Opinião

Tutela provisória cumprida e manutenção do interesse processual

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  • é pós-doutor doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) professor do Centro Universitário do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP/DF) procurador do estado do Pará e advogado.

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3 de janeiro de 2025, 9h18

Este ensaio tem por objetivo tratar de situações jurídicas muito comuns envolvendo o instituto da tutela provisória e a sua relação com o mérito da demanda ou do agravo de instrumento.

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As questões a serem enfrentas são as seguintes: a decisão definitiva gera a perda superveniente de interesse recursal em relação ao agravo de instrumento interposto em face da tutela provisória e ainda não apreciado? O cumprimento da tutela provisória ocasiona a extinção do processo por falta de interesse processual? Em verdade, há a necessidade de cuidadosa análise do teor do que foi objeto de tutela provisória e aquele que foi enfrentado na decisão final.

Vale registrar que a tutela provisória é tratada, de forma genérica, entre os artigos 294 e 311, do CPC/15 e possui citações em diversos outros dispositivos processuais, dentre os quais: artigos 9º, §único, I; 69, §2º, III; 519; 537; 555, §único, II; 919, §1º; 932, II; 937, VIII; 969; 1012, V; 1013, §5º; 1015, I e 1059.

A primeira indagação (manutenção ou não do interesse recursal) foi objeto de apreciação pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no EAREsp 488.188 [1]. Em outros julgados, a Corte vem reafirmando que é necessária a análise do que foi efetivamente decidido para se concluir se houve ou não a perda de interesse recursal, como consta nas seguintes passagens:

“Em razão da pluralidade de conteúdo que pode assumir a decisão interlocutória impugnada pelo agravo de instrumento, é necessário analisar casuisticamente se a superveniência de sentença de mérito ocasiona ou não a perda do objeto do agravo de instrumento, o que ocorre mediante o cotejo da pretensão contida no agravo com o conteúdo da sentença de mérito prolatada. Precedente da Corte Especial nos EAREsp n. 488.188/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 7/10/2015, DJe de 19/11/2015”. AgInt no AREsp 1318894 / DF – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – J. 30/09/2024 – DJe 03/10/2024.

“O Superior Tribunal de Justiça tem assegurado tratamento individualizado no que se refere à questão de eventual prejudicialidade de agravo de instrumento quando sobrevém prolação da sentença, diante da vasta possibilidade do conteúdo decisório envolvido (EAREsp 488.188/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/10/2015, DJe 19/11/2015)”. AgInt no AgInt no AREsp 653774 / DF – 1ª Turma/STJ – Rel. Min. Gurgel de Faria – J. 14/06/2022 – DJe 30/06/2022.

Em decisão recente, a 1ª Turma do apontou a inexistência de perda de objeto do Agravo de Instrumento, sob o fundamento de que a matéria nele suscitada não se exauriu com a prolatação da sentença. Vale citar trecho do Acórdão:

“Esta Corte Superior tem o entendimento consolidado de que, em regra, a prolação de sentença de mérito, mediante cognição exauriente, enseja a superveniente perda de objeto do agravo de instrumento, porque a matéria que antes teria sido examinada apenas em caráter provisório é substituída por decisão de cunho definitivo.

O presente caso, todavia, é hipótese de exceção a essa regra, visto que o objeto da matéria suscitada no agravo de instrumento não se exauriu automaticamente com a prolação da sentença. A pretendida suspensão da exigibilidade do crédito tributário postulada com amparo no direito à realização do depósito integral dos créditos surgidos no curso da demanda mandamental, previsto no art. 151, II, do CTN, guarda utilidade até o trânsito em julgado do último provimento judicial, pois, segundo o disposto no art. 32, § 2º, da LEF, somente depois desse momento é que os depósitos realizados (ou a serem realizados) serão destinados ao vencedor da demanda”. AgInt no REsp 2093657 / AC – 1ª T/STJ – Rel. Min. Gurgel de Faria – J. 20/05/2024 – DJe 27/05/2024 – RBDTFP vol. 104 p. 178”.

Como se pode observar, em caso de cumprimento da tutela provisória recorrida, deve ser apreciado o mérito do Agravo de Instrumento, sendo incabível falar em perda de objeto de forma automática, inclusive como forma de verificar se a parte beneficiada tem razão quanto ao mérito da demanda, além da apreciação de eventual responsabilidade prevista no art. 302, do CPC/15.

Aliás, além do Agravo de Instrumento, deve ser apreciado o próprio mérito da demanda para verificar se o beneficiado tinha ou não razão quanto à provocação da tutela jurisdicional.

