Opinião

Da MP em matéria tributária no âmbito estadual e da jurisprudência do STF

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1 de janeiro de 2024, 17h13

A medida provisória é ato normativo primário cujo substrato de validade advém diretamente da Constituição. Em sendo ato normativo primário, é possível que, na sua elaboração e publicação, haja inovação na ordem jurídica, sendo permitida a criação do direito com a sua publicação, modificando e também extinguindo obrigações. É certo, ainda, que referido ato normativo possui abstração e generalidade [1].

É cediço que a jurisprudência pátria reconhece a possibilidade de emissão de medidas provisórias pelos governadores no âmbito dos estados, uma vez que não há qualquer afronta aos princípios expostos na Carta Constitucional. Todavia, é imperioso que haja previsão do ato normativo na Constituição Estadual e desde que sejam observadas as normas atinentes ao processo legislativo descritas no texto constitucional, uma vez que são de repetição obrigatória por todos os entes políticos [2].

A fim de viabilizar a adoção de medidas provisórias, é necessário obedecer aos seus requisitos de relevância e urgência, ante o exposto no artigo 62 da Constituição:

 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.       

1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

  1. a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  2. b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  3. c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  4. d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”

Com relação à possibilidade de elaboração de medida provisória que trate acerca do direito tributário, havia discussão doutrinária quanto à constitucionalidade de sua adoção. Ocorre que a Emenda Constitucional nº 32/2001 previu, de maneira expressa, a viabilidade de que a medida provisória majore ou até institua impostos. A previsão está contida no parágrafo 2º do artigo 62 da Constituição:

“2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”

Nesse viés, além da observância dos requisitos de relevância e urgência pelo chefe do Poder Executivo, em eventual adoção de medida provisória que institua ou majore impostos (com algumas exceções), a produção de efeitos desse ato normativo no exercício financeiro seguinte denota a necessidade de conversão em lei (em sentido estrito) até o último dia do exercício de sua edição.

Salienta-se que, segundo o Supremo Tribunal Federal, via de regra, não é possível a interferência do Poder Judiciário no que tange ao controle do denominado mérito administrativo na emissão de medidas provisórias, já que os requisitos de urgência e relevância devem ser realizados pelo presidente ou, no caso de edição do ato no âmbito estadual, pelo próprio governador, consoante jurisprudência abaixo relacionada:

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746/2016. CONVERSÃO NA LEI Nº 13.415/2017. MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL. PREJUDICIALIDADE PARCIAL DA AÇÃO. ANÁLISE DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. REQUISITO DE URGÊNCIA PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE ENSEJADORA DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NÃO CARACTERIZADA. PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As alterações introduzidas pelo Projeto de Lei de Conversão n. 34/2016, posteriormente transformado na Lei n. 13.415/2017 são significativas a ponto de interromper a continuidade normativa do texto primitivo da Medida Provisória n. 746/2016, resultando na extinção parcial da presente ação por perda superveniente de objeto. Precedentes. 2. A inconstitucionalidade formal de medida provisória não se convalida com a sua conversão em lei, razão pela qual, conquanto haja perda de objeto relativamente à inconstitucionalidade material, remanesce o interesse de agir no que tange à inconstitucionalidade formal. 3. No limitado controle dos requisitos formais da medida provisória deve o Poder Judiciário verificar se as razões apresentadas na exposição de motivos pelo Chefe do Poder Executivo são congruentes com a urgência e a relevância alegadas, sem adentrar ao juízo de fundo que o texto constitucional atribui ao Poder Legislativo. 4. Ação direta julgada improcedente.” (ADI 5.599/DR, rel. min. Edson Fachin, julgado em 23/10/2020).

Assim, não ocorrendo demonstração cabal de violação dos pressupostos, o Judiciário deverá manter uma conduta de abstenção, mantendo-se hígida a edição do ato normativo e dos seus efeitos.

É importante ressaltar que, se a instituição da medida provisória implicar aumento de imposto que se submete ao princípio da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal, eventual cobrança do valor majorado precisa observar esses princípios.

O princípio da anterioridade anual coíbe que os entes políticos cobrem tributos no mesmo exercício em que publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Já o princípio da anterioridade nonagesimal veda a cobrança com relação aos tributos instituídos ou aumentados antes de decorrido 90 dias da data em que foi publicada a lei. Ambos os princípios estão insculpidos na Constituição , no artigo 150, III, alíneas “b” e “c”, no capítulo que trata das limitações constitucionais ao poder de tributar.

