Opinião

Como prorrogar contratos decorrentes de dispensa em razão do valor no regime da Lei 13.303?

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16 de abril de 2025, 18h27

Em seu artigo 75, I e II, a Lei nº 14.133/2021 dispensa a licitação para: (1) a contratação que envolva valores inferiores a R$ 100 mil (no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores) e (2) a contratação que envolva valores inferiores a R$ 50 mil (no caso de outros serviços e compras).

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Mais adiante, o artigo 75, §1º, I da Lei de Licitações estabelece que, para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do caput, deverão ser observados o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora.

De modo prático, o limite de R$ 50 mil (artigo 75, II), por exemplo, é apurado para cada ano de contrato, de forma que, numa eventual prorrogação contratual, exsurgirá um novo limite de R$ 50 mil.

Nesse sentido, veja-se o Parecer nº 16.701/2024 [1] [2] da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais:

Para aferição dos valores limites para realização de dispensa de licitação por valor, prevista nos incisos I e II do art. 75 da Lei Federal nº 14.133/2021, deve-se considerar o valor despendido dentro de cada exercício financeiro, independentemente de a vigência original do contrato ser plurianual ou de haver previsão de prorrogação contratual, desde observados, em cada exercício financeiro, os limites estabelecidos nos referidos inciso”.

Mas, e no caso das estatais regidas pela Lei nº 13.303/2016?

Inexistindo na Lei nº 13.303/2016 um dispositivo idêntico ou mesmo símile ao artigo 75, §1º, I da lei de 2021, e sendo inaplicável às licitações e contratos das estatais (artigo 1º, § 1º da Lei nº 14.133), como se dá a prorrogação de contratos decorrentes de dispensa em razão do valor nas empresas estatais?

O artigo 75, §1º, I

Ao apreciar a questão da prorrogação de contratos decorrentes de dispensa em razão do valor, o já mencionado Parecer nº 16.701/2024 da Advocacia Geral de Minas Gerais bem esclarece que existem 3 correntes de pensamento.

A primeira corrente (defendida por Joel de Menezes Niebuhr [3]) mantém para a Lei 14.133/2021, a mesma visão que prevalecia na vigência da Lei nº 8.666/1993, qual seja: a de que os contratos oriundos de dispensa por valor somente poderiam ser prorrogados se a soma dos valores de cada período não ultrapassasse o valor teto vigente.

A segunda corrente (acolhida no Enunciado 50 [4] do Conselho de Justiça Federal aprovado no 2º Simpósio sobre Licitações e Contratos da Justiça Federal e na Nota nº 7/2024/Decor/CGU/AGU [5]) entende que o valor limite para fins de apuração de fracionamento da despesa deve ser considerado por exercício financeiro, de modo que uma contratação com prazo de vigência superior a 12 meses ou com vigência plurianual pode ter valor acima dos limites estabelecidos nos incisos I e II do artigo 75 da Lei 14.133, desde que sejam respeitados os limites por cada exercício financeiro.

A terceira corrente, que tem como difusor o professor Ronny Charles [6], adota entendimento intermediário no sentido de que o valor limite para fins de apuração do valor dos contratos oriundos de dispensa de licitação por valor não pode considerar o total das vigências originais plurianuais que ultrapassem o valor dos incisos I e II do artigo 75 da Lei 14.133, sendo, contudo, viável observar o valor limite despendido por ano nos casos de prorrogação dos contratos por mais de um exercício financeiro.

E como pode se dar a prorrogação de contratos decorrentes de dispensa em razão do valor nas empresas estatais?

Inexistindo, como já dito, na Lei nº 13.303/2016 um dispositivo idêntico ou mesmo símile ao artigo 75, §1º, I da nova Lei de Licitações e, também como já dito, sendo ela inaplicável às licitações e contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista, duas são as possibilidades.

A primeira é adotar o entendimento vigente à época da Lei nº 8.666/1993 (vez que, a exemplo do Estatuto das Estatais, o antigo marco legal das licitações e contratações públicas não possui um dispositivo similar ao artigo 75, §1º, I da lei de 2021).

E qual era o entendimento vigente à época da Lei nº 8.666/1993? Bom, conforme pontua a doutrina, tanto o TCU quanto a AGU aduziam que “as dispensas em razão do valor deveriam ser analisadas levando em conta o valor global do contrato já com as possíveis prorrogações” [7].

Assim, por exemplo, o limite de R$ 50 mil (artigo 29, II da Lei nº13.303/2016) é apurado durante toda a duração do contrato, de modo que, numa eventual prorrogação contratual, a vigência anterior abaterá do limite de R$ 50 mil.

A segunda possibilidade é a de alterar o regulamento interno de licitações e contratos da estatal para incluir em sua redação um dispositivo idêntico ou símile ao artigo 75, §1º, I da NLGLC.

Como exemplos de Rilcs de estatais que possuem dispositivo idêntico ou símile ao artigo 75, §1º, I temos o da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), artigo 34, §1º, I, o do Banco de Brasília S.A. (BRB), artigo 22, §1º, I, o da Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), artigo 70, §1º, I, e o do Serpro, artigo 52, §3º, I.

Ora, considerando o regime mais flexível que pauta as empresas públicas e sociedades de economia mista, faz sentido que um órgão ou entidade submisso ao regime jurídico mais rígido da Lei nº 14.133/2021 possa, num contrato de 5 anos prorrogar contratos decorrentes de dispensa em razão do valor até o limite de R$ 250 mil (R$ 50 mil por ano) ao passo que uma estatal, só possa, num contrato de cinco anos prorrogar contratos decorrentes de dispensa em razão do valor até o limite de R$ 50 mil?

