Direto do Carf

Retificação de declaração fiscal e comprovação do direito creditório: efeitos e controvérsias

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14 de maio de 2025, 8h00

A controvérsia acerca dos efeitos da retificação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) na comprovação do direito creditório do contribuinte não é nova no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Em 2019, Carlos Augusto Daniel Neto publicou, aqui, coluna tratando, principalmente, da (des)necessidade de retificação da DCTF após a notificação ao contribuinte do despacho decisório que não homologou a correspondente declaração de compensação. À época, já vigia o Parecer Normativo Cosit nº 2/2015, que, dentre outros, exigia a retificação da DCTF para o reconhecimento do direito creditório – exceto na hipótese de o contribuinte estar impedido de fazê-lo, quando, então, poderia comprovar o crédito por outros meios.

Posteriormente, em 2021, foi publicada a Súmula Carf 164, que estabeleceu que “[a] retificação de DCTF após a ciência do despacho decisório que indeferiu o pedido de restituição ou que não homologou a declaração de compensação é insuficiente para a comprovação do crédito, sendo indispensável a comprovação do erro em que se fundamenta a retificação”.

Nesse contexto, subsistem no âmbito do Carf controvérsias acerca de quais os elementos necessários à comprovação do erro que ensejou a retificação da DCTF e, em especial, quais os efeitos da Declaração de Informações Econômico Fiscais da Pessoa Jurídicas (DIPJ) na comprovação do direito creditório.

Retificação de DCTF para comprovação do direito creditório

A DCTF foi instituída pela Instrução Normativa (IN) SRF nº 129/1986, sob a denominação de “Declaração de Contribuições e Tributos Federais”, como sendo uma declaração apenas de informação de débitos. Posteriormente, a IN SRF nº 73/1996 passou a exigir informações de débitos e créditos e, além de alterar seu nome para “Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais”, passou a demandar prévia conciliação entre a DCTF e a DIPJ antes da cobrança dos saldos a pagar de IRPJ e CSLL – o que vigeu até a IN SRF nº 583/2005.

Atualmente substituída pela “DCTFWeb”, ela é instrumento de confissão de dívida e, portanto, hábil e suficiente para a exigência dos débitos nela informados, nos termos do §1º do artigo 5º do Decreto-lei nº 2.124/1984. Por essa razão, o Parecer Normativo (PN) Cosit nº 2/2015 exige a sua retificação para tornar líquido e certo o crédito objeto de compensação.

Spacca

Não obstante, a retificação da DCTF não é suficiente e nem indispensável à comprovação do direito creditório.

Como aponta o referido parecer normativo, a retificação, ainda que antes da prolação do despacho decisório, “por si só não é suficiente para a comprovação do pagamento indevido ou a maior”, de forma que os valores informados em DCTF devem ser coerentes com outras declarações transmitidas à Receita Federal, bem como documentos contábeis ou fiscais que lhe dão suporte.

No âmbito do Carf, entretanto, caso a retificação da DCTF ocorra antes do despacho decisório, que, por sua vez, examinou o direito creditório com base na declaração devidamente retificada, o ato de não-homologação será considerado nulo por falta de motivação. Nesse sentido é, por exemplo, o Acórdão nº 9101-006.962, de 09/5/2024.

A retificação da DCTF após a emissão do despacho decisório, embora possível, como aponta o próprio PN Cosit nº 2/2015, não é suficiente para a comprovação do direito creditório, exigindo a Súmula Carf 164 a demonstração do erro em que se fundamenta sua retificação.

A partir da análise dos acórdãos que deram ensejo à aprovação da referida súmula, se verifica que a comprovação do erro contido na DCTF deve se dar por meio da documentação contábil ou fiscal do contribuinte. Os julgadores, entretanto, na grande maioria dos casos, não especificam quais seriam tais documentos.

No Acórdão nº 3402-004.849, de 30/1/2018, os julgadores citam, exemplificadamente, os Livros Diário e Razão e a “movimentação comercial da empresa”, como sendo os documentos hábeis para tanto. No Acórdão nº 3402-006.598, de 21/5/2019, por sua vez, planilhas e livros de apuração da Contribuição ao PIS foram considerados insuficientes para comprovar o erro que ensejou a retificação da DCTF, no entanto, em razão unicamente de inconstâncias entre o valor do crédito contido em tais documentos e aquele que se pretendia compensar.

