Mais um assalto!

Projeto de lei prevê criação de mais uma taxa de veículos

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11 de outubro de 2004, 9h56

Está sendo encaminhado ao Congresso projeto de lei para criar mais uma taxa que será exigida dos proprietários de automóveis e outros veículos automotores e que poderá se denominar “Taxa de Inspeção Veicular”. Parece-nos, contudo, estarmos diante de um novo tributo cuja legalidade é muito discutível, eis que está configurada uma bi-tributação, já que os Estados cobram a “Taxa de Licenciamento”.

A nova taxa que se pretende criar seria destinada a remunerar os serviços de fiscalização dos veículos quanto às suas condições de funcionamento, especialmente no que concerne à emissão de poluentes.

A Lei 8.723 de 28/10/93, porém, já obriga os fabricantes de veículos e combustíveis à observância de uma série de regras destinadas à redução de emissão de poluentes por veículos, as quais são aplicáveis também aos veículos importados. Essa lei sofreu algumas alterações pela Lei 10.203 de 22/02/2001, especialmente quanto à adição de álcool etílico anidro na gasolina e com relação à competência dos Estados e Municípios para a implantação de programas próprios de inspeção veicular.

Os que defendem a criação da taxa sustentam a tese de que a inspeção é indispensável para a melhoria do meio ambiente e que os proprietários de veículos também lucrariam com isso, pois seriam verificadas as condições de segurança e de funcionamento do veículo, assim prevenindo acidentes, desgaste de pneus, consumo exagerado de combustíveis, etc.

Porque o Poder Público supostamente não possui equipamentos e infra-estrutura adequados para a inspeção da frota, pretendem os autores da proposta que tal serviço seja delegado a empresas privadas, que participariam de uma licitação e repassariam parte da arrecadação para os cofres públicos.

Toda essa proposta, contudo, esbarra em alguns aspectos que a levam para o terreno da ilegalidade.

Quando se fala em “inspeção”, obviamente estamos diante de um ato de fiscalização. Alguém pretende fiscalizar os veículos para verificar se eles estão em condições de trafegar com observância da lei.

A lei, no caso, é o Código de Trânsito Brasileiro que está em vigor, ou seja, a Lei 9.503/97. Todavia, nenhum dos seus artigos aponta na direção de ser criada uma outra taxa para remunerar os serviços de fiscalização ou “inspeção” veicular, além daquela que há muitos anos todos pagamos aos Estados, quando, anualmente, licenciamos o nosso veículo.

O artigo 104 do Código Nacional de Transito diz que as “condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído” serão avaliadas “mediante inspeção que será obrigatória…”

Por outro lado, o artigo 124 do mesmo Código diz que, para expedição do Certificado de Registro de Veículo, será exigido o “comprovante de inspeção veicular e de poluentes e ruído” e o artigo 131 diz que, ao licenciar o veículo, “o proprietário deverá comprovar sua aprovação nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído”.

Ora, desde o advento da lei 8.723/93, todos os veículos, nacionais ou importados, só obtêm registro no RENAVAN, – que é o cadastro nacional de veículos automotores – depois de aprovadas as suas características técnicas. O Código exige nova vistoria apenas quando houver “adaptação ou alteração” daquelas características, como assinala o inciso IV do artigo 124.

Assim, em se tratando de veículo novo, que só pode ser vendido pela montadora ou importadora após registro no RENAVAN (registro esse que é nacional e antecede ao seu licenciamento na repartição estadual de trânsito), não há que se falar em “inspeção veicular”.

Tal inspeção, portanto, só pode ser obrigatória, como determina o Código de Transito, para os veículos usados, pois estes podem estar sem as “condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído” pois o proprietário pode não ter feito sua adequada manutenção ou ter promovido alguma “adaptação ou alteração” .

O mesmo Código prevê, que: “Compete aos órgãos …de trânsito dos Estados e do Distrito Federal…vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar, selar a placa, e licenciar veículos, expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal competente”. (CTB, art. 22, III).

