ITBI nas integralizações de imóveis ao capital social e o alcance da imunidade
14 de maio de 2025, 9h18
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis é um tributo de competência municipal, previsto no artigo 156, inciso II, da Constituição, cuja incidência recai sobre a transmissão onerosa da propriedade de bens imóveis ou de direitos a eles relativos.

Embora o ITBI incida, em regra, sobre qualquer transmissão onerosa de propriedade imobiliária, a Constituição prevê duas exceções. O §2º, inciso I, do artigo 156 afasta a incidência do imposto nas hipóteses de transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital social, bem como nas transmissões decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Essas duas hipóteses de imunidade, no entanto, vêm sendo alvo de interpretações divergentes por parte dos municípios e dos contribuintes.
A discussão ganhou força nos últimos anos, especialmente diante do aumento da utilização de holdings patrimoniais como ferramenta de planejamento sucessório e de organização da estrutura familiar, nas quais é comum a integralização de imóveis ao capital social.
A controvérsia que envolve a aplicação da imunidade do ITBI concentra-se, sobretudo, em dois pontos que têm gerado interpretações divergentes por parte dos fiscos municipais e do Poder Judiciário.
O primeiro ponto diz respeito à natureza condicionada ou incondicionada da imunidade. Discute-se se a regra da parte final do artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição — que afasta a imunidade nos casos em que a atividade preponderante da empresa seja a compra, venda ou locação de imóveis — também se aplicaria às hipóteses de integralização direta de capital social, ou se sua aplicação estaria restrita às operações de reorganização societária, como fusão, cisão ou incorporação.
O segundo ponto envolve o alcance da imunidade reconhecida: ainda que ela seja aplicada, discute-se se deve incidir sobre todo o valor do imóvel transferido ou apenas sobre a parte efetivamente destinada à integralização do capital social. Ou seja, trata-se da discussão sobre a possibilidade de imunidade parcial nos casos em que parte do valor do bem seja aproveitada contabilmente como reserva de capital, nos termos da Lei das Sociedades por Ações.
Ambas as questões têm sido objeto de atenção dos tribunais, em especial do Supremo Tribunal Federal.
A primeira controvérsia — que trata da aplicação da regra da atividade preponderante às integralizações de capital social — ainda aguarda definição definitiva, mas teve repercussão geral reconhecida no Tema 1348, que poderá uniformizar o entendimento em todo o país.
Já a segunda, relacionada ao alcance da imunidade, foi enfrentada no julgamento do Tema 796 da Repercussão Geral. Embora já decidida, a interpretação da tese firmada tem gerado novos desdobramentos e segue no centro de disputas entre contribuintes e fiscos municipais.
Controvérsia sobre a regra condicionante da atividade: Tema 1.348 do STF
O artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição dispõe:
“Art. 156 (…)
2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de bens imóveis.”
O centro da controvérsia está na interpretação da expressão “nesses casos”. A dúvida é se a ressalva relativa à atividade preponderante se aplica somente às hipóteses de reorganização societária, mencionadas na segunda parte do dispositivo, ou se também alcança também a primeira parte, que trata da integralização de capital social.
Contribuintes sustentam que a ressalva deve ser lida de forma restrita, aplicando-se apenas às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção. Assim, nas operações de integralização direta de capital — como ocorre na constituição de holdings patrimoniais — a imunidade seria incondicionada, ainda que a atividade preponderante da empresa envolva locação, compra e venda de imóveis.
Por outro lado, os fiscos municipais defendem que a condição relativa à atividade preponderante também alcança as integralizações, autorizando a cobrança do ITBI sempre que a empresa recebedora atue no mercado imobiliário, ainda que se trate de simples subscrição de capital com bens imóveis.
Essa discussão é objeto do RE 1.495.108/SP, com repercussão geral reconhecida sob o Tema nº 1348 do STF. O julgamento deverá esclarecer, de forma definitiva, se a imunidade prevista na primeira parte do dispositivo constitucional pode ser afastada com base na atividade do adquirente.
Durante o julgamento do RE 796.376/SC, Tema nº 796 da Repercussão Geral, o STF, embora não tenha enfrentado diretamente essa questão, sinalizou entendimento favorável aos contribuintes.
No voto condutor, o relator do acórdão, ministro Alexandre de Moraes mencionou, em manifestação incidental, que a ressalva prevista na parte final do dispositivo “nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte”, indicando que a atividade econômica da empresa não interferiria na aplicação da imunidade nas integralizações de capital. Confira-se do acórdão:
“Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – “nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.
(…)
Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte.
Assim, o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital.
Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.”
O posicionamento manifestado no acórdão se mostra alinhado à tese defendida pelos contribuintes, no sentido de que a imunidade do ITBI nas operações de integralização de capital não está sujeita à condição relacionada à atividade preponderante da empresa recebedora dos bens, reforçando que a ressalva da parte final do inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição se limita às hipóteses de reorganização societária, não se aplicando às integralizações diretas.
Essa sinalização do Supremo, ainda que não tenha sido o ponto central do julgamento, confere respaldo importante às empresas que realizam a conferência de imóveis ao capital social, especialmente às holdings patrimoniais, cuja atividade muitas vezes está relacionada à administração ou locação dos bens.
