Júri atrasado

Pimenta Neves vai a júri em maio pela morte de Sandra

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28 de janeiro de 2006, 7h33

Responda rápido: em que país poderia acontecer de um homem matar uma mulher, atirando nela pelas costas, depois que ela já estava estirada no chão (“Motivo”: ela não queria mais namorar com ele)? Muitos países. Certamente. Responda agora: em que país do mundo esse assassino, depois de detido, seria solto. E só depois de seis anos seria chamado a um tribunal para se “descobrir” que ele é culpado? Acrescente-se aí que o homicida confessou o crime, havia testemunhas no local, sem contar que se teve, no ato, a presença do corpo e da arma do crime.

Como todos os leitores acertaram a resposta, aqui começa a notícia:

Está marcado para o próximo dia 3 de maio, às 8h, o julgamento do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves que, a 20 de agosto de 2000, matou sua ex-namorada e ex-subordinada Sandra Gomide. A primeira notícia do fato foi veiculada por este site, com o texto que se pode reler nas reportagens relacionadas ao pé deste relato.

O homicídio, premeditado, será examinado junto com dois agravantes: motivo torpe e pelo fato de não se ter dado à vítima qualquer chance de defesa. O julgamento acontecerá no Tribunal do Júri de Ibiúna (SP).

O advogado da família Gomide, Luiz Fernando Pacheco, estima que a condenação será de, pelo menos, quinze anos em regime fechado. “Como o homicídio doloso prevê penas de 12 a 30 anos e há duas qualificadoras, não acredito que a pena seja inferior”, afirma.

O motivo torpe invocado dá-se pelo motivo da vingança: o rompimento de um namoro; a impossibilidade de defesa caracteriza-se pelo fato de o primeiro tiro ter sido dado pelas costas e outro depois que a vítima já estava caída no chão.

A demora para o julgamento tornou o caso um símbolo da ineficiência da justiça brasileira. Pacheco não atribui a morosidade ao sistema processual, que permite uma série de recursos ao acusado nem a abusos da defesa. “O motivo é o entupimento do Judiciário”, sintetiza. A advogada de defesa de Pimenta Neves, Ilana Müller não foi localizada para comentar os fatos.

O caso

Transtornado desde que fora abandonado pela namorada, Antonio Marcos de Pimenta Neves, 63 anos, matou Sandra Gomide com dois tiros. Pimenta Neves era o diretor de redação e Sandra a editora de Economia do jornal O Estado de S. Paulo. O crime foi asperamente repudiado pela família Mesquita, que não só compareceu à missa de sétimo dia de Sandra, como desembolsou, prontamente, os R$ 20 mil que serviram para a contratação do primeiro advogado da família.

Em 2000, Pimenta Neves foi pronunciado por homicídio duplamente qualificado. A sentença de primeira instância acatou o pedido do advogado Luiz Fernando Pacheco. A defesa do ex-jornalista entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a sentença de pronúncia. Depois, a defesa entrou com Recurso Especial no STJ e Recurso Extraordinário no STF.

Para que os recursos seguissem para Brasília deveriam passar antes por um despacho de admissibilidade do 2º vice-presidente do TJ paulista. Cabe a ele dizer se o recurso tem condições técnicas de subir ou não aos tribunais superiores. O desembargador não permitiu a subida dos recursos. Contra o despacho, a defesa de Pimenta entrou com dois Agravos de Instrumento.

Segundo Pacheco, o crime de Pimenta não tem chance de prescrever porque a sentença de pronúncia interrompe o prazo de prescrição. Além disso, a prescrição para casos de júri é de 20 anos. No caso do Pimenta, quando ele fizer 70 anos, o prazo cai pela metade. Pacheco calcula que o réu, de 68 anos, pode ser condenado de 12 a 20 anos de prisão. Para o crime qualificado a pena é de 12 a 30.

Processo Cível

Pimenta Neves também responde a uma ação de indenização por danos morais, que caminha lentamente. O advogado Floriano de Azevedo Marques, que promove a ação em nome da família de Sandra, afirma que inicialmente enfrentou uma dificuldade prosaica: o juiz queria que a família recolhesse custas processuais absolutamente proibitivas para poder mover a ação.

“Isso atrasou bastante porque tivemos que ir até o Tribunal de Justiça para conseguir que a ação seguisse sem o recolhimento de custas. O que demorou mais de dois anos”, afirma Marques.

Agora, a ação voltou ao seu curso normal e está na primeira instância. Uma audiência de conciliação está marcada para o próximo dia 16 de setembro para uma tentativa de acordo entre as partes, o que Marques acha improvável que vá acontecer.

“Ele (Pimenta) já manifestou desinteresse em qualquer conciliação. De nossa parte a única conciliação possível é mediante o pagamento de alguma indenização em função do dano causado por ele”, explica o advogado.

Depois da audiência, se não houver conciliação, a ação vai entrar em fase de conclusão para sentença e a expectativa de Marques é que ainda nesse ano saia uma definição. A defesa da família calcula uma indenização em torno de R$ 80 mil com parâmetros de casos assemelhados.

“O grande problema nesse caso é que houve uma discussão paralela que atrasou o curso da ação. O Judiciário teve uma visão um pouco equivocada com relação ao que é essencial na prestação da Justiça, que é resolver os conflitos, e não ficar se preocupando com custas judiciais numa ação em que a família sequer tem condições de recolher custas”, lamenta Marques.

Na ação houve pedido de bloqueio dos bens de Pimenta. A primeira instância decretou o bloqueio, mas depois revogou a determinação por conta da questão do recolhimento das custas processuais. A decisão foi revertida em julgamento de um recurso no TJ paulista, que restabeleceu o bloqueio dos bens.

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