Da ampliação de medidas em favor da vítima de violência doméstica
2 de maio de 2025, 6h08
No último dia 25 de abril, duas leis que guardam relação direta com a Lei Maria da Penha foram publicadas. São elas as Leis 15.125/2025 e 15.123/2025.

Em suma, a Lei nº 15.125/2025 acresce o §5º no artigo 22 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) no que tange à possibilidade de o magistrado, diante do caso concreto e de perigo à vida da ofendida, decretar seja o agressor submetido a utilização de tornozeleira eletrônica, enquanto a Lei nº 15.123/2025, trouxe uma causa de aumento ao artigo 147-B do Código Penal, quando o dano emocional causado à mulher “é cometido mediante a utilização de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima”.
Uma pequena e humilde reflexão inicial sobre a novatio legis nº 15.123/2025 (causa de aumento para o dano emocional causado à mulher por meio de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima).
Vejamos o citado artigo ipsis litteris:
“Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido mediante uso de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima. (Incluído pela Lei nº 15.123, de 2025)”
Inegável que a violência perpetrada contra a mulher deve ser rechaçada e condenada veementemente por todos, sendo necessário que tanto as leis ordinárias quanto às extravagantes sejam diuturnamente modeladas para se adequarem ao novo mundo que a cada dia é inaugurado.
Há quem diga que estamos na fase pré-histórica da inteligência artificial, e que ainda haverá muitas outras coisas (utilidades) para se criar, sendo que muitas delas, hoje, estão fora do nosso compreender, pois consideramos ser impossível sua existência (por exemplo, um portal, casa flutuante, carro voador etc.).
Brincadeiras a parte, fato é que se puxarmos na memória cinco anos para trás, jamais imaginaríamos que a IA estaria tão presente nos dias de hoje. Dentre tantas inteligências artificiais existentes, podemos citar apenas três que hoje estão presentes em nossas vidas pessoais, e que pouquíssimas pessoas os desconhecem, são eles: o ChatGPT, o DeepSeek e o Gemini.

Para esses programas (e seus congêneres), o céu é o limite. Aliás, há algum limite para as IAs? Tenho minhas humildes dúvidas.
Posso, por meio delas, criar uma imagem — minha — em um dos lugares mais lindos da terra sem saber que ele existia, ou até mesmo na lua, sendo que jamais serei um astronauta, posso ter um currículo do mais alto garbo, sem saber interpretar uma frase, posso criar o inimaginável e deixá-lo ser possível, mas não verdadeiro.
Mas o que isso está relacionado com o acréscimo do parágrafo único do artigo 147-B do Código Penal?
Adianto que tudo.
A criação desse tipo penal é importante para dar autonomia ao dano psicológico, especialmente no contexto de relacionamentos abusivos, cyberviolência e violência doméstica.
Não é incomum um relacionamento ruir, e aquele que um dia esteve apaixonado, sentir repulsa pela pessoa que um dia amou.
O problema é quando essa repulsa, utilizemos essa palavra em larga escala, faz com que a vida da outra pessoa — mulher — seja alterada em tamanha proporção que se deve ter interferência de terceiros, no caso, do Estado.
Em diversos casos, vê-se que a separação inverte os polos sentimentais do parceiro que visualizando que a parceira não mais tem interesse, acaba maculando sua imagem na internet, atualmente, a maior difusora de informações que se tem — muito pelo anonimato que se pode ter.
Também não é incomum que a identidade de reconhecimento de determinada mulher (imagem e voz) seja utilizada de forma indevida e fraudulenta por terceiro visando prejudicá-la em sua família, trabalho etc.
Quem nunca soube de alguma famosa que teve seu rosto veiculado em determinado site adulto de forma indevida?
A IA, nos dias de hoje, está tão bem municiada de aparatos tecnológicos, que permite que pessoas falem o que não falaram e façam o que nunca fizeram. Lembro-me de que, até pouco tempo, a voz do jogador Neymar era vinculada ao jogo do tigrinho, sem que ele próprio soubesse.
