Opinião

Da ilegalidade da orientação na Cosit 308/23 quanto ao momento da tributação

Autores

12 de janeiro de 2024, 18h34

No dia 19 de dezembro 2023, foi publicada a Solução de Consulta Cosit 308, de 15/12/2023 (SC COSIT 308/23), que, entre outras, trata do momento que se deve reconhecer a receita do indébito, precisamente, referente ao IRPJ, CSLL (principal), PIS e Cofins (correção monetária).

Para melhor contextualização, reproduz-se abaixo em resumo, o entendimento da Receita Federal proferido na SC Cosit 308/23 para o tratamento tributário que deve ser dado na repetição do indébito da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e Cofins, a saber:

Quanto a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre o principal do indébito

  • IRPJ e CSLL: há incidência sobre os valores referente ao principal do indébito tributário, relativos à exclusão do Cims das bases de cálculo do PIS e Cofins; e
  • PIS e Cofins: Não há incidência sobre os valores referente ao principal do indébito tributário, relativos à exclusão do Cims das bases de cálculo do PIS e Cofins.

Quanto a parcela correspondente a correção monetária

  • IRPJ e CSLL: Não há incidência sobre os juros de mora equivalentes à taxa Selic recebidos nas ações de repetição de indébito tributário, desde que observados os marcos temporais previstos no Recurso Extraordinário 1.063.187; e
  • PIS e Cofins: Se em nenhuma fase do processo foram definidos pelo juízo os valores a serem restituídos, é na entrega da primeira declaração de compensação, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado que os juros de mora sobre ele incidentes até essa data devem ser oferecidos à tributação.

 Quanto ao momento da tributação

  • na entrega da primeira declaração de compensação, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado, o último momento em que os valores do principal do indébito devem ser oferecidos à tributação; ou
  • Caso haja a escrituração contábil de tais valores em momento anterior à entrega da primeira Declaração de Compensação é no momento dessa escrituração que tais valores devem ser oferecidos à tributação.

Em que pese nosso embargo quanto ilegalidade e inconstitucionalidade da tributação do PIS e Cofins sobre a parcela correspondente à correção monetária, o presente estudo se restringe em demonstrar a ilegalidade da orientação da Receita quanto ao momento que se deve oferecer a tributação o montante levantado na repetição do indébito, referente a exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e Cofins.

Pois bem. Como se nota da orientação supra constante na SC 308/23, a Receita entende que o indébito deve ser tributado no momento da entrega da primeira declaração de compensação, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado e, muito pior, quando haja a escrituração contábil de tais valores, em momento anterior à entrega da primeira declaração de compensação.

Com todo o respeito, nenhuma das hipóteses enumeradas na SC 308/23 reflete o melhor cenário, simplesmente pelo fato de que de orientação da Receita não se amolda com a hipótese de incidência de cada um dos tributos, precisamente, o artigo 43, do Código Tributário Nacional (CTN) para IRPJ, ao artigo 2º, da Lei 7.689/88 para CSLL e as Leis 10.865/04 e 10.833/03, respectivamente, para o PIS e Cofins.

Sem prolongamento de debate, o indébito tributário deve ser tributado, apenas e tão somente, no momento da homologação do pedido de compensação.

Isso porque, antes desse momento, não há valor líquido e exigível preciso. Neste ponto, questiona-se: a entrega da declaração garante a compensação do tributo? Obviamente que não, tendo em vista que a compensação poderá ser totalmente ou parcialmente indeferida.

Logo, o momento correto para que ocorra o oferecimento à tributação é na homologação do pedido de compensação.

Ademais, beira o absurdo ainda a orientação da Receita na SC 308/23 no sentido de que, na hipótese de escrituração contábil de tais valores, em momento anterior à entrega da primeira declaração de compensação, porque a escrituração contábil não é a hipótese de incidência desses tributos, de forma especial, IRPJ e CSLL.

Veja bem. Se não há disponibilidade jurídica dos valores antes da homologação do pedido de compensação, qual a lógica de se tributar esses valores? Não existe disponibilidade de renda a justificar a tributação.