Dito de outra forma: o cumprimento da tutela provisória não gera a extinção do processo sem resolução de mérito. Deve ser apreciado o mérito da demanda com a eventual formação de título executivo invertido em caso de improcedência, à luz do artigo 302, I e parágrafo único c/c 515, I, do CPC.

Em outro texto, tive a oportunidade de mencionar que:

“caso o autor obtenha a seu favor uma tutela provisória (artigo 302, do CPC/2015), há, em verdade, uma antecipação provisória de uma situação ligada ao futuro bem jurídico, que poderá ou não ser confirmado. Nesses casos, é possível a formação de título jurídico invertido quando a confirmação não ocorrer, com a possibilidade de liquidação e indenização dos danos causados ao réu no mesmo processo.” [2]

O próprio STJ também tem precedentes afirmando que, com o cumprimento da tutela provisória, é necessária a apreciação do mérito da demanda, visando a confirmação se o beneficiado fazia jus à medida. Vale transcrever passagem da Ementa do Acórdão do AgInt no AREsp 2146442/ AP – 2ª T/STJ – Rel. Min. Francisco Falcão – J. 27/03/2023 – DJe 31/03/2023, onde consta a indicação de vários outros julgados da Corte da Cidadania sobre o tema:

III – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que “o simples fato do cumprimento da ordem em antecipação de tutela, não implica a perda do objeto da demanda ou a falta de interesse processual, sendo necessário o julgamento do mérito da causa, para definir se a parte beneficiada, de fato, fazia jus a tal pretensão” (STJ, REsp 1.645.812/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19/4/2017). Nesse mesmo sentido, confiram-se: (AgInt no AREsp n. 1.650.286/ES, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 12/9/2022, DJe de 16/9/2022 e STJ, AgInt no AREsp 1.065.109/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 23/10/2017 e AgInt no AREsp n. 1.194.286/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 27/4/2018.)”

No caso concreto, será necessário o julgamento do mérito da demanda, inclusive em razão da necessidade de verificar se há obrigação de indenização o dano causado pela tutela provisória em caso de não confirmação, com a inversão dos polos da relação processual, nos exatos termos dos arts. 302 e 515, I, do CPC. A 3ª Turma do STJ, citando precedente da 2ª Seção da Corte, consagra que:

“Nos termos da jurisprudência vigente no Superior Tribunal de Justiça, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada (REsp 1.548.749/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 13/4/2016, DJe 6/6/2016)”. Agint no AREsp 2.392.691-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. 27/05/2024 – DJe 29/05/2024.

Portanto, é mister afirmar que não necessariamente deve ser decretada a perda de interesse recursal (perda de objeto) do Agravo de Instrumento interposto contra a tutela provisória em caso de prolatação posterior da sentença de mérito, da mesma forma que a posterior sentença deve apreciar o mérito, constituindo título executivo e geral o cumprimento de sentença, com a permanência ou a inversão dos polos da relação processual (artigo 515, I, do CPC).

Logo, o caso concreto pode gerar, por exemplo, o improvimento do recurso, ou o seu provimento; bem como a procedência ou a improcedência do pedido (com a confirmação ou não da tutela provisória), o que ensejará, inclusive, a análise quanto a eventual existência de responsabilidade pelos danos decorrentes e a formação de título executivo invertido (artigo 302, do CPC) [3].

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[1] Vale transcrever o item 4 da Ementa: “4. Ademais, na específica hipótese de deferimento ou indeferimento da antecipação de tutela, a prolatação de sentença meritória implica a perda de objeto do agravo de instrumento por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que:  a) a sentença de procedência do pedido – que substitui a decisão deferitória da tutela de urgência – torna-se plenamente eficaz ante o recebimento da apelação tão somente no efeito devolutivo, permitindo desde logo a execução provisória do julgado (art.  520, VII, do Código de Processo Civil); b) a sentença de improcedência do pedido tem o condão de revogar a decisão concessiva da antecipação, ante a existência de evidente antinomia entre elas” (EAREsp 488188 / SP – Rel. Min. Juiz Felipe Salomão – Corte Especial – J. em 07/10/2015 – DJe 19/11/2015).

[2] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os títulos judiciais invertidos na sistemática do CPC/15. Processo de  execução e cumprimento de sentença – temais atuais e controvertidos. Vol. 1, 2ª Edição. Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 338.

[3] Em texto específico, enfrentei a responsabilidade objetiva em caso de provimento do agravo de instrumento interposto em face de tutela provisória. Ver ARAÚJO, José Henrique Mouta. A revogação da tutela de urgência e a responsabilidade do beneficiário. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/351247/a-revogacao-da-tutela-de-urgencia-e-a-responsabilidade-do-beneficiario. Acesso em 30/12/2024, às 10h.

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