Opinião

Resolução STJ/GP nº 3 e a regulação das demandas repetitivas em julgamentos virtuais

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15 de março de 2025, 6h37

No dia 3 de fevereiro, em sessão solene da Corte Especial, o ministro Herman Benjamin inaugurou o ano judiciário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com a apresentação dos números do tribunal e das medidas que visam a aumentar sua eficiência. No relatório de aprimoramento da atividade jurisdicional, foi apresentada, entre outras medidas adotadas pela Corte, a Resolução STJ/GP nº 3, publicada em 22 de janeiro.

Ministro Herman Benjamin

A Resolução STJ/GP nº 3 disciplina os julgamentos em ambientes virtuais de forma assíncrona. O ato normativo é fruto da consolidação da Emenda Regimental nº 45/2024 e da Resolução nº 591 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu os parâmetros mínimos para os julgamentos eletrônicos.

As alterações normativas visam a possibilitar maior transparência aos julgamentos virtuais, inclusive com a possibilidade de acompanhar o lançamento dos votos em tempo real e realizar esclarecimentos escritos sobre os votos lançados. A ideia por trás dessas alterações é aumentar o número de processos julgados em pauta virtual. Agora, quase todos os processos, originários e recursais, podem ser submetidos à pauta virtual.

As únicas classes de processos que obrigatoriamente irão à pauta presencial do Superior Tribunal de Justiça são as ações penais (APn), inquéritos (Inq), queixas-crime (QC) e embargos de divergência em recurso especial e em agravo em recurso especial (EREsp e AREsp), quando analisado o mérito do recurso.

Julgamento eletrônico

Outrora, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tinha se manifestado contrariamente à possibilidade de todo e qualquer processo ser submetido a julgamento eletrônico, principalmente em relação a processos que envolvem direitos fundamentais [1]. Na época, em sessão ordinária do Conselho Pleno, a entidade analisou a aprovação da Resolução 591 do CNJ, que serviu de base à resolução agora discutida.

Sem dúvidas, a ampliação das classes processuais que podem ser submetidas a julgamento eletrônico perante o Superior Tribunal de Justiça permite um aumento exponencial no número de processos e recursos julgados mensalmente. Nessa perspectiva, se, por um lado, a Resolução STJ/GP nº 3 veio para contribuir com a celeridade dos julgamentos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, deixou a desejar em diversos outros aspectos, especialmente no que diz respeito à participação democrática nos julgamentos.

Um exemplo claro disso é a possibilidade de os processos julgados pela sistemática dos recursos repetitivos e pelo incidente de assunção de competência serem incluídos para julgamento em plenário virtual. Os julgamentos de demandas de repercussão nacional, cujo precedente será aplicado em diversos processos, envolvendo demandas repetitivas, representam uma tendência em ascensão no Superior Tribunal de Justiça. Em 2024, o tribunal registrou mais de 70 temas afetados para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos e um crescimento de 34% no número de recursos repetitivos julgados em relação ao ano anterior [2].

Spacca

As teses geradas nesses recursos devem ser aplicadas pelos demais tribunais do país, formando importantes precedentes com amplitude social. O próprio Incidente de Assunção de Competência tem como requisito a existência de relevante questão de direito com grande repercussão social (artigo 947, CPC). As demandas repetitivas, por sua vez, são escolhidas pelos tribunais em razão da multiplicidade de recursos que veiculam a mesma questão de direito (artigo 1036, CPC).

Eficiência dos tribunais

Para além do aumento da eficiência dos tribunais, esses recursos representam a veiculação de teses jurídicas — relevantíssimas — com potencial para afetar diversos jurisdicionados. O próprio Código de Processo Civil (CPC) privilegiou esses recursos com a possibilidade de os julgamentos serem precedidos de audiências públicas; a modulação dos efeitos das decisões em razão do interesse social; e a análise da questão jurídica independentemente da desistência do recurso pela parte.

Além disso, pela própria relevância dos temas, recomenda-se que os tribunais oficiem e ouçam as entidades e instituições representativas da sociedade civil, atuantes nos temas de interesse, para contribuírem como amici curiae, inclusive com a possibilidade de sustentação oral. Algumas demandas de relevância social e impacto financeiro chegam a ser discutidas durante horas e por diversas sessões.

O julgamento que confirmou a Selic [3] como índice de correção das dívidas civis, por exemplo, ocorreu ao longo de sete sessões e foi decidido por um apertado placar de 6 a 5, com o voto de desempate da ministra presidente Maria Thereza de Assis Moura. A divergência foi tão acentuada que o ministro Luís Felipe Salomão levantou questão de ordem, questionando a validade do julgamento devido à ausência de dois ministros habilitados a votar.

Convencimento e veredicto

A formação do convencimento e o veredicto, na maioria dos julgamentos realizados pelo rito dos recursos repetitivos ou por meio do incidente de assunção de competência, dar-se-ão a partir do amplo debate, das opiniões e votos orais e não por meio de voto pré-escrito. Nesse quesito, o julgamento virtual pode criar um ambiente de pseudocolegiado, concentrando a análise do caso apenas na figura do relator.

