Extinção da punibilidade de Collor pela prescrição da pretensão punitiva
2 de maio de 2025, 17h25
A condenação imposta ao ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello, no âmbito da Ação Penal 1.025 do Supremo Tribunal Federal, suscita uma análise rigorosa acerca da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Para tanto, é necessário fixar, inicialmente, os marcos cronológicos relevantes:
– Recebimento da denúncia: 22/8/2017 [1];
– Julgamento dos embargos de declaração opostos contra o recebimento da denúncia: 6/3/2018 [2];
– Julgamento do acórdão condenatório: 31/5/2023 [3];
– Julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão condenatório: 14/11/2024 [4];
– Nascimento de Fernando Collor: 12/8/1949 (idade de 75 anos em 2024).
As penas aplicadas foram:
– Corrupção passiva: quatro anos e quatro meses de reclusão;
– Lavagem de dinheiro: quatro anos e seis meses de reclusão;
– Associação criminosa: dois anos de reclusão (prescrição reconhecida).
O prazo prescricional, conforme o artigo 109, III, do Código Penal [5], para penas superiores a quatro e não excedentes a oito anos, é de 12 anos. Contudo, pela incidência do artigo 115 do mesmo diploma legal [6] — que reduz o prazo pela metade para réus com mais de 70 anos à época da decisão final —, o prazo aplicável é de seis anos.

Considerando o lapso temporal decorrido entre o julgamento dos embargos de declaração opostos contra o recebimento da denúncia (6/3/2018) e o julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão condenatório (14/11/2024), verifica-se o transcurso de mais de seis anos, oito meses e oito dias, superior, portanto, ao prazo prescricional de seis anos.
A evolução temporal pode ser visualizada na seguinte linha do tempo:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal solidifica esse entendimento. Destaca-se:
HC 89.969, relator ministro Marco Aurélio
“PRESCRIÇÃO – IDOSO – ARTIGO 115 DO CÓDIGO PENAL E LEI Nº 10.741/03. A completude e o caráter especial da norma do artigo 115 do Código Penal excluem a observação do Estatuto do Idoso (…). Afere-se a idade do condenado, para definir-se a prescrição, na data da apreciação do mérito da ação penal. Ainda sob essa óptica, estando pendentes embargos declaratórios quando do implemento da idade, dá-se a incidência do preceito.”
AP 516 ED, relator ministro Ayres Britto, relator p/ acórdão ministro Luiz Fux*:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA (…). EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FISCAL E OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA.”
HC 197.018 AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski*:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E O JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS COM EFEITO INTEGRATIVO.”
HC 171.493 AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO. MARCO TEMPORAL DEFINIDO PELO JULGAMENTO DOS EMBARGOS COM EFEITO INTEGRATIVO.”
Ext 591, relator ministro Marco Aurélio:
“PRESCRIÇÃO – IDADE DO AGENTE – DEFINIÇÃO TEMPORAL. Enquanto a menoridade é perquirida em face da data em que cometido o crime, a idade avançada o é relativamente ao último provimento judicial. O vocábulo ‘sentença’ empregado no artigo 115 do Código Penal tem sentido amplo. Interposto recurso contra a condenação ou absolvição formalizada na primeira instância, considera-se a idade do agente na data do decreto condenatório a ser executado, presente a circunstância de que o acórdão proferido substitui a sentença atacada. EXTRADIÇÃO – PRESCRIÇÃO DA PRETENSAO EXECUTÓRIA.”
ARE 778.042 AgR, relator ministro Luiz Fux:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRESCRIÇÃO. IDADE SUPERIOR A SETENTA ANOS NA DATA DO ACORDÃO QUE CONFIRMA A SENTENÇA CONDENATÓRIA. ARTIGO 115 DO CÓDIGO PENAL. 1. A faixa etária, para efeito de prescrição, deve ser considerada enquanto persiste a relação processual penal. 2. É que, recentemente, o Tribunal Pleno, na Ação Penal n. 516, reconheceu a prescrição em razão da idade avançada tendo o réu completado 70 anos após o julgamento da demanda, mas antes do seu trânsito em julgado (…) 3. A aplicação do artigo 115 do Código Penal reclama interpretação teleológica e técnica interpretativa segundo a qual não se pode extrair de regra que visa a favorecer o cidadão razão capaz de prejudicá-lo, restringindo a extensão nela revelada. 4. Consectariamente, há de se tomar a idade do acusado, não na data do pronunciamento do Juízo, mas naquela em que o título executivo penal condenatório se torne imutável na via do recurso (Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Inquérito nº 2.584/SP, relator o Ministro Ayres Britto, sessão de 16 de junho de 2011). A extinção da punibilidade pela prescrição, tendo em conta o benefício decorrente da senilidade (70 anos) – idade completada no dia seguinte à sessão de julgamento, mas antes da publicação e da republicação do acórdão condenatório -, encontra ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que preconiza deva ser considerado o benefício, ainda na pendência de embargos: Habeas Corpus nº 89.969-2/RJ, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 05.10.2007. 5. Agravo Regimental provido para reconhecer a redução do prazo prescricional pela metade em razão da idade avançada do agravante (art. 115 do Código Penal) e declarar a extinção da pretensão punitiva do Estado, pela prescrição.”
Como reforço, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é clara:
É cabível a redução do prazo prescricional pela metade (artigo 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória. (STJ. 6ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1.877.388-CE, rel.: min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 2/5/2023 – Info 773).
HC 119.808/DF, relator ministro Jorge Mussi:
“O caráter benevolente e extensivo da norma inserta no art. 115 do CP impõe o reconhecimento da sua aplicação também em relação à data da decisão que confirma a sentença condenatória.”
