Opinião

Na mira do STF: qual é o atual cenário de 'uberização' no país?

Autor

  • Leandro Ferreira

    é sócio especialista em Revisão e Planejamento Tributário no Ferreira & Vuono Advogados e pós-graduado em Direito Tributário.

6 de março de 2024, 16h21

O fenômeno das startups e dos modelos plataformizados de negócio trouxe também consigo um debate que alcança a sociedade civil, o ambiente de pesquisas acadêmicas e o universo jurídico, dentro de um contexto de redefinição — e embates — acerca dos novos modelos trabalhistas perpetrados pela digitalização da economia.

Dentro desse contexto, sob o guarda-chuva da “uberização”, temos um conceito que, de modo resumido, abarca relações de trabalho flexíveis, guiados pela prestação de serviços sob demanda e pela gestão algorítmica de plataformas como Uber, iFood, Rappi, entre outras.

Nesse universo, o trabalhador, em tese, seria “o seu próprio chefe”, sendo responsável pela gestão do tempo de trabalho. No Brasil e no mundo, o modelo é amplamente utilizado por empresas de base tecnológica. Para se ter uma ideia, só em nosso país, 2,1 milhões de profissionais atuam em plataformas digitais como as citadas, de acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE. Ainda conforme dados colhidos pelo Instituto, 70% dos chamados “plataformizados” atuam na informalidade.

Conflitos e debates no âmbito trabalhista
Há de se notar que os primeiros embates trabalhistas ocorreram em 2015, ano em que uma parte desses aplicativos de serviço ascendeu no país. Desde então, pode-se perceber que a jurisprudência que trata do tema ainda não foi pacificada, seja na Justiça comum ou na Justiça do Trabalho. Não há, portanto e por ora, uma legislação que trate especificamente da pauta da “uberização”.

Dessa forma, as discussões recorrem, via de regra, a normas presentes na CLT, como os artigos 2º e 3º, por exemplo. Uma relação de emprego existe a partir da comprovação de trabalho por pessoa física que contemple aspectos de pessoalidade, onerosidade, alteridade, habitualidade e subordinação.

O último ponto, da subordinação, representa talvez o mais controverso nessa relação, visto que não existe um chefe ou superior que delegue ordens diretas, mas um algoritmo responsável pela distribuição e direcionamento de serviços — como viagens privadas e entregas em domicílio.

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Ainda, a habitualidade também não é um aspecto necessariamente presente, já que são os próprios profissionais que definem sua rotina e frequência de trabalho.

Quais são os precedentes?
Analisando decisões recentes envolvendo a pauta da “uberização” das relações trabalhistas nos tribunais do país, é possível perceber um movimento de mudança que, hoje, tende a reconhecer a relação empregatícia entre aplicativos e profissionais.

Em artigo de 2021 nesta  ConJur, por exemplo, destaca-se “um recente aumento de precedentes favoráveis ao reconhecimento, inclusive em âmbito regional, da relação empregatícia entre as plataformas e a respectiva mão de obra” em contraposição, por sua vez, a decisões anteriores a 2021 que, geralmente, afastaram as noções de vínculo empregatício. O texto ressalta, no entanto, a jurisprudência não firmada no país que abre espaço para embates e controvérsias.

Nesse sentido, algumas decisões que reconheceram o vínculo empregatício de trabalhadores por aplicativos foram anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal); ao passo que, na instância trabalhista, se caminha — conforme supracitado —, rumo a decisões favoráveis aos trabalhadores, como no caso de julgamentos recentes dos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª e da 3ª Regiões que reconheceram o vínculo empregatício.

Em outra decisão, da 2ª turma do TST — em uma ação envolvendo a Uber e que a condenou —, o entendimento foi o de que o algoritmo criado e utilizado pela plataforma estabelece uma relação de subordinação em relação ao trabalhador e, portanto, existe o vínculo empregatício.

Ficou também amplamente conhecido o caso julgado no segundo semestre do ano passado, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, que condenou a Uber a pagar multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos, além de obrigar a empresa a registrar todos os seus motoristas no país.

É importante frisar que esse movimento não é exclusivo do Brasil: em 2021, 70 mil motoristas britânicos da Uber tiveram seus direitos trabalhistas reconhecidos, ao passo que, na Alemanha, todos os motoristas da Uber são registrados segundo o argumento da subordinação algorítmica.

Finalmente, em 05/12/2023, a 1ª Turma do STF anulou uma decisão do TJ-MG, que havia reconhecido vínculo de emprego entre um motorista e a plataforma Cabify, tendo o relator, ministro Alexandre de Moraes, afirmado que a Justiça trabalhista tem descumprido reiteradamente precedentes do plenário do Supremo sobre a inexistência de relação de emprego entre as empresas de aplicativos e os motoristas, a exemplo do exposto nos julgamentos da ADC 48, ADPF 324 e RE 958.252.

Com tudo isso, espera-se que, ainda em 2024, o STF traga a discussão ao plenário, a fim de definir diretrizes mais claras relacionadas ao trabalho nas plataformas digitais e considerando os casos que há (ou não) vínculo trabalhista entre profissionais e aplicativos. O mais provável é que esse julgamento ocorrerá através da ação que envolve a Uber, na qual foi formada maioria (seis votos) para reconhecer a repercussão geral da matéria.

Enquanto isso, o governo, ciente da posição divergente do STF, tem aplicado menos empenho nos trâmites dos projetos de lei que expressamente submeteriam plataformas e profissionais às regras da CLT.

Segundo informações veiculadas pela Folha de S.Paulo, o objetivo é apresentar um PL que reconheça os motoristas de aplicativos (não motociclistas) como profissionais autônomos, porém, exigindo a contribuição do trabalhador (7,5%) e da empresa (20%) ao INSS, além de remuneração proporcional ao salário-mínimo.

O certo é que tanto Legislativo quanto Judiciário devem a anos uma resposta definitiva para esse problema, a fim de conferir maior segurança jurídica. E esperamos maior proteção social a essa relação de trabalho que afeta milhões de trabalhadores.

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