Opinião

Os riscos do uso da IA generativa na área tributária

Autores

  • Paulo Caliendo

    é mestrado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutorado em Direito na área de Concentração de Direito Tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) doutorado-sandwich na Ludwig-Maximilians Universität em Munique doutor em Filosofia pela PUC-RS árbitro da Lista brasileira do Sistema de Controvérsias do Mercosul professor titular e membro Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGG da PUC-RS e doutor em Filosofia pelo PPGG da PUC-RS.

  • Marcelo Pasetti

    é doutorando em Filosofia pela PUC-RS mestre em Direito Tributário pela PUC-RS especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela PUC-RS MBAs em Direito Tributário e em Direito Empresarial pela FGV graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Ulbra pesquisador – eixo jurídico no projeto Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura – Raies pela PUC-RS com apoio pela Fapergs professor de Direito Tributário do curso de graduação em Direito da Famaqui e advogado.

10 de janeiro de 2024, 20h56

O GPT-4, última iteração do sistema de inteligência artificial desenvolvido pela empresa OpenAI, teria a capacidade de ingerir textos de sistemas tributários de diferentes países e, em seguida, poderia ajudar a automatizar tarefas como a análise de declarações fiscais e a identificação de possíveis fraudes. Se de um lado se busca justamente aumentar a eficiência e reduzir os custos, do outro, a dificuldade estaria em demonstrar a conformidade desde a concepção no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial (IA) para garantir a transparência e a segurança adequada em relação ao cumprimento da legislação em matéria tributária.

Certamente, a área tributária é uma das mais complexas e desafiadoras no contexto empresarial e no setor público. Pois, as constantes mudanças na legislação tributária e a ampla variedade de normas e regulamentações podem tornar a gestão fiscal uma tarefa muito difícil para as empresas (Strak; Tuszynskib). Assim sendo, a utilização de métodos de processamento de linguagem natural (PLN), como o GPT-4, pode representar uma ferramenta capaz de auxiliar tanto o fisco quanto os contribuintes no enfrentamento de questões tributárias.

Divulgação/CIAPJ-FGV

Por isso, se faz necessário compreender técnicas de PLN, subárea da inteligência artificial, cujo objetivo dessa ferramenta é permitir que as máquinas compreendam e interpretem a linguagem humana de maneira natural (Araújo; Vittorazzi). Uma de suas aplicações se dá através da criação de chatbots ou assistentes virtuais, desenvolvidos por programas de computador, que simulam conversas humanas e são utilizados para responder a perguntas e solucionar problemas.

Em particular, o GPT-4 é um avançado modelo de linguagem — large language models (LLM) — baseado em deep learning que visa prever palavras em uma frase. Ele pertence à subárea da inteligência artificial generativa e tem a capacidade de gerar conteúdo de forma independente. Segundo a MIT Technology Review, o GPT-4 é capaz de produzir textos fluidos e interagir com imagens e instruções escritas. Sua interface simples requer apenas uma caixa de texto e alguns prompts para facilitar a comunicação.

Sendo dúvida, os benefícios da aplicação de técnicas de inteligência artificial generativa na área tributária são muitos para os contribuintes. Uma delas, seria a redução do tempo de processamento de informações fiscais. Com a LLM, é possível automatizar tarefas que antes eram realizadas manualmente, o que pode reduzir significativamente o período de processamento de informações fiscais.

Além disso, a utilização de LLM pode ajudar os contribuintes a perceberem possíveis erros e inconsistências nas informações fiscais e, assim, evitar multas e penalidades fiscais.

Não obstante, apesar das diversas vantagens da aplicação de LLM na área tributária, existem alguns desafios que precisam ser superados para que essa técnica seja amplamente utilizada pelos contribuintes. Um dos principais desafios é a complexidade da legislação tributária. A legislação tributária é extremamente complexa e cada país possui a sua. O que pode tornar difícil o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial generativa eficientes em todos os países.

Da mesma forma, o uso de LLM na área tributária pode ter dificuldades relacionados à privacidade e segurança das informações fiscais. Muitas das informações fiscais tratam dados sensíveis e precisam estar protegidas de forma adequada para evitar vazamentos ou acesso não autorizado (Pasetti). É importante que as empresas que utilizam referida técnica para gerenciar informações fiscais adotem medidas de segurança adequadas.

Alguns países passaram a utilizar, com relativo sucesso, o uso de tecnologias conversacionais para auxiliar os contribuintes no cumprimento de suas obrigações fiscais, dentre eles podemos citar: United States IRS Virtual Assistant; United Kingdom HMRC Chatbot e Singapore IRAS Interactive FAQ. O uso de chatbots inteligentes para auxiliar o contribuinte é uma das demandas mais importantes para a correto cumprimento das obrigações acessórias e se insere dentro do novo dever de cooperação ativa entre o fisco e o contribuinte. A imensa complexidade tributária, o rigor do cumprimento dos deveres formais e a agilidade dos negócios exige um canal de comunicação ágil entre o fisco e o contribuinte, de modo que o uso mecanismos como o ChaGPT4 pode ser útil, desde que devidamente alinhado os com os direitos fundamentais do contribuinte.

Do lado do fisco, o emprego de LLM na área tributária pode ser utilizado para identificar possíveis fraudes fiscais. Com o uso dessa técnica, é plausível analisar grandes quantidades de dados fiscais para constatar prováveis anomalias ou padrões suspeitos. Essas informações podem ser utilizadas pelas autoridades fiscais para descobrir fraudes e evasões fiscais, como já ocorre com o uso do Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizado de Máquina (Sisam), que fornece interpretações em linguagem natural (Lietz).

É bem verdade que a introdução de novas tecnologias baseadas em LLM, como o ChatGPT, tanto no setor privado como no setor público, ainda que traga diversos benefícios e ganhos de eficiência, é crucial reconhecer, gerenciar e mitigar os riscos associados.

