Opinião

Quem tem medo do planejamento tributário arrojado? (parte 2)

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23 de maio de 2024, 6h39

No artigo anterior, chamamos a atenção para a importância do planejamento tributário e para o fato de que não devemos nos deixar levar pelos famosos “gurus” das teses tributárias, verdadeiros adivinhos que se gabam de possuir o insondável poder de prever antecipadamente quando uma dada proposição jurídica será vitoriosa nos tribunais pátrios ou quando resultará em fracasso retumbante.

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Lembramos que a conhecida e vitoriosa “tese do século”, aquela que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, quando surgiu no início dos anos 2000, envolta em nebulosa desconfiança, deixou de ser aplicada pela grande maioria dos empresários, guiados pelos copiosos mestres da predição, os quais não previram que seus seguidores perderiam fortunas devido às suas constatações equivocadas.

Reconhecemos que um dos grandes obstáculos para a adoção de um planejamento tributário arrojado é o medo da autuação por parte do fisco, bem como o risco de enfrentar acusações penais por crime contra a ordem tributária, fatores que podem desencorajar ou até mesmo ameaçar os contribuintes a se absterem de tais práticas.

Autuação não é o fim do mundo

Mas será que, dentro de uma estratégia previamente estruturada e planejada, utilizando-se dos instrumentos legais disponíveis aos contribuintes, ainda há razão para algum temor?

Como todo empresário deve saber, a autuação fiscal não deve ser motivo de receio, desde que o contribuinte não permaneça inerte diante dela e proceda com a devida defesa administrativa do auto de infração, que, como sabemos, tem o poder de suspender a exigibilidade do débito em discussão, nos termos do conhecido artigo 151, inciso III do Código Tributário Nacional (CTN).

Em outras palavras, segundo esse dispositivo legal protetivo, enquanto o débito estiver sendo discutido na esfera administrativa, o fisco não poderá inscrevê-lo na dívida ativa, seja da União, dos estados, dos municípios ou do Distrito Federal, significando que o contribuinte tem direito à certidão negativa de débitos tributários (CND), sem qualquer restrição ou apontamento, exceto se houver outros débitos inscritos.

Assim, como explicado, a autuação fiscal não representa o “fim do mundo”, desde que o planejamento autuado tenha embasamento jurídico e o contribuinte realize a defesa administrativa adequada do auto de infração, o que proporcionará o conforto necessário ao contribuinte, garantindo que ele conheça o caminho a ser seguido caso seja autuado.

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De fato, conforme pesquisa elaborada pelo ilustre professor Amaury José Rezende, do núcleo de controladoria e contabilidade tributária da FEA/USP de Ribeirão Preto, com 114 das maiores empresas de capital aberto que compõem ou compuseram o IBrX 100, índice de desempenho das cotações dos ativos mais representativos do mercado, mencionada no artigo anterior, chegou-se à robusta conclusão de que, mesmo quando autuadas, as empresas saem beneficiadas.

O medo da multa

Uma das justificadas preocupações dos contribuintes em relação às temidas autuações fiscais diz respeito às multas. No entanto, é importante observar que os últimos Refis (Pert e PRT), em 2017, assim como as atuais transações tributárias, decorrentes da Lei do Contribuinte Legal (Lei 13.988/2020), oferecem generosos descontos nas multas e nos juros, caso o contribuinte opte por desistir da discussão e realizar o pagamento ou parcelamento do débito.

Em outras palavras, a estratégia de planejamento também considera as possíveis alternativas, caso o contribuinte não deseje mais prosseguir com a discussão.

Não é sem motivo que o estudo do professor Rezende concluiu: “O estudo demonstra que, mesmo quando o planejamento é autuado e resulta em litígios administrativos e judiciais, há vantagem para a empresa. O cálculo do valor presente considerou as contingências fiscais divulgadas pelas empresas e classificadas como de perda provável ou possível, com um período médio de 13 anos para a discussão do débito tributário e encargos de 100% do valor do tributo – incluindo multa, juros e honorários advocatícios. A premissa foi de que as autuações ocorreriam em 100% dos casos. O estudo também realizou simulações considerando um tempo de litígio de 8 anos e 18 anos, com encargos de 50% e 150% do valor do tributo. As análises confirmaram que o valor presente é positivo na maioria dos casos. O valor presente positivo, de acordo com o estudo, indica que a relação custo/benefício do planejamento tributário é vantajosa para as empresas, mesmo quando ocorrem autuações. Isso explicaria a prática de planejamentos tributários agressivos pelas companhias”.

Comentários finais

Portanto, a conclusão inarredável é que se as maiores empresas brasileiras praticam o planejamento tributário arrojado e se é certo, como demonstrado, que não se deve temer a autuação fiscal, desde que se proceda com sua competente defesa administrativa, que tem o poder de suspender a exigibilidade do débito, se existem saídas para a discussão administrativa, com desconto de multas e juros, e se, como a pesquisa do professor Rezende demonstrou, há ganho financeiro, mesmo que o planejamento tributário seja autuado, não há razão para temê-lo.

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