Ou seja, cabe aos DETRANs dos Estados a vistoria e o licenciamento dos veículos, por delegação do órgão federal, o CONTRAN. Justamente por isso é que os Estados podem cobrar a TAXA DE LICENCIAMENTO anual, que hoje em São Paulo custa cerca de cinqüenta reais, atingindo valores superiores em outras unidades da Federação.

Portanto, se o Estado já cobra uma taxa para “…vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar…etc.” e se tal licenciamento , desde 1993, inclui a verificação das condições não só de segurança, como também de emissão de poluentes dos veículos, a instituição de uma nova taxa significa , claramente, uma BI-TRIBUTAÇÃO, totalmente ilegal.

Note-se que TAXA é uma espécie de tributo. A Ministra do STJ, ELIANA CALMON, na obra coletiva “Código Tributário Nacional Comentado” (Ed. Revista dos Tribunais, 2ª. Edição, 2004, pág. 436) ao comentar o artigo 77 do CTN assinala que a taxa refere-se a serviço “…sempre estatal, não podendo portanto, ser serviço prestado por empresa privada.”

Tal entendimento, pacificamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, afasta a possibilidade de que a tal “inspeção veicular” venha a ser executada por empresas particulares.

Também é muito grave a afirmação segundo a qual as empresas que venham a fazer tal serviço repassariam parte da receita para Estados e/ou Municípios. Essa afirmação estaria, ao que consta, servindo para obter o apoio de prefeitos e governadores, cujas administrações teriam mais arrecadação.

Tal possibilidade de “repasse” revela que a taxa que se pretende cobrar tem valor além dos seus custos. O excesso, assim, seria um imposto disfarçado, cobrado como se taxa fosse e, portanto, inconstitucional. É cediço que o valor da taxa não pode ultrapassar o custo do serviço.

Embora a tal “inspeção veicular” possa ser uma espécie de serviço, a verdade é que, obrigatória para o licenciamento, faz parte do poder de polícia do Estado. Já é, portanto, cobrada com o nome de “taxa de licenciamento”.

Não tem nenhuma consistência o argumento segundo o qual a “inspeção” é algo diferente do exercício do poder de polícia que se verifica no licenciamento. Tanto assim, que os DETRANs não podem licenciar veículos sem adequada vistoria, como não podem permitir a circulação dos que não apresentem adequadas condições de segurança ou que poluam o meio ambiente. Se a fiscalização de trânsito não cumpre a lei, embora o poder público arrecade o tributo para fiscalizar seu cumprimento, não tem cabimento a criação de uma nova taxa para pagar um serviço que não foi prestado, embora já tivesse sido pago.

Os veículos brasileiros já são os mais taxados do mundo. Além do IPI, do ICMS, do PIS e da COFINS que incidem na venda, e do IPVA anual , há ainda os tributos que incidem nos combustíveis (a famigerada CIDE, por exemplo) além dessa “maracutaia” (palavra inexistente no dicionário , mas de uso do nosso Presidente) que é o tal seguro obrigatório , o DPVAT, tão útil para enriquecer donos de seguradoras.

A tal inspeção veicular já existe há muito tempo. Para isso pagamos a taxa de licenciamento. Não é razoável supor que possa custar mais de cinqüenta reais por ano a emissão, pelos computadores dos DETRANs, de um pedacinho de papel verde. A taxa tem esse valor porque serve para custear toda a estrutura dos DETRANs, inclusive , se for o caso, a aquisição e o manuseio dos aparelhos que medem a emissão de poluentes.

Todos sabemos do grande interesse de diversas empresas por essa maravilhosa “mina de ouro” que pode representar tal “serviço”. Não sei se todos se lembram daquela palhaçada do “estojo de primeiros socorros” que nós, proprietários de veículos, fomos obrigados a comprar e deixar no nosso carro inutilmente. Ou ainda daqueles ridículos selos auto-adesivos no tempo em que se pagava uma taxa para reformar as estradas… Os fabricantes de esparadrapo e de selinhos devem ter ficado muito felizes. Mas nós, os trouxas, fomos vítimas de assalto. Chega de taxas!

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