upgrade de gastos

TSE impede que downgrade eleitoral vire problema para ambiciosos

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22 de maio de 2024, 16h47

A cautela com que o Tribunal Superior Eleitoral tratou a ocorrência do chamado downgrade eleitoral no caso do ex-juiz Sérgio Moro indica que a orientação é de não problematizar essa prática, extremamente comum na política brasileira.

TSE afastou ocorrência de abuso de poder na pré-campanha de Sérgio Moro em 2022

Na terça-feira (21/5), a corte julgou improcedentes os recursos que pediam a cassação do hoje senador pelo Paraná por abuso de poder econômico praticado no período de pré-campanha para as eleições de 2022.

Moro quis ser presidente entre novembro de 2021 e março de 2022, enquanto esteve filiado ao Podemos. Fez parte da agenda política do partido e rodou o Brasil na tentativa de viabilizar sua candidatura às custas de verbas do Fundo Partidário.

Em março, migrou para o União Brasil e fez o downgrade, com intenção de concorrer ao Senado por São Paulo, mas teve a mudança do domicílio eleitoral rejeitada pelo Tribunal Regional Eleitoral paulista. A partir de junho, focou na campanha ao Senado pelo Paraná.

A alegação das ações que pediam sua cassação é de que Moro teria forjado a candidatura à presidência para, com os gastos da pré-campanha presidencial, sair em vantagem em relação aos candidatos ao Senado. O TRE do Paraná julgou as ações improcedentes.

No recurso, a Coligação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) apontou que, mesmo que Moro não tenha feito o downgrade de propósito, ele teria assumido esse risco ao se anunciar pré-candidato à presidência, o que permitiria concluir que houve abuso de poder.

Por unanimidade, o TSE rejeitou a alegação, com direito a comentários sobre os resultados desastrosos que isso geraria. Advogados eleitoralistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico concordaram com a cautela adotada no julgamento.

Dolo eventual?

Para o relator dos recursos, ministro Floriano de Azevedo Marques, o recurso tentou criar a tese do “dolo eventual eleitoral”.

O dolo eventual acontece quando o agente pratica um ato sem a intenção de causar um dano, mas sabendo que esse resultado seria possível ou até provável.

Um exemplo que gera muita discussão judicial é o do acidente de automóvel causado pela embriaguez. O motorista que consome álcool não quer causar o acidente, mas assume seus riscos.

No caso eleitoral, Sérgio Moro não teria o objetivo de cometer abuso de poder econômico ao iniciar a pré-campanha para a presidência da República, mas teria assumido esse risco, sabendo que poderia ser obrigado a se contentar com um cargo menor.

Floriano de Azevedo Marques 2024

Floriano de Azevedo Marques entendeu que aplicar tese do dolo eventual eleitoral seria trágico

Para Floriano de Azevedo Marques, sustentar que alguém não pode concorrer ao Senado porque o partido gastou recursos numa pré-campanha à presidência implicaria em grave restrição aos direitos políticos do candidato de boa-fé.

“Ao acolher a tese do dolo na assunção de riscos, teríamos como resultado que todos que tivessem tentado a candidatura ao cargo maior estariam automaticamente excluídos da disputa a cargos menores.”

Como consequência, presidentes de partidos, cuja atividade envolve engajar a base eleitoral, promover alianças e participar de eventos por todo o país, estariam automaticamente impedidos de concorrer graças à exposição que recebem na atividade partidária.

Segundo o relator, a tese levaria a resultados desastrosos. “Seria um verdadeiro contrassenso. Ou se demonstra que o pré-candidato usou artificialmente de falsa postulação para gastar e concorrer ao cargo menor ou não se pode dizer que haja ilegalidade automaticamente.”

Voos frustrados

O downgrade eleitoral não é novidade e vai continuar acontecendo. É mais comum nas eleições municipais, em que vereadores ambiciosos vislumbram a possibilidade de chefiar o Executivo, mas pré-campanhas frustradas os devolvem para cargos no Legislativo.

Segundo eleitoralistas consultados pela ConJur, nunca houve controvérsia jurídica sobre esse tema. Prova disso é que, para julgar Sérgio Moro, o TSE não tinha balizas legislativas ou jurisprudenciais para seguir.

Os problemas de pré-campanha se tornam reais quando os pré-candidatos fazem a campanha antecipada ou propaganda antecipada, com pedido de voto em período vedado, ou se praticam condutas que podem ser consideradas abuso de poder político ou econômico.

Para Antonio Carlos de Freitas Jr., a argumentação de dolo eventual até teria respaldo jurídico, mas seria difícil comprovar que Sérgio Moro estaria completamente ciente do volume de gastos do partido no período pré-campanha.

“Na maioria das campanhas, as questões administrativas ficam na mão do setor financeiro. Nas Aijes você vê se foi o candidato que agiu ou determinou gastos? O que a Justiça vê é se houve abuso ou não. O dolo eventual nem chega a ser discutido”, explica.

Em sua análise, é possível que um downgrade eleitoral resulte em abuso de poder por parte de algum candidato.

“O bem jurídico protegido pela lei eleitoral é a igualdade entre os candidatos. É a paridade armas, para que haja uma verdadeira concorrência eleitoral, para que ninguém comece muito à frente ou tenha um empurrãozinho”, reforçou.

O advogado Alexandre Rollo aponta que o mero downgrade, por si só, não pode ser considerado indício de abuso. Caso contrário, todos os pretensos candidatos a prefeito do Brasil que acabaram se elegendo vereadores estariam em apuros. “Não é esse o caminho”.

O risco em entender diferente seria engessar o debate eleitoral, avalia. “Então eu, pré-candidato, não posso pretender um cargo maior? E, se não conseguir, não posso ser candidato a mais nada? Geraria um engessamento do debate e da disputa política no Brasil”, apontou.

RO 0604176-51.2022.6.16.0000
RO 0604298-64.2022.6.16.0000

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