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No Direito Digital, o YouTube age, o Orkut foge

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23 de setembro de 2006, 7h00

No mundo das celebridades, todo cuidado é pouco. A preocupação de apenas consultar advogados para a análise do contrato com a emissora ou tratar dos direitos de imagem na televisão ou cinema ficou no passado. Agora, o grande problema está na Internet.

Recentemente, o vídeo exibido pelo site YouTube, com imagens da modelo Daniela Cicarelli e o namorado protagonizando “cenas quentes”, em plena luz do dia, nas areias de uma praia de Tarifa, em Cádiz (Andaluzia, sul da Espanha), retomou a discussão sobre a responsabilidade de sites e provedores por seus conteúdos.

As cenas foram flagradas pelo paparazzo espanhol Miguel Temprano, um dos mais famosos na Espanha. O vídeo foi exibido pela primeira vez no domingo (17/9) no programa Dolce Vita, da rede espanhola Telecinco. Minutos após ir ao ar, a gravação já estava na internet. No Youtube, o mais conhecido site especializado na exibição de vídeos pela internet, as imagens do amasso de Cicarelli foi retirado do ar logo que a imprensa descobriu a façanha.

Na terça-feira (19/9), Daniella entrou com ação na 23ª Vara Cível de São Paulo contra os órgãos de imprensa que divulgaram o vídeo – a Rede Globo, o portal de internet iG e o site YouTube. A modelo é representada pelos advogados Pedro Brunig Doval e Rubens Decoussau Tilkian.

Em declarações ao Portal Estadão, o advogado Rony Vainzof, sócio do Opice Blum Advogados disse que o YouTube, que tem sede nos Estados Unidos, pode ser processado no Brasil. Se tiver sucursal no país ela responde à ação. Caso contrário, será expedida rogatória para que a Justiça americana acione a matriz nos Estados Unidos.

Advogados especialistas em Direito Digital ouvidos pela revista Consultor Jurídico afirmam: quem está em local público, assume a responsabilidade pelos seus atos. E mais: O YouTube só pode ser responsabilizado se não retirar o conteúdo do ar. Ocorre que o site não tem agido assim. Muito pelo contrário. O temor de perder investidores é tão grande que o próprio termo de uso proíbe a exibição de vídeos ofensivos. Há um canal de denúncia disponível para usuários. Como a inclusão de conteúdo no site é livre, nos dias seguintes o vídeo iria entrar e sair do site indefinidamente.

Bem diferente do comportamento do Google, no imbróglio que envolve o site de relacionamento Orkut. Em agosto, a Google Brasil foi intimada pelo juiz José Marcos Lunardelli, da 17ª Vara Federal Cível de São Paulo, a cumprir todas as ordens judiciais de quebra de sigilo telemático de comunidades e perfis considerados ofensivos, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

A Google Brasil recorreu da decisão. De acordo com os advogados de defesa, os dados dos usuários estão sob a gerência da Google Inc., dos Estados Unidos, e a decisão não poderia ser dirigida à Google Brasil.

Só depois de meses de esquivas, a Google Inc. aceitou o pedido das autoridades brasileiras para franquear acesso a dados que possam identificar os donos de comunidades ofensivas. A empresa rejeitou pedido semelhante das autoridades dos Estados Unidos na luta contra o acesso de crianças à pornografia online. Para o jornal americano Washington Post, a Google admitiu que o pedido da Justiça brasileira difere em “escala e propósito” da demanda das autoridades americanas.

Danos morais

No caso do YouTube, o entendimento é de que a “divulgação de imagens não é proibida por lei, não configurando crime. Salvo por ordem judicial, mediante provocação do interessado, a divulgação é livre”, defende o advogado criminal Jair Jaloreto Junior. “Por outro lado, a exposição negativa e depreciativa da intimidade de outro pode gerar danos morais indenizáveis”, afirma.

O mesmo entendimento é defendido pelo advogado Nehemias Gueiros Junior. “Apesar de o YouTube ainda não possuir representação formal no Brasil, a questão das cenas de Daniela Cicarelli e do namorado diferem pouco da celeuma envolvendo o Orkut. A única diferença é que no Orkut o conteúdo ofensivo tem uma multiplicação exponencial ad infinitum, enquanto que no YouTube os vídeos inseridos pelos usuários podem ser controlados de forma mais efetiva. Por outro lado, o YouTube tem sua própria política operacional que exclui conteúdo pornográfico, imoral ou atentatório aos bons costumes. O site tem responsabilidade solidária sim, se, uma vez instado pelas autoridades a retirar do ar as cenas, não o fizer.”

Canal de denúncia

Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital, explica que o YouTube tem um termo de uso, assim como o site de relacionamentos Orkut. Quem administra o serviço, em princípio, não tem como saber se o conteúdo colocado pelo usuário é lícito ou não, se fere direito autoral ou direito de imagem. No entanto, o YouTube tem um canal de denúncia, para quem se considerar incomodado com o conteúdo. Feita a reclamação, o material ofensivo é retirado do ar.

De acordo com a advogada, a administração do site tem parceria com investidores, que não estão dispostos a pagar uma conta milionária de indenizações. “Por isso ainda se questiona a viabilidade do negócio e seu risco legal, não por culpa do serviço, mas pelo mau uso da tecnologia pelo próprio usuário.”

Segundo Patrícia Peck, a responsabilidade que pode alcançar o YouTube é a “responsabilidade civil solidária ou até mesmo a responsabilidade civil objetiva (mesmo sem culpa, por risco do próprio negocio). A infração penal, quem responde é o usuário, não o YouTube. Quer seja pelo crime de infração de direito autoral, quer pelos crimes contra a honra, como o de difamação, comum no uso não autorizado de imagem”, esclarece a advogada.

Para Renato Opice Blum, também especialista em Direito Eletrônico e presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da Fecomercio, “o procedimento é semelhante ao do Orkut. A retirada de conteúdo pode ocorrer pela violação dos termos de uso. O site só responde se for notificado, mas não retirar o conteúdo ilícito.

Cabe ao autor ou dono do vídeo a responsabilidade pelos danos. O YouTube só tem de identificar o usuário, sob pena de responder, aí sim, por danos.”

Direito de imagem

Daniela Cicarelli, sem dúvida, foi protagonista (ou antagonista, dependendo do ponto de vista) de uma obra intelectual. Esse fato, por si só, já gera o direito de imagem. O direito de imagem está previsto no artigo 5º, inciso X.

Pela regra, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O difícil, de acordo com a advogada Sônia Maria D’Elboux, “é provar que uma pessoa pública, em local público procurava privacidade”, acredita.

“Só não há dúvida de que a imagem do casal foi usada em um filme, com trilha sonora e legenda. São personagens de uma obra intelectual. Eles têm direito de imagem. Mas a questão não é tão simples assim. Têm de provar que, apesar de estarem em local público, procuraram um espaço preservado. Esse é o tipo de ação judicial que não dá pra ter noção do desfecho”, afirma.

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