Crimes no shopping

Ex-estudante de Medicina não pode ter novo Júri Popular

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5 de junho de 2004, 15h55

O ex-estudante de Medicina Mateus da Costa Meira, 29 anos, não poderá ter novo Júri Popular porque a pena fixada para cada crime não ultrapassa vinte anos. A análise é do professor Luiz Flávio Gomes. O ex-estudante foi condenado, na quinta-feira (4/5), a 120 anos e seis meses de prisão. Há quatro anos, ele invadiu a sala do cinema de um shopping em São Paulo com uma submetralhadora e assassinou três pessoas.

Ele recebeu pena de 19 anos e seis meses para cada um dos homicídios, 13 anos para cada uma das quatro tentativas de homicídio e oito meses para cada uma das pessoas que expôs a risco –15 ao todo. Os advogados de Mateus afirmaram que vão recorrer.

Foi fixada a pena total de 120 anos, embora a legislação brasileira fixe o limite máximo de trinta anos de reclusão. Se a condenação for mantida, será em vão a tentativa do réu para reduzir sua pena ou obter outro benefício qualquer, de acordo com a jurisprudência atual. Segundo Luiz Flávio Gomes, ele deve mesmo cumprir a pena de 30 anos. É que os benefícios são calculados com base na pena total. “Para pedir a liberdade condicional, por exemplo, ele tem de cumprir dois terços da pena total, o que já dá mais de 30 anos”, observa o professor.

Ele disse ainda que se Mateus passar os 30 anos trabalhando, se a condenação for mantida, conseguirá reduzir apenas 10 anos da pena total — ainda assim insuficiente para sair da prisão. Pela lei, a cada três dias trabalhados, é abatido um dia da pena.

Leia os principais trechos da sentença:

Poder Judiciário

Primeiro Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo

Processo nº 3360/99

Vistos

O E. Conselho de Sentença, na votação dos quesitos propostos, entendeu que o réu MATEUS DA COSTA MEIRA praticou os 03 (três) crimes de homicídio consumado, os 04 (quatro) crimes de homicídio tentado e os 15 (quinze) de periclitação à vida que lhe foram imputados no libelo-crime acusatório. Os Senhores Jurados rejeitaram a tese de semi-imputabilidade do acusado. Nos crimes dolosos contra a vida (homicídios consumados e tentados), reconheceram a incidência da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vitima e da circunstância agravante da embriaguez preordenada.

Nos crimes de perigo para vida, os Senhores Jurados admitiram as circunstâncias agravantes do recurso que dificultou a defesa da vítima e da embriaguez preordenada. Na votação dos quesitos propostos os Senhores Jurados não reconheceram a existência de qualquer circunstância atenuante a favor do réu.

Atenta à este respeitável veredicto, possa a individualizar a pena, nos termos dos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal.

Após analisar a culpabilidade, os antecedentes, conduta social e de personalidade do acusado, atenta às circunstâncias e conseqüências dos crimes praticados, entendo ser necessária a fiação das penas-base acima do patamar mínimo legal. Assim, para cada um dos crimes dolosos contra a vida, consumados e tentados, também qualificados pelo recurso que dificultou a defesa das vítimas, fixo a pena-base 18 (dezoito) anos de reclusão.

Isto porque, o réu, submetido a exame de sanidade mental, foi considerado pessoa portadora de um transtorno esquizóide da personalidade que, do ponto de vista médio-legal, não foi considerada uma doença mental, nem tampouco uma perturbação da saúde mental, conforme parecer do perito que o examinou. Isto implica dizer que o réu MATEUS DA COSTA MEIRA era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do tato e de se determinar de acordo com tal entendimento.

