Crime contra relação de consumo deve ser comprovado com perícia
10 de maio de 2015, 6h38
Em recente decisão tomada no último dia 14 de abril, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 49.752-SC, relatado pelo eminente ministro Jorge Mussi, reafirmou entendimento de que a perícia técnica é essencial à comprovação da materialidade delitiva no crime previsto no artigo 7º, inciso IX da Lei 8.137/90.
O dispositivo retrocitado impõe a pena de detenção de dois a cinco anos, ou multa, àquele que "vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo".
Referida decisão determinou o trancamento de ação penal iniciada com base em auto de infração lavrado por autoridades administrativas, as quais atestaram existência de mercadorias expostas à venda sem o devido registro no Serviço de Inspeção Estadual de Santa Catarina; depreendendo-se a administração, desse modo, estarem as mercadorias impróprias para consumo.
No entendimento da Corte Superior, seria necessária a comprovação técnica, por perícia, de que as mercadorias estivessem de fato impróprias ao consumo; além de que, ainda na esteira da decisão, a norma que sustenta a impropriedade para consumo no caso em tela foi emanada pelo estado e não pela União, o que fere a competência privativa desta última para legislar matéria penal.
Do voto condutor, destaca-se a seguinte passagem que resume a questão:
"Portanto, em casos como tais, uma persecução criminal condizente com os princípios e objetivos de um Estado Democrático de Direito deve ser acompanhada de comprovação idônea da materialidade delitiva, conforme preceitua o artigo 158 do Código de Processo Penal, não sendo admissível a presunção de impropriedade ao consumo de produtos expostos à venda com base exclusivamente em conteúdo de normas locais, circunstância que revela flagrante ausência de justa causa na hipótese, …"
Com a manutenção do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça de que a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 7º, IX, da Lei 8.317/90 prescinde de laudo pericial, uma vez que se trata de crime que deixa vestígios materiais, acentua-se a necessária segurança jurídica e reafirma-se também a dogmática no sentido de que referido crime, muito embora seja formal e de perigo – pois não se exige ocorrência de resultado naturalístico para sua consumação e existe criminalização prévia de conduta atentatória ao bem jurídico tutelado – é de perigo concreto, ou seja, deve existir uma situação de fato que coloque em risco a coletividade para o aperfeiçoamento do crime em questão, não podendo haver mera presunção de perigo.
Decisões desta estirpe demonstram de forma cristalina o papel atuante do direito penal nas relações de consumo tão somente quando houver a possibilidade de afetação concreta do bem jurídico, impedindo que a intervenção extrema característica do Direito Penal se transforme em instrumento de imposição de cumprimento de meros requisitos formais, que já são suficientemente impingidos pelo Estado no âmbito administrativo.
Ademais, ousa-se dizer que o tormento enfrentado no caso criminal ora exposto, expõe as mazelas do terreno arenoso que se firmam as relações de consumo no Brasil, a desnudar a existência de extenso arsenal normativo que toca esta área por intermédio de todos os entes da Federação, ingressando-se em esferas administrativas e judiciais do Poder Público à exaustão.
Não é pouco usual se verificar que tanto os municípios, quanto os estados e a própria União impõem regras quantitativamente excessivas nos mais diversos aspectos da relação de consumo, a exemplificar: tempo de espera em filas; tempo de espera em atendimento telefônico; disponibilizações de preferências em atendimentos; política de troca; regulamentação de publicidade; regulamentação de rótulos; dentre um mar sem fim de causas que poderíamos tentar enumerar em vão.
Fato é que este cenário, ao invés de conferir segurança jurídica, contribui para que nem consumidores nem fornecedores sejam bons conhecedores de seus deveres e direitos, impulsionando notório litígio nessa área do direito.
Dessa feita, da análise conjunta da decisão exarada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e da realidade fática das relações de consumo no Brasil, uma conclusão parece despontar: em que pese a existência do arsenal normativo para intervir nas relações de consumo, a utilização da arma mais poderosa do Estado, representada pelo Direito Penal, reclama um mínimo de segurança jurídica tanto na comprovação da materialidade quanto nas edições de normas.
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