No Acórdão nº 3402-005.034, de 22/3/2018, apesar de os julgadores igualmente se referirem à documentação contábil e fiscal para demonstrar o erro em que se funda a retificação da DCTF, expressamente afastam o Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon) para tanto. Isso porque se trata de obrigação acessória elaborada pelo contribuinte “com substrato nos documentos contábeis da empresa, basicamente notas fiscais os livros fiscais onde estão registradas as referidas notas, além da própria DCTF”. Diante disso, concluem que “são esses últimos documentos que possuem aptidão para comprovar o crédito”. Esse mesmo entendimento foi replicado nos acórdãos de números 3402-006.556, de 25/4/2019, e 3402-006.929, de 25/9/2019.

Por fim, no Acórdão nº 1301-004.014, de 18/7/2019, a DIPJ original, na qual foi informado o débito a pagar em valor igual àquele contido na DCTF retificadora apresentada após o despacho decisório, foi considerada insuficiente para a comprovação do direito creditório. Isso porque, de acordo com os julgadores, a DIPJ tem natureza meramente informativa e “apenas reflete de forma sintética a escrituração, ao passo que essa última só faz prova em favor do contribuinte dos fatos nela registrados se comprovados por documentos hábeis”.

Ocorre que, como apontado no voto vencedor do Acórdão nº 9101-007.225, proferido em 7/11/2024, não foi integrada ao enunciado da Súmula Carf 164 a orientação no sentido de que a prova do indébito deve se dar por meio da documentação contábil e fiscal do contribuinte, não servindo, para tanto, a DIPJ original. Não sendo, pois, objeto da referida súmula, os efeitos da DIPJ, para corroborar as informações contidas na DCTF retificada após o despacho decisório, ainda são alvo de controvérsias na jurisprudência do CARF, como se verá a seguir.

A DIPJ e a comprovação do erro em que se fundamenta a DCTF retificadora

A DIPJ, instituída pela IN SRF nº 127/1998 e, atualmente, substituída pela Escrituração Contábil Fiscal (ECF), “não constitui confissão de dívida, nem instrumento hábil e suficiente para a exigência de crédito tributário nela informado”, como dispõe a Súmula Carf nº 92, aprovada em 09.12.2013.

O PN Cosit nº 2/2015 exige que as informações prestadas na DCTF original estejam de acordo, dentre outros, com a DIPJ, para que o direito creditório seja reconhecido – sem prejuízo, entretanto, de a autoridade fiscal analisar outras questões ou documentos para decidir sobre o indébito tributário. No entanto, na hipótese de retificação da DCTF após a prolação do despacho decisório, não são analisados os efeitos da DIPJ para a comprovação do erro em que se fundamenta a DCTF.

Nesse contexto, é possível localizar, na jurisprudência do Carf, ao menos três correntes distintas no que se refere à possibilidade de o erro em que se fundamenta a retificação da DCTF ser comprovado por meio de DIPJ transmitida antes da prolação do despacho decisório.

A primeira corrente, contida, por exemplo, no voto vencedor do Acórdão nº 9101-007.225, julgado por voto de qualidade em 7/11/2024, entende que a DIPJ não deve ser aceita “como prova do suposto erro em DCTF, em face de que ambas as declarações são formadas unilateralmente pelo próprio interessado” e, para tanto, adota as razões contidas no citado Acórdão nº 1301-004.014, de 18/7/2019.

No mesmo sentido é o Acórdão nº 9303-008.788, de 13/6/2019, no qual se afirmou que o “erro no preenchimento de DCTF se faz pela apresentação da contabilidade escriturada à época dos fatos, acompanhada por documentos que a embasam, ainda que na forma resumida para os contribuintes que optam pela apuração do lucro na forma presumida, não sendo admitida a mera apresentação de DIPJ, cuja natureza é informativa”.

