Opinião

AGC deve deliberar sobre plano alternativo também na hipótese de cram down

Autores

3 de maio de 2025, 6h01

Uma das muitas alterações na dinâmica dos processos de recuperação de empresas realizadas pela reforma de 2020 na Lei 11.101/2005 foi a possibilidade de apresentação de plano alternativo por parte dos credores.

Reprodução

Desde o primeiro contato com a, então, novidade, a nossa impressão sempre foi a de que se tratava de medida bastante específica, cabível apenas em casos muito pontuais. De certa forma, o tempo que se passou desde a publicação da Lei 14.112/2020 confirma aquela percepção inicial, uma vez que se trata de expediente incomum no cotidiano das recuperações judiciais.

E antes de prosseguirmos vale um esclarecimento. Quando dissemos que o plano alternativo tem cabimento para casos mais específicos, não estávamos a criticar referida ferramenta. Ao contrário, pois é importante que a legislação também consiga dar resposta aos problemas mais complexos e menos corriqueiros. Portanto, não é sobre sermos ou não entusiastas do tema, mas apenas reconhecermos que, apesar de sua importância, a sua utilização é restrita.

De toda sorte, a proposta aqui não é tratar sobre o plano alternativo, suas condições, seus requisitos ou suas eventuais vantagens e desvantagens. Esse não será um texto sobre plano alternativo, mas sobre um ponto bastante específico que, aparentemente, tem passado despercebido em muitos processos. [1]

Rejeição pela assembleia do plano do devedor

A Lei 11.101/2005 prevê a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial por parte dos credores em duas situações. De acordo com o § 4º-A, do artigo 6º, o término do prazo de 180 dias de suspensão das ações “sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo”.

A outra hipótese é quando o plano de recuperação judicial do devedor é rejeitado em assembleia. Neste caso, “rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores [2]“, conforme artigo 56, § 4º, da Lei 11.101/2005.

Nem todos enxergam a hipótese prevista no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, como sendo de rejeição pelos credores do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor e colocado para deliberação assemblear. Da mesma forma em que há controvérsia na literatura a respeito da profundidade da decisão judicial prevista no citado parágrafo. Sobre isso, veja, por exemplo, a diferença no tratamento dado ao assunto por Fábio Ulhoa [3] — para quem há discricionariedade judicial na concessão da recuperação judicial com base no § 1º, do citado artigo 58 — e por Marcelo Sacramone [4], que sustenta não haver nenhuma margem de discricionariedade caso preenchidos os requisitos dos §§ 1º e 2º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005.

Spacca

Seja como for, independentemente da existência ou não de alguma discricionariedade judicial na hipótese do § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, parece-nos razoavelmente claro que, caso o juiz não conceda a recuperação judicial, deverá decretar a falência. É o que, desde a reforma de 2020, está expresso na Lei 11.101/2005, em seu artigo 58-A, que prevê que “rejeitado o plano de recuperação proposto pelo devedor ou pelos credores e não preenchidos os requisitos estabelecidos no § 1º do art. 58 desta Lei, o juiz convolará a recuperação judicial em falência.”

Dito isso, soa-nos possível afirmar que, ainda que não se reconheça que a hipótese prevista no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, seja de rejeição do plano de recuperação judicial, o fato é que, se o juiz entender que não é o caso de concessão da recuperação judicial — pela ausência dos requisitos, por exemplo —, o efeito é o mesmo dela: a convolação da recuperação judicial em falência.

Por mais que, em dezembro deste ano, complete cinco anos da reforma realizada na Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2020 [5], a situação descrita acima parece não ter sido totalmente notada, pois não é sempre que verifica que foi colocado à deliberação da assembleia de credores a possibilidade de apresentação de plano alternativo, quando, na mesma assembleia, o quórum do artigo 45 não foi alcançado, mas alcançou-se o previsto no § 1, do artigo 58, ambos da Lei 11.101/2005. [6]

Necessidade de submeter à assembleia a deliberação sobre a apresentação de plano alternativo quando alcançado o quórum para cram down

Dito isso tudo, podemos afirmar que, da mesma forma que o administrador judicial deverá submeter para a assembleia a deliberação sobre a concessão de prazo para apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, quando o plano nem sequer alcançar o quórum mínimo para cram down [7], também o deverá fazer quando ele, embora não tenha sido aprovado nos termos do artigo 45, da Lei 11.101/2005, contou com a expressiva adesão de credores prevista no § 1º, do artigo 58, também da Lei 11.101/2005.

