Cidade de Deus

Pais de Mané Galinha não conseguem indenização

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3 de dezembro de 2010, 16h23

Quando o escritor Paulo Lins escreveu o livro Cidade de Deus, que retrata a vida na comunidade na década de 70, publicou apenas as iniciais dos nomes das pessoas reais que compunham a história. E foi justamente por isso que a Editora Schwarcz não vai precisar indenizar os pais de Manuel Machado Rocha, conhecido como Mané Galinha. A família alegou que a exposição da história de seu filho não foi autorizada. A juíza Debora Maria Barbosa Sarmento, da 1ª Vara Cível de Madureira, no Rio de Janeiro, negou o pedido dos pais. Eles não recorreram. A decisão transitou em julgado.

A Editora Schwarcz foi representada pelo advogado Fernando Lottenberg, do Lottenberg Advogados. A Justiça entendeu que Mané Galinha não foi indentificado no livro e sim no filme, do qual o autor da obra não tem nenhum controle.

O filme, baseado no livro do ano de 1997, só veio a público em 2002. O filme teve repercussão internacional e ganhou vários prêmios. Na película, os personagens são descritos e nomeados. Em sua sentença, a juíza fez uma distinção entre o livro Cidade de Deus e o filme homônimo. Segundo ela, o livro conta história, mas utiliza siglas quando se refere aos moradores e participantes da história, diferentemente do filme. E, por isso, ela afastou o alegado dano e ofensa à honra e imagem de Mané Galinha.

“Muito embora sejam invioláveis a intimidade, a vida privada e imagem das pessoas, a obra editada pela ré [Editora Schwarcz], que retrata os dramas de comunidade carente da Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro na década de 70, preserva a identidade dos indivíduos que inspiraram seus personagens, não havendo que se falar, portanto, em ofensa a direito de personalidade.”

A juíza acrescentou também que a editora do livro não poderia se responsabilizar pelos eventuais danos causados pelo filme. A mãe e o pai, quando foram ouvidos pela juíza, afirmaram não ter lido a obra de Paulo Lins. Eles fizeram referências apenas ao filme. Nele, Mané Galinha é um criminoso de destaque na comunidade.

Leia a sentença:

SENTENÇA MANOEL DA SILVA ROCHA e ZILDA MACHADO ROCHA buscam, através de ação de rito comum ordinário ajuizada em face da EDITORA SCHWARCZ LTDA o ressarcimento dos danos materiais e morais decorrentes de ofensa à honra e imagem de seu falecido filho MANOEL MACHADO ROCHA, em virtude da publicação não autorizada de sua biografia no livro ´Cidade de Deus´, de autoria do escritor Paulo Lins. Alegam, em síntese, que a ré editou e comercializou o livro ´CIDADE DE DEUS´, que deu origem a filme de igual nome, sendo um dos personagens da obra seu falecido filho MANOEL MACHADO ROCHA, que possuía a alcunha de ´Mané Galinha´. Sustentam que houve violação à imagem de seu filho, com a exposição não autorizada de seu nome e história pessoal. A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 12/27.

A ré apresentou contestação às fls. 52/74, argüindo a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, bem como a ocorrência da prescrição. Alternativamente, alega que apesar de se basear em fatos reais, a obra é de ficção, não se tratando de pesquisa científica, tese acadêmica, relato factual ou biografia, ressaltando que foram recriadas situações ocorridas nos anos 70 sem quaisquer considerações de natureza pessoal ao falecido filho dos autores. Réplica às fls. 101/102. Saneador às fls. 109/110. Em Audiência de Instrução e Julgamento foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas arroladas pela parte autora (fls. 124/126). Memoriais às fls. 132 e 133/138.

É o relatório. Decido. Inicialmente, rejeito a preliminar de prescrição já que o livro em que foi supostamente narrada a vida do falecido filho dos autores continua a ser comercializado pela ré. No que tange ao mérito, a despeito de lamentar a morte trágica e prematura do filho dos demandantes, não há como se acolher o pedido inicial. Muito embora o livro editado pela ré com o título ´Cidade de Deus´ tenha se baseado em fatos reais, nele não há qualquer menção ao nome ou apelido do filho dos autores. Por sua vez, a inicial não indica sequer o nome que teria sido atribuído no livro ao personagem que supostamente retrata a vida do filho dos autores, o que afasta o alegado dano e ofensa à honra e imagem do falecido MANOEL MACHADO ROCHA.

Apesar de notório o fato de que o filme ´Cidade de Deus´ tenha se inspirado na obra de mesmo nome editada pela ré, de autoria de Paulo Lins, segundo se extrai dos autos, o nome do filho dos autores, que possuia o apelido de ´Mané Galinha´, só foi mencionado na película cinematográfica e não no livro editado pela demandada. Muito embora sejam invioláveis a intimidade, a vida privada e imagem das pessoas, a obra editada pela ré, que retrata os dramas de comunidade carente da Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro na década de 70, preserva a identidade dos indivíduos que inspiraram seus personagens, não havendo que se falar, portanto, em ofensa a direito de personalidade. Não há como se responsabilizar a editora do livro por eventual dano causado pela obra cinematográfica, que não foi por ela produzida.

Oportuno ressaltar que os informantes ouvidos em Juízo sequer leram o livro objeto da demanda, fazendo referências apenas ao filme homônimo. Inexiste dano moral por fato praticado no exercício regular de direito, tendo a ré se limitado a editar obra que preservou a intimidade dos indivíduos que a inspiraram. Não gravitando na órbita da ilicitude civil a conduta da demandada, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, observada a norma do art. 12 da Lei no. 1060/50. P. R. I.

1ª Vara Cível de Madureira
Debora Maria Barbosa Sarmento

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