Liberdade provisória

Restrição imposta em Estatuto do Desarmamento gera polêmica

Autor

1 de agosto de 2004, 10h23

O Estatuto do Desarmamento — Lei 10.826/2003 — criou um impasse para a concessão de liberdade provisória em casos de porte ilegal de arma. Os tiros cruzados, segundo especialistas em Direito Penal, são disparados em duas frentes distintas: a primeira é a possível inconstitucionalidade da lei. A segunda, versa sobre o caráter excessivoda medida, que feriria o princípio da porpocionalidade de crimes.

No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a divergência tem sido resolvida com a análise dos requisitos subjetivos de cada réu. Durante uma sessão da última semana, por exemplo, o Conselho da Magistratura decidiu negar Habeas Corpus a Eduardo Pires da Silva, preso desde abril por carregar consigo uma pistola 765, sem autorização.

Em junho deste ano, em decisão no sentido contrário, o juiz Nelson Calandra, do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, acolheu HC em favor de José Simplício de Sousa e determinou o relaxamento de sua prisão.

Simplício foi preso porque tinha, em seu estabelecimento comercial, uma pistola 7.65mm, marca Taurus, municiada com 12 cápsulas intactas e com numeração raspada. Calandra entendeu que o juiz não pode ser impedido, por lei ordinária, de exercer seu poder de julgamento e conceder liberdade provisória a acusado de porte ilegal de arma.

Um sonho de liberdade

O artigo 21 do Estatuto do Desarmamento afirma que é “insuscetível de liberdade provisória (com ou sem fiança) aos crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18”, que regulamentam a punição para porte ilegal de arma de uso restrito (pelas Forças Armadas), comércio ilegal de armas de fogo, e para quem importar, exportar ou favorecer entrada ou saída de munição, acessório ou arma de fogo do país, respectivamente.

Na mesma lei, os crimes previstos nos artigos 14 (porte ilegal de arma de uso permitido) e 15 (disparo de arma de fogo) são tratados como inafiançáveis. Nos dois casos, a legislação prevê, em tese, a liberdade provisória sem pagamento de fiança.

Segundo especialistas, no entanto, não existe na Constituição Federal artigo que proíba a concessão de liberdade provisória. Ao contrário do procedimento dado aos crimes hediondos, por exemplo, o tratamento mais rigoroso ao porte ilegal de armas não se encontra expresso na Carta Magna. “Não é o caso do legislador infraconstitucional, então, criar tal restrição”, diz o professor de Direito Processual e Penal da PUC do Rio de Janeiro, Ivan Santiago .

Desde a criação da legislação para os crimes hediondos, como o tráfico de entorpecentes, várias outras leis acabaram proibindo a liberdade provisória. Nesse meio tempo, já foi imposta a proibição para crimes como o organizado e de lavagem de dinheiro. “Até hoje o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que as leis que vedam a liberdade provisória não ferem a Constituição”, diz o professor de Direito Processual e Penal da Universidade de São Paulo, Antonio Scarance Fernandes . Assim, é provável, segundo ele, que o Estatuto do Desarmamento prevaleça na prática da aplicação penal.

Na outra ponta da questão está o princípio de que uma pessoa só pode ser mantida presa, durante o curso do processo, se existir a possibilidade de ela ser condenada no julgamento final. “Não seria cabível impor prisão se a pessoa, mesmo condenada, não venha a ser presa”, diz Santiago. “Se em uma análise simplória de antemão é vislumbrado que o condenado possa ser beneficiado com a substituição da pena não existe razão para mantê-lo preso, o que seria excessivo e faltaria à proporcionalidade na aplicação da pena provisória”.

O impasse reflete o que determina o artigo 44 do Código Penal Brasileiro. Segundo ele, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela restritiva de direitos em determinadas hipóteses – se o porte de armas não resultar em violência ou grande ameaça à sociedade – em que a pena prevista é de dois a quatro anos e pagamento de multa. Assim, se não for caracterizado o periculum in mora (o perigo do dano pela demora) e o fumus boni júris (pressentimento de validade jurídica), não se fazem presentes requisitos para a continuidade da prisão.

“Sou contra a impossibilidade de concessão da liberdade provisória”, diz Scarance Fernandes. “O legislador não deve impedir o juiz de examinar em cada caso quando ou não a pessoa deva ficar presa. É claro que devem existir critérios gerais, mas cada caso é um caso”. Para ele, o porte ilegal de armas pode ser, por exemplo, um fato isolado na vida de quem for flagrado. “A grande questão aqui é o direito ao benefício da liberdade em si”.

Clique aqui e discuta o assunto na sala de bate-papo da revista Consultor Jurídico

Processo nº 20040020046776

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!