A Lei de Liberdade Econômica e a cobrança de taxa por atos públicos
30 de abril de 2025, 17h17
Há um impasse após a entrada em vigor da Lei de Liberdade Econômica, a Lei Federal 13.874/2019. Essa lei tem a finalidade de estabelecer
“normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal”.
A lei explicitamente cita quatro princípios que devem nortear suas disposições:
“I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o poder público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.”
E qual é o impasse? O impasse consiste no fato de que ao buscar desburocratizar a vida do particular, a lei impacta uma fonte de renda do ente público por meio da cobrança de taxas. Isso ocorre pelo fato de que os entes federados cobram taxas para emissão de documentos ligados a exploração de vários tipos de atividades econômicas, seja em seu início, seja em sua continuidade.
O artigo 145 da Constituição determina que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Primeiramente, nos atenhamos ao poder de polícia.

Em complemento à constituição, o Código Tributário Nacional (CTN) preceitua que considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (artigo 78).
A Constituição estabelece as taxas como um dos tributos que podem ser cobrados pelos entes federados e determina que uma das causas para essa cobrança é o poder de polícia. O CTN, por sua vez, detalha que o poder de polícia limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público.
Em outras palavras, o poder de polícia só é causa que enseja a incidência da cobrança de taxa quando demonstrado o interesse público na regulação, disciplina ou limitação de atividade econômica que, nos termos da lei, depende de concessão ou autorização para sua realização.
Liberdade econômica e baixo risco
E se a lei liberasse o potencial contribuinte da dependência de concessão ou autorização do poder público para o início ou continuidade de sua atividade econômica? Logo, o ente federado não poderia exigir o pagamento de taxa da pessoa física ou jurídica que exercesse tal atividade. Ao menos não sob o fundamento do exercício do poder de polícia.
Isso foi feito por meio da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) que em seu artigo 3º dispõe:
“Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
I – Desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica” (grifo do articulista).
Percebe-se que a lei estabelece que quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica devem ser dispensados quando se trata do desenvolvimento de atividade econômica de baixo risco.
Recapitulando o raciocínio: a Constituição autoriza os entes federados à cobrança de taxas e estabelece como uma das condições o exercício do poder de polícia. O CTN, detalhando o que vem a ser poder de polícia, estabelece que este só se concretiza com relação às atividades econômicas caso elas dependam de autorização ou concessão do poder público.
O que a Lei de Liberdade Econômica fez se resume no ato de retirar essa dependência de autorização ou concessão para determinados tipos de atividades consideradas como de baixo risco.
O parágrafo 6º do artigo 1º da lei especifica que:
“para fins do disposto nesta Lei, consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros” (grifo do articulista).
E quem determina que atividades são essas? A própria lei determina, no artigo 3º, §1º, que:
Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo:
“I – ato do Poder Executivo federal disporá sobre a classificação de atividades de baixo risco a ser observada na ausência de legislação estadual, distrital ou municipal específica;
II – na hipótese de ausência de ato do Poder Executivo federal de que trata o inciso I deste parágrafo, será aplicada resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), independentemente da aderência do ente federativo à Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim); e
[…]”
As atividades consideradas de baixo risco, conforme o disposto na lei, são determinados pela Resolução 51 de 2019, do CGSIM. O inciso I, do artigo 2º da resolução define atividades de baixo risco como:
“I – nível de risco I – baixo risco, “baixo risco A”, risco leve, irrelevante ou inexistente: a classificação de atividades para os fins do art. 3º, § 1º, inciso II, da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, cujo efeito específico e exclusivo é dispensar a necessidade de todos os atos públicos de liberação da atividade econômica para plena e contínua operação e funcionamento do estabelecimento” (grifo do articulista).
Entre as atividades previstas no Anexo I da resolução — atividades de baixo risco — temos como exemplo a atividade de Serviços Advocatícios, cujo Cnae é 6911-7/01.
Depreende-se do exame do ordenamento, que o legislador retirou do fisco o arcabouço necessário para a caracterização do exercício do poder de polícia, capaz de gerar a obrigação de pagamento do particular para a obtenção de documentos que o habilitem a iniciar ou continuar suas atividades econômicas, desde que suas atividades sejam de baixo risco, conforme determinado no texto legal.
Alvará
Como a advocacia é atividade de baixo risco, não é devido pelos que a exercem como pessoa natural ou jurídica qualquer taxa de alvará, licenciamento ou qualquer outra a título de exercício do poder de polícia. Pois o que a legislação federal, de aplicação em todo o território nacional ocasionou, foi um esvaziamento do amparo que os entes federados tinham para cobrar taxas de tal espécie.
O município, por exemplo, poderia argumentar que a referida lei traz em seu artigo 1º, § 3º, o seguinte:
“§ 3º O disposto neste Capítulo e nos Capítulos II e III desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 3º desta Lei.”
No entanto, não existem palavras vazias na lei. Se o legislador prevê que não se necessita alvará para o início ou continuação de uma atividade econômica, sendo sabido que todos os municípios do país (ou a grande maioria) cobra do particular uma taxa referente ao alvará, e, o mesmo legislador estabelece a não aplicação de parte da lei ao Direito Tributário, é razoável entender que a não necessidade de alvará ou dos demais atos públicos previstos no artigo 1º, § 6º é a exceção à regra prevista no § 3º, citado acima.
Ainda que não fosse assim, é inimaginável a cobrança de uma taxa por um ato público que a lei dispensou, em determinadas circunstâncias. Vejamos um exemplo: o fisco de um município cobra taxa para emissão de alvará de um particular que exerce atividade de baixo risco, porém, a emissão do alvará é dispensada por força de lei federal. Se inexiste a necessidade de alvará, o município cobrará pelo que? Percebe-se que a contraprestação não existe, pois o serviço que seria prestado pelo município não é mais obrigatório.
Deve ser lembrado que o artigo 145 da Constituição estabelece que uma das razões para a cobrança de taxas é pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Ademais, o CTN em seu artigo 79 estabelece que:
“Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I – Utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;”
A Lei de Liberdade Econômica minou a compulsoriedade necessária para a cobrança de taxas em contraprestação pelos atos públicos previstos em seu artigo 1º, §6º, além de dispensar os potenciais contribuintes de sua utilização.
Destarte podemos chegar à conclusão de que não cabe a cobrança de taxa por qualquer ente federativo (União, estados, municípios e Distrito Federal) de pessoa natural ou jurídica que exerça atividade econômica de baixo risco, em decorrência dos atos públicos previstos na Lei de Liberdade Econômica, seja sob a justificativa de exercício do poder de polícia, seja sob a justificativa de utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
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