Embargos Culturais

Tributação e gênero, de Lana Borges

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21 de janeiro de 2024, 11h06

A Editora Fórum (Belo Horizonte) publicou recentemente Tributação e gênero, de Lana Borges. A autora é procuradora da Fazenda Nacional, vem exercendo vários cargos na administração pública federal, já assessorou ministros e revela-se como uma profissional competentíssima. O livro é o resultado de intensa pesquisa, com foco em tema novo, importantíssimo. Tive a feliz oportunidade de acompanhar a pesquisa e de apresentar esse belíssimo livro. É da apresentação que retomo algumas das observações vindouras.

Caricatura: Prof. Arnaldo Godoy

Tributação de gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade, esse é o título completo do livro, é ao mesmo tempo um ato de fé, um antídoto e um aviso de incêndio. A autora tem como ponto de partida o fato (indiscutível) de que “as distinções socioeconômicas entre homens e mulheres são gritantes”. Lana sustenta o argumento dos papeis de gênero no contexto da depreciação das mulheres, aproximando temas de sociologia, de cultura, de história e de economia. Fecha todos esses campos com um retrato normativo de uma situação que exige mudança e enfrentamento.

A parte inicial do trabalho explora o tema da construção social dos papeis de gênero. Nesse contexto, trata da divisão sexual do trabalho, com ênfase na opressão e na marginalização do trabalho feminino. A autora lembra-nos Carole Pateman, cientista política que em O contrato sexual inverteu a lógica centrada no postulado do contrato social independente de suas nuances de gênero.

A construção da narrativa na parte histórica retoma a luta das suffragettes. Na Inglaterra, a recusa do pagamento de tributos, por parte das mulheres, decorria do fato de que, impedidas de votar, estariam desprovidas de cidadania. Lana descreve esse momento, projetando, como argumento central, a premissa de que o ônus da tributação deveria ser acompanhado de direitos outorgados pela condição de cidadania.

O ponto central do livro concentra-se nas relações entre tributação, gênero e políticas públicas de extrafiscalidade. Nessa parte do livro percebe-se o pleno domínio que Lana tem no campo temático, o que revela sua trajetória profissional.

Lana domina os institutos em seu aspecto conceitual, e nesse pormenor expõe com clareza o tema da regressividade, retomado hoje no ambiente de discussão que acompanha a reforma tributária, ainda em andamento. A autora conhece o processo tributário em suas várias nuances, inclusive sob o olhar do julgador, o que revela sua experiência pretérita como assessora de Ministro no Supremo Tribunal Federal. E conhece também o direito tributário em sua dimensão de instrumento de política pública, porque tem amplo conhecimento com a construção de normas fiscais, atuando nos órgãos centrais.

Ao conhecimento prático Lana agregou estudos profundos sobre o tema da regressividade, explorando dimensões estatísticas, apresentando números que colheu junto ao IBGE. Com dados precisos sustenta o argumento de que políticas públicas em favor da diminuição das assimetrias de gênero podem ser alavancadas com instrumentos tributários.

A autora argumenta que “os tributos devem ser veículos de estímulo à inserção de um maior número de mulheres no mercado de trabalho e de uma progressão também das mulheres dentro das instituições e empresas”. Isto é, não prega distribuição de favores ou facilitação ou redução de incidências. Quer usar o tributo como tema de inserção no mercado de trabalho, o que revela uma ética econômica que dá alicerce a um esforço argumentativo genuíno. Afinal, “existe um ambiente profissional próprio para as mulheres, repleto de diferenças, sejam salariais, sejam de acesso ao mercado de trabalho, sejam de volume de horas de trabalho”. O que fazer?

Lana explora o tema no direito comparado e na literatura especializada. Retoma a jurisprudência. Especialmente se refere à ADI 5.422, que tratou da incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia. Explicou também o tema do RE 576.967, paradigmático no contexto da efetiva proteção do mercado de trabalho da mulher. Cuidou da ADI 5.422, que é central na vinculação categoria entre o direito tributário e a igualdade de gênero. Explorou os vários esforços normativos que há no tema, indicando os projetos de lei que avançam.

O livro é um ato de fé porque a autora com convicção alavanca ideias que plenamente acredita. O livro é um antidoto ao pensamento e ação refratários às mudanças que precisamos avançar. E o livro é um aviso de incêndio, porque há muito a ser feito nessa complexa matéria.

A primeira edição do livro já está esgotada (o que raríssimo em monografias, que lutam em um mercado editorial mesmerizado por livros de facilitação) e a autora tem sido chamada para discutir o trabalho com especialistas e interessados no assunto. O prefácio é de Mizabel Derzi, professora titular da UFMG, que foi Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, advogada tributarista de renome, corajosa, que tem encantado e estimulado estudiosos e pesquisadores, a exemplo de Lana.

A autora é apaixonada pelo assunto. Dedicou o livro à filha, Helena, que registrou ser inspiração para que seja uma mulher mais forte todos os dias. E a exemplo de Antígona, a célebre personagem do teatro grego, Lana é uma destemida lutadora contra preconceitos e fórmulas discriminatórias. Tributação de gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade já é festejado e lembrado como um livro que marca um divisor de águas em uma luta que é de todos nós.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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