve de barrar a briga inúmeras vezes. O entendimento da corte é claro no sentido de que incentivos fiscais relativos ao ICMS só podem ser concedidos se todos os estados concordarem. Ou seja, mediante convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária.

Os estados sabem disso, mas preferem ignorar. Assim fizeram Paraná, Rondônia, Pará, Espírito Santo, entre outros. “As decisões do Supremo são inócuas para conter a guerra fiscal, pois sempre a unidade federada condenada revoga o benefício e o institui novamente”, diz Panzarini.

O ICMS é um dos principais pontos quando se discute a reforma tributária. Há pelo menos um consenso: se vão mexer nos tributos, o primeiro da lista dos não-pode-ficar-como-está é o ICMS. Há muito se discute a federalização do ICMS. A proposta aplaudida por muitos é a unificação do ICMS e do IPI no chamado IVA — Imposto sobre Valor Agregado. Para Clóvis Panzarini, ISS e Pis/Cofins também deveriam integrar o IVA. “Essa é a única forma de acabar com a guerra fiscal. Não adianta mudar a legislação porque, na teoria, ela já é inconstitucional.”

Em entrevista concedida ConJur, em janeiro de 2006, Panzarini confessou que, ainda que seja necessário, acha politicamente impossível federalizar o ICMS. “Mesmo assim, poderíamos fazer um grande IVA norteado por legislação nacional”, disse na ocasião.

Panzarini contou a origem da guerra fiscal. Segundo ele, o ICMS foi colocado no nível estadual em 1965 e, até 1985, funcionou bem. “Não existia federalismo. Nós vivíamos em um Estado unitário. A partir da abertura democrática, começou essa guerra.”

Aferroada por muitos, a guerra fiscal, aos olhos do tributarista Raul Haidar, é saudável. Para ele, a batalha viabiliza o crescimento dos estados economicamente mais fracos. Possibilita também a renovação nos grandes estados. Sai uma indústria de São Paulo, por exemplo, fisgada pelos incentivos de outros estados e, no lugar, surge uma outra empresa.

“Nenhum governador tem o direito de imaginar que apenas o seu estado é Brasil. O crescimento do nosso país precisa ser harmônico, sem que se perpetuem os bolsões de miséria que ainda existem por aí”, escreveu ele em artigo publicado pela ConJur em outubro de 2004. Raul Haidar defende que a unificação do imposto pode até condenar “o Brasil a ser para sempre uma terra de desigualdades”.

Na paródia do ICMS, rivais também viram companheiros. Se por um lado os estados se combatem na tentativa de atrair investimentos para o seu território, tornam-se cúmplices de luta quando o rival é o contribuinte. Das 12 grandes discussões tributárias que o Supremo ainda tem de dar um desfecho, cinco tratam do famigerado imposto.

Discute-se se o ICMS pode ser cobrado no transporte de passageiros. Questiona-se também se as seguradoras têm de pagar o tributo e se este incide na compra de softwares pela internet. O imposto pode trocar de cara e ser taxado de faturamento para integrar a base de cálculo da Cofins. Pode, ainda, ser fonte de arrecadação a maior da União no processo de substituição tributária, já que a corte não decide se permite a restituição quando o fato gerador ocorreu por valor abaixo do presumido.

É ele também o grande vilão do Supersimples. Quando o Simples se tornou Super, criando um imposto único para as micro e pequenas empresas, dos quais o ICMS faz parte, os estados se levantaram para gritar contra a perda de controle que teriam na arrecadação do tributo.

Apesar dos pesares, o aniversário de uma década da Consultor Jurídico termina como uma grande conquista do ICMS: a sua inserção digital. É a nota fiscal eletrônica, que chega com tudo esse ano para reduzir a papelada das empresas e facilitar o controle pela Receita Federal.

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