E nem se diga que isso não é possível porque, neste caso, o plano “não foi rejeitado pela assembleia”. Primeiro, porque é bastante controversa essa posição [8], sendo muito crível crer que, não alcançado o quórum do artigo 45, o resultado é, sim, a rejeição do plano (tanto que a lei prevê um mecanismo para superação desse resultado desfavorável). Segundo, e certamente este é o argumento mais relevante, porque, como já falado acima, mesmo que se considere que o plano não tenha sido rejeitado, o efeito é o mesmo quando o juiz entender que não estão presentes os requisitos autorizadores para a concessão da recuperação judicial com base no § 1º, do artigo 58, da Lei 11.101/2005.

Caso o administrador judicial não aja assim, podemos ficar diante de duas situações, ambas igualmente deletérias. A primeira é o juiz, ao constatar que não estão presentes os requisitos autorizadores para o cram down, ao invés de decretar a falência, optar por convocar uma nova assembleia de credores, desta vez para deliberar sobre a concessão de prazo para apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores.

Aliás, se a possibilidade de apresentação de plano alternativo não tenha sido colocada para deliberação, essa é a atitude que nos parece, inclusive, ser a mais acertada. E não apenas por decorrência da preservação da empresa, mas, especialmente, porque credores — e o próprio devedor — têm direito a discutir esta possibilidade antes de eventual decreto de quebra. No entanto, embora correta dentro do contexto narrado, trata-se de uma posição que, além de retardar a marcha processual, implica em mais despesas aos envolvidos. Vai na contramão, portanto, dos princípios da eficiência, da economia e da celeridade processual.

A segunda situação indevida, decorrente da não deliberação a respeito da possibilidade de apresentação de plano pelos credores, é a desequiparação gerada em contextos que são relativamente próximos.

Prazo para apresentação de plano dos credores

Como visto, caso o plano do devedor não obtenha o quórum do artigo 45 — e nem tampouco o necessário para o cram down — o administrador judicial, na mesma assembleia, deverá colocar em votação a concessão de prazo para que os credores apresentem o seu plano.

Se partíssemos da premissa de que somente nessa situação seria válida a deliberação sobre a apresentação de plano alternativo, acabaríamos nos colocando diante de um cenário no qual, embora o plano do devedor tenha alcançado expressivo quórum, a consequência seria potencialmente mais gravosa ao devedor, pois o juiz poderia vir a entender que os requisitos para concessão da recuperação judicial por cram down não estariam presentes, o que levaria à convolação da recuperação judicial em falência.

Ou seja, diante da hipótese de baixa adesão dos credores ao plano do devedor, ainda seria facultada a possibilidade de apresentação de plano alternativo — e com isso, quem sabe, a empresa poderia sobreviver. Já diante de significativa adesão dos credores ao plano do devedor, mas não o suficiente para atingir o previsto no artigo 45, da Lei 11.101/2005, ocorreria a quebra do devedor se o juiz, por exemplo, entender que o plano implica tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou.

Não se pode admitir que em um cenário de menor adesão dos credores a consequência ao devedor seja mais branda, enquanto em um cenário de maior adesão dos credores ao plano proposto pelo devedor a consequência seja mais gravosa.

Condições para plano alternativo

As condições previstas nos incisos do § 6º, do artigo 56, da Lei 11.101/2005, para que o plano alternativo seja posto em votação, servem para corroborar com o que se está a defender no presente texto. O plano alternativo, conforme ali previsto, deve conter os requisitos do artigo 53, contar com o apoio de um número determinado de credores além de, dentre outras coisas, ser exigido como condição para que ele seja colocado para deliberação da assembleia o “não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art. 58″.

Inicialmente, o artigo 56 da Lei 11.101/2005 prevê que, rejeitado o plano, será submetida para a assembleia a deliberação sobre a apresentação de eventual plano alternativo (§ 4º). Na sequência, estabelece o quórum para aprovação de tal deliberação (§ 5º). E, por fim, estabelece as condições para que o plano alternativo seja deliberado, nos termos do § 6º, que prevê que “o plano de recuperação judicial proposto pelos credores somente será posto em votação caso satisfeitas, cumulativamente, as seguintes condições”. Fica claro, portanto, que quando o juiz vai analisar se vai ou não convocar assembleia para deliberar sobre o plano dos credores ele já descartou a possibilidade de cram down.