Ao se deparar com o assunto, o Supremo Tribunal Federal corroborou com a tese acima elencada, concluindo, consoante segue:

“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO DA APRECIAÇÃO CAUTELAR EM JULGAMENTO DEFINITIVO DE MÉRITO. LEI Nº 4.141, DE 2023, E MEDIDA PROVISÓRIA Nº 33, DE 2022, DO ESTADO DO TOCANTINS. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA MODAL DO ICMS INCIDENTE SOBRE OPERAÇÕES INTERNAS NO ESTADO DO TOCANTINS. MEDIDA PROVISÓRIA. NÃO CONVERSÃO EM LEI ATÉ O ÚLTIMO DIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO DE SUA EDIÇÃO. ANTERIORIDADE ÂNUA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO PARA OBSTAR A INCIDÊNCIA DA NORMA TRIBUTÁRIA ANTES DA FLUÊNCIA DO MARCO TEMPORAL DA ANTERIORIDADE DE EXERCÍCIO. 1. A questão constitucional suscitada em abstrato nesta ação consiste em saber se a Lei nº 4.141, de 2023, decorrente da conversão da Medida Provisória nº 33, de 2022, ambas do Estado do Tocantins, afrontou o princípio constitucional tributário da anterioridade ânua, ao majorar a alíquota modal do ICMS para operações internas de 18% para 20%, tendo em conta que esta não fora convertida naquela até o último dia do exercício financeiro de sua edição. Dito de forma direta, exige-se definir se o objeto impugnado há de ser aplicado no exercício financeiro de 2023 ou de 2024, à luz do princípio constitucional tributário da anterioridade anual. 2. Preliminar. A ação direta encontra-se pronta para julgamento definitivo do mérito, de modo que se demonstra oportuno e conveniente a conversão da apreciação cautelar em deliberação do mérito, considerando a instrução do feito já perfectibilizada, os imperativos de economia processual e a inutilidade de desencadear novas providências instrutórias no estágio em que o processo se encontra. Precedentes. 3. É dado aos Chefes do Poder Executivo dos Estados-membros editarem medidas provisórias, desde que a espécie legislativa esteja prevista na Constituição estadual e seja observado o conjunto de regras básicas do processo legislativo postas no Texto Constitucional de 1988. Com o advento da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, passou-se a exigir que a medida provisória a qual implicasse instituição ou majoração de impostos só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte ao de sua edição, caso seja devidamente convertida em lei até o último dia do ano fiscal em que foi editada, nos termos do art. 62, § 2º, da Constituição da República. 4. No caso dos autos, destinada a majorar a alíquota modal do ICMS incidente nas operações internas no Estado do Tocantins, a Medida Provisória nº 33, de 2022, embora tenha sido editada em 29/12/2022, somente foi convertida na Lei estadual nº 4.141, de 2023, em 22/03/2023. Desse modo, em respeito à anterioridade de exercício, esse agravamento da situação fiscal dos contribuintes somente pode ser aplicado em 2024, revelando-se inconstitucional dispositivo que prevê a incidência da alíquota majorada a partir de 1º/04/2023. 5. Exige-se na hipótese o emprego da técnica decisória da interpretação conforme à Constituição com a finalidade de obstar a incidência da alíquota geral do ICMS sobre operações internas no patamar majorado de 20% antes de 1º/01/2024. 6. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente.” (ADI 7375/TO, relator: ministro André Mendonça, julgado em 29/9/2023)

Conclui-se, assim, que a edição de medida provisória que aumente as alíquotas de imposto estadual (no caso do julgado, do ICMS), impende a necessidade de conversão em lei para que possa ter efeitos no exercício financeiro seguinte. Ademais, é imperioso que obedeça ao princípio da anterioridade, não produzindo efeitos no exercício de publicação da conversão da medida provisória em lei.

Assim, a viabilidade de cobrança de ICMS com as alíquotas majoradas por medida provisória convertida em lei, deverá observar os princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal.

Por fim, é possível a adoção, pelo constituinte estadual, de medidas provisórias relativas a matérias tributárias, desde que observados os pressupostos acima mencionados e as decisões quanto ao tema pelo STF.


[1] Vocabulário Jurídico – STF – disponível em

https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/tesauro/pesquisa.asp?pesquisaLivre=ATO%20NORMATIVO%20PRIM%C3%81RIO Acesso em 27/12/2023.

[2] Buscador Dizer o Direito – “O aumento na alíquota do ICMS por meio de medida provisória somente poderá ser exigido no ano fiscal seguinte ao da sua conversão em lei” – disponível em https://www.https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/9bdef7d91f7c5a618c769110e712745b. Acesso em 27/12/2023.

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