Constatou-se que, mesmo sob o efeito da “cocaína”, substancia entorpecente que lhe causou distúrbio delirante do pensamento e alucinações assim como sintomas persecutórios, no momento do ato, não havia indícios clínicos de alteração do senso-percepção, nem do pensamento que pudesse interferir no entendimento e na auto-determinaçao do réu. O acusado era capaz de distinguir o “certo”e o “errado”. Os peritos do juízo concluíram que o réu MATEUS DA COSTA MEIRA tinha plena capacidade de entendimento e auto-determinação para os fatos, porque estabeleceu uma coerência de atos e intenções quanto a compra da arma; seu poder de foto e por conseqüência, seu poder de destruição, associado ao planejamento de utiliza-la em local público longe de sua residência. Isto demonstra dolo intenso em sua conduta. O réu sempre teve o amparo financeiro dos pais e, caso desejasse, poderia ter optado por seguir outro caminho contrário aquele que o levou a praticar atos de extrema violência, inclusive contra seu próprio pai. Poderia ter optado por ingerir os medicamentos que lhe foram ministrados ao invés da “cocaína”. Interrompeu a ingestão do medicamento que lhe foi prescrito assim que se viu livre da observação paterna.

Além disso, o réu na primeira noite que passou em casa, após ter recebido alta da clínica onde esteve internado passou a enviar “e-mails”, visando a aquisição de armas de foto, estando uma metralhadora dentre suas opções, cuja potencialidade lesiva é indiscutível. O réu queria matar – e matar em “grande estilo”. Chegou a dizer aos peritos que “estava confuso e com muita raiva. Tinha vontade de agredir então resolveu comprar uma metralhadora e ir para o cinema onde poderia ser finalmente reconhecido”.

Mas, o reconhecimento que terá, deste juízo, é o de que sua conduta deve ser altamente censurada, haja vista a gravidade dos fatos que cometeu. Desse a adolescência, e considerando o relatório médico ofertado por psiquiatra que o teria examinado em 08 de abril de 1991, na cidade de Salvador, o réu MATEUS DA COSTA MEIRA apresentava-se como um individuo com problemas de ajustamento na escola face a sua agressividade, pouco sociável; sem amizades; com grande dificuldade de relacionamento, era trio, egoísta e…

…motivos e critérios adotados em relação aos crimes dolosos contra a vida, fixo a pena-base do réu em 06 meses de detenção. A pena será agravante para 08 meses de reclusão em razão da circunstância agravante da embriaguez preodenada e do recurso que dificultou a defesa das vítimas. Sem mais, torno as penas fixadas, definitivas. Nos termos do artigo 69, “caput”, do Código Penal, o réu, mediante mais de uma ação, praticou 03 homicídios qualificados consumados; 04 homicídios qualificados tentados e 15 periclitações da vida, de sorte que as penas privativas de liberdade serão aplicadas cumulativamente. Somadas as penas, o réu deverá cumprir 110 anos e 06 meses de reclusão, pelos crimes dolosos contra a vida, e, 10 anos de detenção. O regime de cumprimento das pernas dos crimes dolosos contra a vida será o integral fechado, em virtude de suas naturezas hediondas, conforme determina o artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90. Para os crimes de periclitação da vida, o regime inicial será o semi-aberto, apesar da primariedade do réu, pelos mesmos motivos que levaram à fixação de sua pena-base acima do patamar mínimo legal.

Diante do Exposto, e de tudo o mais que dos autos consta, Julgo Procedente a ação penal para Condenar o réu Mateus da Costa Meira à pena de 110 (Cento e dez) anos e 06 (Seis) Meses de Reclusão, em regime integral fechado, por incurso nas regras do artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV (três vezes), c.c. artigo 61, inciso II, alínea “I”; e artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, c.c. artigo 14, inciso II, c.c. artigo 61, inciso II, alínea “I” (quatro vezes) e à pena de 10 (Dez) Anos de detenção, em regime semi-aberto, por incurso nas regras do artigo 132 (quinze vezes), c.c. artigo 61, inciso II, alíneas “c ” e “I”, todos c.c. artigo 69, “caput”, todos do Código Penal.

Pelos motivos expostos na fundamentação da pena e considerado que o réu Mateus da Costa Meira permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não poderá recorrer em liberdade.

Recomende-se o réu no estabelecimento prisional onde se encontrar detido e, após o trânsito em julgado, expeça-se mandado de prisão e lance-se seu nome no Livro “Rol dos Culpados”.

Sala das deliberações do Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo, Plenário “10”, às 22:30 horas, do dia 03 de junho de 2004.

Publicada em plenário, saem os presentes intimados. Registre-se.

Maria Cecília Leone

Juíza Presidente

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