Chantagem, desistência e tornozeleira
Imaginemos uma mulher, mãe de dois filhos, trabalhadora, e que em determinado momento da sua vida decida encerrar o relacionamento conturbado de 25 anos mantido com o marido, pois já saturada com as atitudes dele que não mais a agradavam.
O marido, não aceitando a separação, cria fantasiosamente um vídeo utilizando a imagem e voz de sua ex-esposa — cujo teor é de difícil constatação —, se relacionando sexualmente com diversos outros homens, sob pretexto de que, acaso a separação se concretize, será o arquivo remetido para a família, amigos e aos próprios filhos, no claro intuito de demonstrar que ela, na verdade, se trata de uma mulher depravada e que com a sua conduta — que nunca existiu — teria ceifado o âmbito familiar.
Veja que a conduta errante do marido fictício se amolda perfeitamente ao que prevê o parágrafo único do artigo 147-B do Código Penal, pois quis ele causar tamanho abalo emocional em sua ex-companheira, por meio da chantagem, da ameaça e da manipulação, para que ela, mesmo descontente, desistisse de deixá-lo.
Em outras palavras, ela se sentirá obrigada a permanecer em um relacionamento abusivo para preservar todos os outros que a cercam.
Acaso isso seja constatado, seja na fase investigativa quanto na fase instrutória, rigor se faz pelo reconhecimento de tal causa de aumento quando da prolação da sentença pelo magistrado que julgar a causa.
Em relação ao teor da Lei nº 15.125/2025, que acresce o §5º no artigo 22 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), no que tange à possibilidade de o magistrado, diante do caso concreto e de perigo à vida da ofendida, decretar seja o agressor submetido a utilização de tornozeleira eletrônica, vale frisar que se trata de mais uma possibilidade de resguardar a integridade da vítima por mecanismos de cautela.
Vejamos a literalidade do mencionado artigo:
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
[…]
§5º Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoração eletrônica, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação. (Incluído pela Lei nº 15.125, de 2025)”
Entendo que a tornozeleira eletrônica se enquadra em um caso concreto mais específico no qual se tentou alguma das condições anteriores, as quais não se mostraram eficazes, ou naquela em que a violência, ainda que primária, se revestiu de extrema violência contra o ofendido(a).
Não discorrendo a fundo sobre o tema, mas importante lembrarmos que as medidas previstas no artigo 22 da Lei nº 11.340/06, a teor do que foi decidido através do Mandado de Injunção (MI) 7.452, decidiu-se que tais medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) poderão se aplicar a casais homoafetivos masculinos e mulheres trans/travestis.
A tornozeleira será bem quista nos casos em que houver o reconhecimento de risco de descumprimento da medida protetiva de aproximação indevida da vítima, da tentativa de contato (ligação, mensagem, redes sociais etc.), da perseguição ou vigilância indesejada, se existirem antecedentes de descumprimento de medidas protetivas, reincidência em atos de ameaça, lesão, invasão de domicílio etc., se a gravidade da conduta exigir reforço na fiscalização, como em casos de violência grave (ameaça de morte, uso de arma de fogo, cárcere privado etc.), histórico de violência reiterada, rompimento de vínculos familiares recentes com risco de retaliação, e também para evitar a revitimização da vítima.
Ou seja, em miúdos, deve o magistrado observar os princípios da prevenção, proporcionalidade e proteção integral da vítima para ponderar sobre a utilização da tornozeleira eletrônica por parte do pretenso agressor.
Entretanto, naqueles casos em que se verifica que a vítima possui a necessidade de uma proteção maior, analisada toda a periculosidade do agressor, o uso de tornozeleira se mostra eficaz, pois a vítima poderá se munir de precauções complementares acaso o agressor esteja próximo dela.
A vítima saberá de antemão o local onde o agressor está, se próximo ou não dela, e assim elaborar uma estratégia para se proteger.
Isso porque, como a lei menciona, a vítima terá um aparato dispositivo de segurança que a alertará em eventual aproximação indevida do agressor.
Penso que todas as medidas que favorecerem à segurança da mulher em situação de vulnerabilidade e, indiretamente, daqueles ao seu entorno são bem-vindas, pois a resolução por meio força — ainda que indevida — ultrapassou e muito a aquelas que se resolviam numa simples conversa (civilizada).
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