Defender que os contratos das estatais, quando oriundos de dispensa por valor, somente podem ser prorrogados se a soma dos valores de cada período não ultrapasse o valor teto vigente é militar que entidades que por vezes competem com empresas privadas no mercado sejam tratadas com mais rigor que órgãos e entidades voltados única e exclusivamente para a prestação de serviços públicos e/ou o desempenho da função administrativa (executiva).

Assim, é deveras recomendável que as estatais alterem seus regulamentos internos de licitações e contratos (Rilcs) para incluírem em sua redação dispositivo idêntico ou símile ao artigo 75, §1º, I da nova Lei de Licitações.

 


[1] Disponível em https://advocaciageral.mg.gov.br/wp-content/uploads/2024/08/Parecer-Juridico-16.701.pdf. Acesso em 31/03/2025.

[2] Na ocasião, foram submetidas à Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais os seguintes questionamentos: i) Para aferição dos valores limites para realização de dispensa de licitação, nos termos dos incisos I e II do art. 75 da Lei Federal nº 14.133/2021, deve-se considerar toda vigência do contrato, inclusive nas hipóteses de contratações plurianuais, e eventuais prorrogações previsíveis? ii) No caso de dispensa por valor, o valor total acumulado da contratação pretendida, considerando vigências plurianuais ou prorrogações, pode ultrapassar o limite dos incisos I e II do art. 75 da Lei Federal nº 14.133/2021, desde que o valor de cada exercício se restrinja aos limites legais?

[3] “o limite de valor é ‘para contratação que envolve valores inferiores a (…)” R$100.000,00 e R$50.000,00, respectivamente, conforme os incisos I e II do art. 75. Ou seja, o parâmetro é a contratação na sua totalidade. E o ponto é que as prorrogações podem ser previstas já desde o início dos contratos, não decorrem de eventos imprevisíveis. Tanto isso é verdade que o artigo 107 da Lei n. 14.133/2021 exige que o edital preveja a possibilidade de prorrogação. Logo, o valor total do contrato para efeito de enquadramento nos incisos I e II do artigo 75 deve ser calculado diante de todas as prorrogações possíveis e previsíveis.” (Niebhur, Joel de Menezes, Licitação pública e contrato administrativo, 5ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, págs. 266/267).

[4] “Nas contratações de serviços e fornecimentos contínuos por dispensa de licitação em função do valor, de acordo com o art. 75, incisos I e II, da Lei n. 14.133/2021, o valor limite para fins de apuração de fracionamento da despesa deve ser considerado por exercício financeiro, de modo que uma contratação com prazo de vigência superior a 12 meses pode ter valor acima dos limites estabelecidos nos referidos incisos, desde que sejam respeitados os limites por exercício financeiro.”

[5] “É fundamental perceber que a Orientação Normativa AGU nº 10/2009 foi editada sob a égide da Lei nº 8.666/93, que não continha disposição semelhante ao art. 75, §1, da Lei nº 14.133/2021, e deu margem a uma construção doutrinária e jurisprudencial sobre os parâmetros norteados dos valores das dispensas nos casos de contratos vigentes por mais de um exercício financeiro (…) diferentemente da Lei nº 8.666/93, que nada dizia a respeito da forma de apuração dos valores das dispensas nos casos em que a duração dos contratos ultrapassava um exercício financeiro, a Lei nº14.133/21 é taxativa e não pode ser afastada. Não há como a construção doutrinária e jurisprudencial pretérita obstar a aplicação do comando legal vigente”.

[6] “Por fim, é necessário registrar que os incisos I e II do artigo 75 limitam o uso da dispensa a determinados valores para a contratação. Deve-se salientar que o dispositivo não traz consigo a anualidade como referência. O texto legal, nos dois incisos, é claro ao definir a dispensa “para contratação que envolva valores inferiores” aos ali estabelecidos. Em suma, a anualidade é um elemento dado pelo legislador para a identificação do fracionamento ilícito, não para o uso desta dispensa. Nessa linha, em uma interpretação conservadora ou restritiva, o que se faz pertinente por ser a dispensa uma exceção à constitucional obrigatoriedade de licitar, embora a aferição do fracionamento ilícito leve em conta a anuidade, não parece que o legislador tenha admitido o uso desta dispensa (de pequeno valor) para firmar desde já contratos com vigência plurianual e valor superior ao limite por ele estabelecido. Na hipótese de contratações de fornecimentos contínuos ou serviços contínuos, os contratos devem ser firmados respeitando-se o limite da dispensa de pequeno valor, sendo possível a ulterior prorrogação, caso respeitados os requisitos legais para este ato. Assim, por exemplo, uma compra que envolva fornecimento contínuo, cuja pretensão contratual para o planejamento anual seja de R$ 50.000,00, não permite uma contratação por dispensa de pequeno valor com prazo inicial estabelecido de 05 anos e valor total desde já firmado em R$ 250.000,00. Na hipótese, para que a dispensa de pequeno valor seja legítima, a vigência deste contrato deve ser anual, com possibilidade de renovação (prorrogação), caso sejam respeitados os requisitos legais para este ato. Pragmaticamente, poderia ser sugerida uma contratação desde já plurianual sem configuração de fracionamento ilícito, contudo, ela estaria ultrapassando o limite legal especificamente estabelecido para o uso legítimo da dispensa de pequeno valor.” (Torres, Ronny Charles Lopes de, Lei de Licitações Públicas Comentadas. 15ª ed. Salvador: Juspodvim, 2024, pág. 473)

[7] Sarai, Leandro (org.). Tratado da nova lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/21 comentada por advogados públicos. São Paulo: Juspodvm, 2021, pág. 937.

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