Opinião

Repactuações dos contratos de concessão rodoviária

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6 de outubro de 2024, 17h21

As concessões rodoviárias federais no Brasil vêm enfrentando desafios significativos ao longo dos anos, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, agravados por crises econômicas, descompassos regulatórios e judicialização excessiva. Nesse cenário, o governo federal, por meio de uma série de normativas e ações estratégicas, está promovendo a repactuação dos contratos de concessão, buscando evitar a extinção antecipada dos contratos e promover a viabilidade de longo prazo dessas concessões.

Concepa

Um marco legal-regulatório nesse processo foi a Portaria 848, editada em agosto de 2023 pelo Ministério dos Transportes. Essa portaria estabelece um conjunto de diretrizes e procedimentos para a readaptação e otimização dos contratos de concessão rodoviária, criando um ambiente regulado e dialogado para a renegociação de contratos em crise. A medida é uma resposta à ineficiência e morosidade do processo de relicitação, instituído pela Lei 13.448/2017, que não resultou, até o momento, em nenhuma devolução amigável de projetos rodoviários federais.

Portaria 848 e processo de repactuação

A Portaria 848 busca fomentar a renegociação dos contratos a partir de premissas e requisitos claros, que garantam tanto a regularização das concessões quanto a segurança jurídica das partes envolvidas. Um dos pontos centrais dessa regulamentação é a exigência de estudos que demonstrem a vantajosidade de se celebrar um termo aditivo em relação à extinção do contrato.

Contudo, o número elevado de premissas e condições pode, paradoxalmente, gerar obstáculos ao processo. Exigências como a renúncia a todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais em curso, e o início imediato de obras de ampliação de capacidade, por exemplo, criam desafios práticos que podem desincentivar o uso dessa solução.

Por outro lado, a portaria também promove o avanço da consensualidade nas relações contratuais, substituindo a unilateralidade por negociações mais flexíveis e adequadas às particularidades de cada concessão, preservando elementos essenciais da matriz de risco e da natureza do contrato.

Processo competitivo e sandbox regulatório

Outro avanço significativo no âmbito da repactuação foi a criação de um modelo de processo competitivo, por meio de um sandbox regulatório instituído pela Portaria 245 da ANTT, publicada em setembro de 2023. Esse processo experimental tem como objetivo estabelecer as diretrizes para os leilões privados de contratos repactuados, especialmente no contexto das soluções consensuais. A comissão responsável por elaborar esse modelo deverá apresentar uma proposta em consulta pública, trazendo mais clareza e previsibilidade ao processo.

O processo competitivo é visto como uma forma de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, garantindo que as concessionárias tenham condições de continuar suas operações e de realizar os investimentos necessários, enquanto os interesses do poder concedente e da sociedade são preservados.

Papel do TCU e AGU

O Tribunal de Contas da União tem desempenhado um papel central na legitimação das soluções consensuais. Em conjunto com a Advocacia-Geral da União, o TCU promoveu um acordo de cooperação para fortalecer os processos de repactuação. O ministro Bruno Dantas defendeu o modelo de solução consensual como essencial para a continuidade dos grandes contratos de infraestrutura no Brasil, destacando a necessidade de um ambiente republicano e impessoal em que as partes possam negociar e resolver conflitos complexos.

Esse acordo transcende a simples troca de informações, abarcando capacitação, intercâmbio de boas práticas e um compromisso de superar a cultura de litigância no país, que tanto atrasa projetos e investimentos essenciais para o desenvolvimento.

Política de Estado em formação

A implementação dessas medidas aponta para a criação de uma nova política de Estado voltada à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e operacional das concessões rodoviárias. Ao evitar a extinção precoce de contratos e promover a renegociação estruturada, o governo sinaliza um compromisso com a continuidade e viabilidade dos serviços públicos concedidos, sem deixar de lado o rigor técnico e a transparência.

Essa política de Estado, que se consolida com base na consensualidade e na adaptabilidade das concessões, representa uma importante mudança de paradigma no setor de infraestrutura. Em vez de focar exclusivamente em sanções e rescisões, abre-se espaço para soluções dialogadas que permitem a retomada de obras, investimentos e a continuidade dos serviços, garantindo o atendimento adequado ao usuário e a preservação do interesse público.

Os desafios são inúmeros, e as premissas colocadas em normativas como a Portaria 848 exigem ajustes finos para se adequarem às diferentes realidades das concessões. No entanto, o caminho traçado até o momento indica que, com flexibilidade e diálogo, o Brasil pode encontrar um equilíbrio saudável entre a necessidade de investimentos e a sustentabilidade dos contratos de concessão rodoviária.

Essa nova abordagem reforça o papel do Estado como regulador e garantidor de que as infraestruturas essenciais permaneçam viáveis e funcionais, consolidando diretrizes que podem servir de base para futuras políticas públicas no setor.

Em síntese, as repactuações de contratos de concessão rodoviária emergem como uma estratégia inovadora e necessária para enfrentar os desafios históricos enfrentados pelo setor. No entanto, a implementação de mecanismos consensuais na resolução de conflitos levanta questionamentos sobre sua efetividade e real capacidade de equilibrar os interesses públicos e privados.

Embora o modelo proposto ofereça uma alternativa promissora, é fundamental adotar uma postura crítica e vigilante, uma vez que ainda não temos exemplos concretos de processos que tenham sido concluídos com sucesso do início ao fim.

A dúvida persiste: as boas intenções do consensualismo se traduzirão em soluções justas e equilibradas, que protejam adequadamente o interesse público e, também, atendam às necessidades dos concessionários? Somente através da observação dos resultados práticos das repactuações e do uso de mecanismos consensuais poderemos avaliar se as diretrizes estabelecidas se concretizam em uma política de Estado eficaz e benéfica para todas as partes envolvidas.

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