O desfecho do Tema nº 1.348 terá grande impacto prático, especialmente para essas estruturas patrimoniais, frequentemente utilizadas para fins de sucessão e governança familiar. Caso o STF confirme a incondicionalidade da imunidade na integralização, essa posição trará mais segurança jurídica às famílias e empresas que utilizam esse modelo societário.
Enquanto o julgamento permanece pendente, contribuintes que enfrentam exigências de ITBI em operações de integralização direta de capital social têm respaldo para buscar a via judicial, de modo a garantir a aplicação da imunidade constitucional até que haja posicionamento definitivo da Corte.
Controvérsia sobre a imunidade parcial e a interpretação do Tema nº 796 do STF
A segunda controvérsia diz respeito ao alcance da imunidade do ITBI nas hipóteses em que ela é reconhecida. Especificamente, discute-se se a imunidade se aplica ao valor total do imóvel transferido à pessoa jurídica ou apenas à parcela efetivamente destinada à integralização do capital social.
A questão foi submetida ao STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, que resultou na fixação da seguinte tese, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 796):
“É incompatível com a Constituição Federal a cobrança de ITBI sobre a integralização de bens imóveis ao capital social de pessoa jurídica, salvo quanto ao valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
Na origem do caso, os imóveis foram incorporados ao patrimônio da empresa por um valor superior ao capital subscrito pelos sócios, sendo a diferença lançada contabilmente como reserva de capital, conforme previsão do artigo 182, §1º, da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.).
O Supremo entendeu que, nessa hipótese, somente a parcela efetivamente destinada à integralização do capital estaria abrangida pela imunidade, ficando o valor excedente – contabilizado como reserva de capital e que passou a integrar o patrimônio da pessoa jurídica – sujeito à incidência do ITBI.
O fundamento utilizado foi de que o valor excedente, então contabilizado como reserva de capital, representa um valor que, embora incorporado ao patrimônio da pessoa jurídica, não integra diretamente o capital subscrito, podendo servir a outros fins econômicos da sociedade. Por isso, entendeu-se que essa parcela não estaria protegida pela regra de imunidade prevista na Constituição.
No entanto, após a publicação da decisão, muitos municípios passaram a aplicar uma interpretação ampliada da tese fixada, exigindo o ITBI sempre que o valor atribuído ao imóvel ultrapassasse o capital social declarado — ainda que não houvesse o reconhecimento da diferença como reserva de capital.
Nesse contexto, contribuintes que integralizam imóveis pelo valor exato da subscrição — ou mesmo por valor inferior ao de mercado — têm sido cobrados com base na diferença entre o valor de referência ou de mercado do bem e o valor declarado no contrato social, mesmo que essa diferença não represente qualquer incorporação efetiva ao patrimônio da empresa.
Essa interpretação extrapola os limites da tese fixada pelo Supremo, que se restringe aos casos em que há efetiva apropriação da diferença como reserva de capital.
Em recente oportunidade, o ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática no RE 1.449.120/MS, destacou que o Tema 796 tratou exclusivamente da hipótese de valor excedente destinado à criação de reserva de capital — e não da diferença entre o valor venal do imóvel e o capital subscrito, quando não houver qualquer efeito patrimonial adicional — traçando especificamente o distinguish:
“(…) a questão dos autos trata de matéria diversa do RE-RG 796.376 (Tema 796), tendo em vista que discute a incidência, ou não, da imunidade prevista no § 2º do art. 156 da Constituição Federal sobre a diferença entre o valor venal do imóvel, atribuído pelo Fisco, e o valor declarado e integralizado ao patrimônio da pessoa jurídica para fins de subscrição do capital social.
Com efeito, a controvérsia trazida na espécie não é mesma que conduziu à tese firmada no referido paradigma, no sentido de que a imunidade do § 2º do art. 156 da Constituição da Federal não alcança a diferença entre o valor do imóvel e o do capital integralizado, uma vez que, naquele processo discutia-se o valor excedente destinado à criação de capital de reserva.”
Conforme se vê, a decisão no Tema nº 796 não autorizou a tributação com base em valores presumidos ou arbitrados, mas sim sobre parcelas que, de fato, foram incorporadas ao patrimônio da sociedade, a partir da constituição de reserva de capital, sem corresponder à integralização de capital.
A posição adotada por alguns municípios, ao exigir ITBI com base em suposta diferença entre o valor de referência do imóvel, atribuído pela própria autoridade fiscal, e o valor declarado no contrato social, ainda que sem qualquer reflexo contábil, representa um claro alargamento da tese firmada pelo STF e uma afronta ao princípio da legalidade tributária.
Diante disso, é fundamental que a aplicação da tese firmada no Tema nº 796 seja interpretada com rigor e fidelidade ao que efetivamente foi julgado. Contribuintes que estejam sendo autuados com base em interpretações ampliadas da decisão da Suprema Corte têm respaldo para buscar o reconhecimento da imunidade plena nas hipóteses em que não há incorporação de valor excedente — especialmente quando a operação se limita à subscrição do capital social pelo valor efetivamente integralizado.
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