REsp 823.866/SP, relatora ministra Laurita Vaz:
“O art. 115 do Código Penal deve ser interpretado de forma extensiva e abranger o acórdão que reforma parcialmente a decisão condenatória.”
HC 51.794/SP, relator ministro Paulo Gallotti:
“Esta Corte já decidiu que o art. 115 do Código Penal não deve ser interpretado de forma restrita, reduzindo-se de metade o prazo prescricional também quando o réu tiver completado setenta anos na data do acórdão que confirma a sentença que o condenou.”
Referida interpretação do art. 115 do CP está em conformidade com a inferência segundo a qual, “’como a decisão que julga os embargos de declaração passa a incorporar sentença ou acórdão esclarecido, explicado ou completado, formando com este um conjunto uniforme e incindível, é de concluir que antes do julgamento dos embargos de declaração não há uma decisão integral apta a produzir efeitos’ (BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual de recursos penais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 338)” (AgRg no HC nº 573.147/GO, 6ª Turma, Rel. min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 19/8/2022).
No mesmo sentido: STJ, AgRg no AREsp nº 2.167.515/PR, relator ministro Messod Azulay Neto, 5ª Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 12/5/2023.
Ainda, há outra formalidade exigível no Código de Processo Penal, a título de marco interruptivo da decisão condenatório, é o registro em livro lavrado pelo escrivão, nos termos do artigo 389 do CPP. E em sua falta, a jurisprudência entende que o marco interruptivo será a data do ato processual subsequente que demonstre a publicidade do decreto condenatório.
Nesse sentido está o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça:
“(…) nos casos em que há o descumprimento do art. 389 do Código de Processo Penal, considera-se publicada a sentença na data da prática do ato subsequente que, de maneira inequívoca, demonstre a publicidade do decreto condenatório” (HC nº 73.242/GO, ministro Maurício Correa, 2ª Turma, DJ 24/5/1996)
“(…) No entanto, há que ser considerada ainda a idade do agravante na data da sentença. Compulsando os autos, tem-se que o acusado nasceu em 24/01/1953. Dispõe o art. 115 do Código Penal que o prazo prescricional será reduzido da metade quando o condenado era, na data da sentença, maior de 70 anos. Com efeito, a data da sentença, à luz do art. 389 do Código de Processo Penal, deve ser considerada com a publicação da certidão lavrada pelo escrivão. Na ausência do termo, prepondera o entendimento desta Corte Superior de que seja utilizada a data do ato processual subsequente que demonstre a publicidade do decreto condenatório.” (STJ – AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2769428 – BA (2024/0389631-9) relator: ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, Publicação no DJEN/CNJ de 06/03/2025)
Erro judicial grave, excesso de execução ou desvio
Nem mesmo a decisão condenatória dada em audiência, ou mesmo o julgamento condenatório oral em sede de ações penais originárias são marcos interruptivos da prescrição. Nesse sentido: (STJ – Habeas Corpus Nº 852492 – SP (2023/0322984-0) relator: ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, Publicação no Djen/CNJ de 9/12/2024)
Registra-se ainda que publicações de acórdãos em sede de recursos especiais e extraordinários, e seus respectivos agravos e recursos derivados, como embargos de divergências, não têm para interruptivos de prescrições, e portanto, não podem ser considerados marcos interruptivos. Nesse sentido:
“(…)1. A questão trazida nos presentes autos se refere à inclusão ou não das decisões proferidas pelo STJ no conceito de “decisão confirmatória da pronúncia”, constante no art. 117, III, do CP .(…) 4 . Os recursos interpostos para o STJ não confirmam, propriamente, uma decisão de pronúncia ou mesmo uma sentença condenatória, porquanto incabível o reexame fático-probatório.(…) O STJ não pode ser considerado uma terceira instância recursal, porquanto sua missão constitucional é a uniformização da jurisprudência infraconstitucional, por meio da interpretação e correta aplicação dos textos legais, e não pela aferição da justiça da avaliação dos fatos realizada pela Corte local.” (STJ – HC: 826.977 SP 2023/0183228-0, relator.: ministro Ribeiro Dantas, data de julgamento: 5/12/2023, T5 – 5ª Turma, data de publicação: DJe 19/12/2023)
Assim, à luz da legislação penal e da jurisprudência consolidada do STF e do STJ, é inafastável o reconhecimento da “extinção da punibilidade” de Fernando Collor, com o consequente “anulamento da condenação penal” proferida no âmbito da Ação Penal 1.025, por força da *prescrição da pretensão punitiva*.
Por fim, em caso similar, o STJ já suspendeu a execução provisória da pena em regime fechado, em sede de ação penal originária, para penas tecnicamente prescritas, contudo, pendentes de decisão declaratórias de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, que redundaria em extinção da punibilidade. Nesse sentido:
“(…) Como visto, da decisão da relatora – a qual foi reformada no órgão colegiado –, estão presentes os elementos autorizadores da tutela de urgência (fumus boni iuris e periculum in mora), pois a probabilidade de manutenção da pena do paciente no âmbito do recurso especial aviado pelo Parquet, e consequentemente a diminuição da reprimenda total com a substituição por restritiva de direitos, em decorrência da prescrição de diversos fatos praticados em continuidade delitiva, é muito provável. Diante do exposto, reconsidero a decisão de fls. 715/716 para deferir a liminar com a revogação da decisão de expedição de guia de execução provisória até o julgamento do presente writ.” (Habeas Corpus nº 425.947 – RJ – 2017/0302841-2 – relator: ministro Joel Ilan Paciornik, disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico/STJ em 20/6/2018 e publicada: 21 de junho de 2018)
Em conclusão, a execução provisória da pena, sem as devidas observâncias legais prévias, constitui erro judicial grave, excesso de execução ou desvio, conforme artigo 185 da LEP.
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