A professora Damares Medina [4] publicou pesquisa comparativa entre os julgamentos virtuais e presenciais no Supremo Tribunal Federal (STF), que utiliza o julgamento eletrônico desde 2007, com a Emenda Regimental nº 47. Em análise aos dados empíricos da Corte Constitucional, 99,47% das decisões, em 2023, foram proferidas em ambiente virtual. Embora reconheça a eficiência desse modelo, a professora ressalta que a interação entre os ministros é reduzida, comprometendo o aprofundamento do debate. O que embora aumente a eficiência processual, a qualidade da deliberação colegiada é sacrificada, transformando a colegialidade em uma formalidade mais do que em um processo substantivo de construção coletiva da jurisprudência.

O plenário virtual, tendo em vista a otimização e a eficiência, deveria ser uma ferramenta restrita a processos menos complexos. Em situações em que a divergência de direito se mostra relevante, configurada por um grande número de decisões díspares em outros tribunais e juízos, afigura-se recomendável assegurar mecanismos suficientes para o desenvolvimento da colegialidade e do pluralismo de ideias. Nessas circunstâncias, a participação ampliada de juristas permite o debate e o aprimoramento das teses, contribuindo para a construção de uma decisão mais acertada.

Debates presenciais

Um bom exemplo sobre a eficácia da colegialidade e a importância dos debates presenciais ocorreu no julgamento do Tema 1190/STJ, sobre o arbitramento de honorários em cumprimentos de sentença na hipótese de concordância pelo ente devedor para pagamento através de requisição de pequeno valor. Na ocasião, o ministro Herman Benjamin, em sessão presencial, trouxe aos ministros seu ponto de vista quanto à modulação dos efeitos da decisão, defendendo sua aplicação a partir da afetação do tema. Noutra vertente, a ministra Regina Helena Costa suscitou que os efeitos da decisão deveriam incidir a partir da publicação do acórdão, já que se tratava da hipótese de mudança de entendimento por parte do Superior Tribunal de Justiça.

Não há voto-vista ou vogal da ministra Regina Helena Costa no sistema eletrônico. Esse debate ocorreu de forma síncrona e na ocasião do julgamento. O leitor pode atestar isso através da visualização do julgamento perante o canal do STJ no YouTube [5], onde a ministra demonstra a seus pares que a incidência dos efeitos da decisão a partir da afetação não seria adequada. Mesmo sem a apresentação de votos, a questão da modulação de efeitos ganhou manifestações e contribuições dos ministros Gurgel de Farias, Sérgio Kukina e Teodoro Silva Santos, demonstrando que a interação verbal entre eles pode trazer grandes contribuições na formação de um precedente de qualidade.

Pois bem. Apesar da multiplicidade de interessados e da complexidade da matéria que um tema de repercussão nacional pode ter, inclusive ao ponto de ser alçado a julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos ou pelo incidente de assunção de competência, a Resolução STJ/GP 3 não disciplinou nenhum instrumento específico que assegure às partes o direito a retirada do processo ou recurso da pauta de julgamento da modalidade virtual para sua reinclusão em pauta perante a sessão de julgamento presencial. A reinclusão em julgamento presencial só poderá ocorrer mediante o pedido de um ministro ou deferimento pelo relator da solicitação das partes.

Ajustes do STJ

Tratando-se, portanto, de julgamentos de grande repercussão social, pinçado para ser julgado pela sistemática dos recursos repetitivos ou pelo incidente de assunção de competência, é importante que o Superior Tribunal de Justiça promova os ajustes necessários para que a Resolução STJ/GP 3 esteja alinhada com um processo democrático, colaborativo e que prestigia a colegialidade e maior qualidade da decisão judicial.

A ausência de disposições específicas sobre os processos repetitivos submetidos à pauta virtual se apresenta como um retrocesso que, ao beneficiar a celeridade, pode potencialmente reduzir a qualidade das decisões judiciais.

Considerando, ainda, o avanço da cultura de precedentes no Judiciário brasileiro, deixar as demandas de repercussão social, julgadas pela sistemática dos recursos repetitivos ou incidente de assunção de competência, para a pauta virtual, não prestigia as relevantes contribuições dos insignes ministros integrantes do Superior Tribunal de Justiça e das instituições representativas da sociedade civil.

 


[1]OAB Nacional. OAB critica aprovação de recomendações do CNJ sem a participação da advocacia. Disponível em: <https://www.oab.org.br/noticia/62669/oab-critica-aprovacao-de-recomendacoes-do-cnj-sem-a-participacao-da-advocacia>. Acesso em: 28 jan. 2025.

[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Destaques do balanço estatístico do STJ em 2024. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/STJ%202024%20-%20Destaques%20do%20balan%C3%A7o%20estat%C3%ADstico-19122024.pdf>.  Acesso em: 28 jan. 2025.

[3] (REsp n. 1.795.982/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 21/8/2024, DJe de 23/10/2024.)

[4] MEDINA, Damares. Comparando os ambientes virtual e presencial de julgamento no STF. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/comparando-os-ambientes-virtual-e-presencial-de-julgamento-no-stf>. Acesso em: 14 fev. 2025.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.  Primeira Seção – STJ – 20/06/2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aLF2dMA9n74. Acesso em: 28 jan. 2025.

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