Contudo, não podemos nos esquecer de que, para que se ventile a possibilidade de superação do resultado desfavorável da assembleia, o quórum do § 1º do artigo 58 tem que ter sido atingido, o que ajuda a mostrar que, também neste cenário, deverá o administrador judicial colocar para votação a possibilidade de apresentação de plano dos credores. Note que o dispositivo fala em “plano proposto” e, para tanto, é preciso que, previamente, a possibilidade de apresentação de um plano por parte dos credores tenha sido colocada para deliberação em assembleia.

Esse, portanto, é o percurso que deve ser seguido:

i. Não alcançado o quórum do artigo 45 da Lei 11.101/2005, o administrador judicial deverá, na mesma assembleia, colocar para deliberação a concessão de prazo para que os credores apresentem plano alternativo.

ii. Se a proposta for rejeitada, o juiz concederá a recuperação judicial se preenchidos os requisitos para cram down; caso contrário, decretará a falência.

iii. Se a proposta de concessão de prazo para a apresentação de plano alternativo for aprovada, as possibilidades variam de acordo com adesão obtida pelo plano do devedor.

iii.a. Se nem o quórum do artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/2005, tenha sido atingido, o juiz, satisfeitas as exigências do § 6º, do artigo 56, também da Lei 11.101/2005, convocará a assembleia para deliberar sobre o plano dos credores, caso ele tenha sido apresentado no prazo de 30 dias.

iii.b. Se estiverem presentes o quórum e as demais condições para concessão da recuperação judicial por cram down, o juiz homologará o plano do devedor. Neste caso, eventual plano apresentado pelos credores não será objeto de deliberação judicial.

iii.c. Por outro lado, não alcançado o quórum e/ou não preenchidos as demais exigências para a concessão da recuperação judicial por cram down, o juiz, satisfeitas as exigências do § 6º, do artigo 56, da Lei 11.101/2005, convocará a assembleia para deliberar sobre o plano dos credores, caso ele tenha sido apresentado no prazo de 30 dias.

 


[1] Quem tiver interesse sobre plano alternativo, vale a leitura de texto publicado aqui mesmo nesta ConJur, por Manoel de Queiroz Pereira Calças e Maria Rita Rebello Pinho dias.

[2] Conforme artigo 56, § 4º, da Lei 11.101/2005.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 241.

[4] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021, p. 333.

[5] O que, de certa forma, ajuda a demonstrar o quão açodada é a nova reforma que se pretende realizar na Lei 11.101/2005 pelo Projeto de Lei 03/2024, atualmente em trâmite perante o Senado Federal. A respeito desse perfil precipitado do PL e de suas muitas inconsistências, ver texto publicado aqui mesmo na ConJur por um dos autores do presente artigo.

[6] Fica aqui o registro de que essa é uma afirmação baseada na experiência pessoal dos autores e, como toda experiência pessoal, é limitada e passível de sofrer viés.

[7] Este não é um texto cujo objeto é a análise da concessão da recuperação judicial com base no artigo 58, 1º, da Lei 11.101/2005, de modo que a expressão cram down vai ser empregada sem que se faça a sua análise crítica.

[8] Os autores divergem a respeito da abordagem da situação em questão. Há quem fale em “rejeição do plano”, outros preferem dizer que o plano “não foi aprovado” e ainda há quem sustente que se trata de uma situação de “aprovação alternativa”. “Com o exame desses artigos relacionados, deve ser feita a conferência do resultado da assembleia geral, para que se verifique se foram preenchidos de forma cumulativa, os três incisos deste § 1º ora sob exame, e, em caso positivo, o juiz pode conceder a recuperação judicial, mesmo que o plano tenha sido rejeitado pela assembleia. Configura-se aqi o chamado cram down, termo importado do direito norte americano e sem possibilidade de tradução literal” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 15ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 302, grifo nosso). “A Lei 11.101/2005 atribuiu um poder soberano à assembleia geral para aprovar o plano de recuperação (desde que o seu conteúdo seja jurídico, ou seja, que seja constitucional e legal), ou para rejeitá-lo. Se um plano não é aprovado, será declarada a falência. Ressalva-se um caso: por força do artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/2005, o juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma acima estudada […])” (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. 03, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2022, p. 157, grifo nosso). “Em razão dos princípios que regem a recuperação da empresa, especialmente os da função social e da preservação da empresa, optou-se por criar uma forma alternativa de aprovação do plano de recuperação judicial.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. 12ª ed., São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 230, grifo nosso).

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!