A segunda corrente, por sua vez, considera que a “apresentação, em defesa, de DIPJ entregue antes da transmissão DCOMP, a evidenciar o indébito nela utilizado, é início de prova que impõe a conversão do julgamento em diligência para confirmação escritural do direito creditório”. Isto é, ainda que a DIPJ entregue antes do despacho decisório não seja suficiente para a comprovação do erro em que se funda a DCTF, ela não pode ser desprezada, devendo ser considerada como “início de prova”, vez que “o conteúdo informativo da DIPJ já se presta, minimamente, a suscitar dúvida a ser esclarecida junto à escrituração comercial e fiscal do sujeito passivo, ainda que esta não seja juntada à defesa”. Esse entendimento está consubstanciado, dentre outros, no voto vencedor do Acórdão nº 9101-005.650, de 09.08.2021, reproduzido, posteriormente, em diversas oportunidades, inclusive no recente Acórdão nº 9101-007.173, de 1/10/2024.

Por fim, a terceira corrente considera que “[n]ão subsiste o ato de não homologação de compensação que deixa de ter em conta informações prestadas espontaneamente pelo sujeito passivo em DIPJ e que confirmam a existência do indébito informado na DCOMP”. Isso porque, quando a DIPJ, apresentada antes da DCOMP e contendo ainda mais elementos que a DCTF, justifica o indébito utilizado em compensação, o Fisco deve considerar tal declaração antes de negar a existência do indébito. Cumpre ressaltar que tal entendimento não é no sentido de considerar a DIPJ como prova suficiente para reconhecimento do crédito, mas, sim, de desfazer o ato de não-homologação que não tem em conta, em sua análise prévia, a DIPJ apresentada entes da DCOMP e que evidencia o indébito compensado. Nesse sentido é, dentre outros, a posição vencedora contida no Acórdão nº 9101-004.877, de 3/6/2020.

Interessante notar que o voto vencedor do Acórdão nº 9101-005.650 foi proferido pela mesma conselheira cujo entendimento prevaleceu no Acórdão nº 9101-004.877. No entanto, as diferentes soluções atribuídas aos casos – que, frise-se, fizeram com que o primeiro se enquadrasse na “segunda corrente” aqui tratada e o segundo na “terceira corrente” – decorrem, não de uma mudança de entendimento, mas dos contornos distintos dos dissídios jurisprudenciais submetidos à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).

Explica-se: o Acórdão nº 9101-005.650 teve por paradigma o Acórdão nº 1301-004.540, no qual o contribuinte buscou a devolução dos autos “às instâncias administrativas inferiores para que elas confirmem a existência do direito creditório” por meio do exame da DIPJ apresentada antes do despacho decisório. Por sua vez, o Acórdão nº 9101-004.877 teve por paradigma o Acórdão nº 1401-002.941, no qual se concluiu pelo reconhecimento do direito creditório, com consequente homologação das compensações, apesar da ausência de retificação da DCTF antes da prolação do despacho decisório, quando a DIPJ comprova o recolhimento indevido alegado contribuinte.

Isso evidencia que, no âmbito da CSRF, diferentes soluções podem ser atribuídas ao caso a depender do paradigma invocado pelo recorrente – o que, por sua vez, reforça o alerta que fizemos aqui quanto à importância da escolha do paradigma no momento da interposição do recurso especial.

Conclusões

Como tratado acima, apesar de a Súmula Carf 164 exigir a comprovação do erro em que se fundamenta a retificação da DCTF, quando essa se der após a ciência do despacho decisório, o Carf ainda diverge com relação a quais documentos seriam suficientes para tanto.

E, em especial no que se refere à possibilidade de tal comprovação se dar por meio da DIPJ transmitida antes do despacho decisório, existe na jurisprudência do órgão ao menos três correntes: a primeira, que entende que a declaração tem natureza meramente informativa e não se presta para tanto; a segunda, que considera a DIPJ como um início de prova, a exigir uma análise aprofundada pelo Fisco da divergência entre DIPJ e DCTF original; e a terceira, que reconhece o poder probante da DIPJ, não para evidenciação do direito creditório, mas, sim, como informação prestada em obrigação acessória que o Fisco não pode ignorar ao analisar o direito do contribuinte.

Autores

  • é mestre e doutoranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), conselheira da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, advogada licenciada, contadora e professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação e extensão universitária.

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