Não à toa, há diversos precedentes que postergam o oferecimento da tributação para o momento da homologação da compensação, senão vejamos:

“TRIBUTÁRIO. INDÉBITO TRIBUTÁRIO RECONHECIDO EM SENTENÇA (EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS). MOMENTO DA INCIDÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO PELO IRPJ E CSLL. HOMOLOGAÇÃO DA COMPENSAÇÃO PELA RECEITA FEDERAL.
(…)

  1. Somente a partir da homologação administrativa é que se aperfeiçoa o procedimento de recuperação do indébito mediante compensação. Embora a decisão judicial estabeleça os parâmetros a serem observados pelo contribuinte, impende consignar que a certeza, a liquidez e a exigibilidade surgirão apenas após a aquiescência fazendária, realizada mediante a homologação, expressa ou tácita, da compensação.
  2. Não basta a mera apresentação da declaração de compensação, pois a homologação fazendária é requisito necessário para o aperfeiçoamento dos procedimentos realizados pelo contribuinte, de modo a consubstanciar o ato administrativo que manifesta definitiva concordância com os valores compensados (e que serão objeto de tributação pelo IRPJ e CSLL), realizando o encontro de contas.
  3. A homologação da compensação é o marco temporal a evidenciar a disponibilidade jurídica ou econômica da renda, de modo a caracterizar o fato gerador do IRPJ e da CSLL. Precedentes do TRF3.
  4. Remessa oficial e apelação da União improvidas.” TRF 3. Autos 5004835-41.2021.4.03.6126, DOU 02/08/22.

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO.  MANDADO DE SEGURANÇA. INDÉBITO TRIBUTÁRIO.  CRÉDITOS RECUPERADOS EM DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. ART. 53, LEI Nº 9.430/96. ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB Nº 25/2003. PIS/COFINS. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. IRPJ E CSLL. INCIDÊNCIA. DISPONIBILIDADE JURÍDICA DE RENDA. REAJUSTE DE LUCRO. MOMENTO DA TRIBUTAÇÃO. VALORES ILÍQUIDOS. HOMOLOGAÇÃO DA COMPENSAÇÃO PELO FISCO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DO PIS/COFINS, IRPJ E CSLL. RECURSO PROVIDO EM PARTE

(…)

  1. O crédito somente estará disponível para utilização em favor do contribuinte após a homologação do seu pedido de habilitação de crédito. Antes desta última data não há disponibilidade jurídica do valor do crédito. Assim, até a decisão administrativa que homologa a habilitação creditória do contribuinte, os valores reconhecidos pela decisão judicial não são certos, líquidos e exigíveis, de forma que a disponibilidade jurídica ou econômica da renda, como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorrerá somente no momento da homologação da compensação pelo Fisco e que, portanto, somente nesse momento será devido o IRPJ e a CSLL.

(…)

  1.  Apelação provida em parte.” TRF3. Autos 5004691-74.2019.4.03.6114. Dje: 29/07/2020.

O entendimento dos tribunais, portanto, tem sido no sentido de que a tributação deve ocorrer quando há efetiva homologação da compensação, momento em que há segurança e certeza de que o montante será destinado ao contribuinte.

Em aditivo, acerca da própria liquidez e certeza dos aportes envolvidos, diversas decisões preconizam que, nem sequer é possível saber exatamente o valor da aquisição de disponibilidade jurídica da renda antes da homologação do pedido de compensação, conforme se nota da reprodução do julgado abaixo:

não há como serem exigidos tributos no momento do trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito à compensação”, quando a sentença for ilíquida, visto que as bases de cálculo são “incertas e ilíquidas” TRF-5. Autos 08107154820194058400. DOU 02/07/2020.

Diante de todas as considerações feitas acima, não resta a menor dúvida que há bons e robustos argumentos para se discutir judicialmente o momento da tributação do indébito tributário, precisamente para que ocorra apenas na homologação da compensação, afastando-se, portanto, a orientação da SC 308/23 quanto ao momento da tributação.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!