Para mitigar os riscos apresentados pelos LLM, é necessário entender a sua capacidade de regulamentação e a maneira como são utilizados. Alguns riscos podem ser mitigados por avanços tecnológicos, como o fortalecimento dos recursos de segurança nos modelos mais recentes. Além disso, é importante lidar com desafios como vieses nos dados de treinamento e nas saídas do modelo, bem como a perpetuação do status quo e a falta de flexibilidade no setor público devido ao uso restrito de LLM treinados internamente (Council of the European Union).

Nessa linha, a questão da “caixa preta” dos LLM, em que suas decisões são tomadas sem revelar o processo, é uma situação estrutural no setor público. Embora a falta de acesso ao código dos modelos de IA dificulte a compreensão de seu funcionamento, é essencial desenvolver habilidades em evolução para supervisionar adequadamente a saída dos modelos. Além disso, o financiamento insuficiente e a corrida para implantar novas tecnologias rapidamente também representam riscos. O excesso de confiança e a falta de habilidades de pensamento crítico podem agravar esses riscos, especialmente entre os mais jovens que estão ingressando em um ambiente de trabalho onde os LLMs já estão sendo usados (Council of the European Union).

Por isso, é necessário contar com o monitoramento humano regular e uma estratégia de mitigação robusta. Os serviços personalizados, a flexibilidade, a inteligência emocional, o pensamento crítico e a capacidade de adaptação dos seres humanos continuam sendo essenciais para atender às demandas do setor público. Portanto, uma administração pública apoiada pelo ChatGPT ainda requer uma proporção significativa de julgamento humano e uma abordagem abrangente para mitigar os riscos (Council of the European Union).

O Fórum Econômico Mundial, além das 30 recomendações para desenvolvimento e implantação de sistemas generativos de IA, destaca a importância de os governos investirem na promoção da especialização em IA, através de uma abordagem informada, eficaz e responsável na formulação de políticas públicas e regulamentações relacionadas a essas tecnologias transformadoras. Além disso, deve-se procurar realizar o uso de incentivos específicos, parcerias com o setor privado e programas de intercâmbio, os governos podem fomentar o desenvolvimento de talentos em IA. Essa dedicação, ao mesmo tempo em que expande a competência interna em IA, desempenha um papel crucial na garantia de um futuro em que essas tecnologias impulsionem o progresso social e atendam de forma eficaz ao interesse público (World Economic Forum).

Logo, é necessário um cuidadoso equilíbrio entre a promoção do avanço tecnológico e a proteção dos direitos individuais e coletivos. A regulamentação adequada, a transparência e a conscientização dos riscos são elementos-chave para garantir o uso responsável e ético da IA generativa tanto pelo fisco quanto pelos contribuintes.

 


Referências
Araújo, Germano Renner de Oliveira; Vittorazzi, William de Oliveira. A aplicação de redes neurais artificiais recorrentes no processo de linguagem natural. (2018). Disponível em: <http://dspace.uniube.br:8080/jspui/handle/123456789/535>. Acesso em 7 mai. 2023.

COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. General Secretariat. ChatGPT in the Public Sector – overhyped or overlooked? April 2023. Disponível em: <https://www.consilium.europa.eu/media/63818/art-paper-chatgpt-in-the-public-sector-overhyped-or-overlooked-24-april-2023_ext.pdf>. Acesso em 23 de jun. 2023.

LIETZ, Bruna. Direito tributário e inteligência artificial: os atuais usos da IA pelas administrações tributárias. In CALIENDO, Paulo; LIETZ, Bruna (coords.) Direito Tributário e Novas Tecnologias [recurso eletrônico] – Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021.

OPENAI. GPT-4 Technical Report. 27 march 2023. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/2303.08774>. Acesso em 07 mai. 2023.

PASETTI, Marcelo. Inteligência artificial aplicada ao direito tributário: um novo modelo na construção de uma justiça fiscal? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

MIT Technology Review. Guia preliminar para a criação de políticas voltadas para a Inteligência Artificial Generativa. Disponível em: <https://mittechreview.com.br/guia-preliminar-para-a-criacao-de-politicas-voltadas-para-a-inteligencia-artificial-generativa/>. Acesso em 26 de jun. 2023.

STRĄK, Tomasz; TUSZYŃSKIB, Michał. NLP Based Retrieval of Semantically Similar Private Tax Rulings. ScienceDirect – Elsevier.  Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877050922012327/pdf?md5=f70cd2daef2454939be14e1d4445ee84&pid=1-s2.0-S1877050922012327-main.pdf>. Acesso em 7 mai. 2023.

WORLD ECONOMIC FORUM. The Presidio Recommendations

on Responsible Generative AI. Disponível em: < https://www3.weforum.org/docs/WEF_Presidio_Recommendations_on_Responsible_Generative_AI_2023.pdf>. Acesso em 23 de jun. 2023.

 

Autores

  • é professor titular na PUC-RS, doutor em Direito (PUC-SP) e em Filosofia (PUC-RS), advogado e autor dos livros Curso de Direito Tributário e Direito Tributário e Análise Econômica do Direito (finalista do Prêmio Jabuti).

  • é doutorando em Filosofia pela PUC-RS, mestre em Direito Tributário pela PUC-RS, especialista em Direito do Estado pela UFRGS e em Direito Processual Civil pela PUC-RS, MBAs em Direito Tributário e em Direito Empresarial pela FGV, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Ulbra, pesquisador – eixo jurídico no projeto Rede de Inteligência Artificial Ética e Segura – Raies, pela PUC-RS com apoio pela Fapergs, professor de Direito Tributário do curso de graduação em Direito da Famaqui e advogado.

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