Opinião

Exclusão das subvenções para investimento no cálculo de IRPJ e CSLL: há espaço para litigiosidade?

Autor

  • João Paulo Maia de Alencar Tavares

    é contabilista graduado pela Universidade Federal do Ceará graduando em direito pela Estácio pós-graduado em contabilidade e planejamento tributário pela Universidade Federal do Ceará e MBA em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ).

20 de fevereiro de 2024, 18h32

A Lei 14.789/2023, em seu artigo 8º, traz o rol das receitas que deverão ser computadas na apuração do crédito fiscal de IRPJ a ser habilitado e informado na ECF 2025, relativamente aos fatos geradores ocorridos no ano-calendário de 2024.

No §4º, o dispositivo afasta expressamente as subvenções do cálculo das estimativas mensais de IRPJ e CSLL.

Sem embargo, o dispositivo parece apenas convergir para a regra matriz contida no artigo 2º da Lei nº 9.430/96 que define a determinação da base de cálculo da estimativa com base na receita bruta.

O conceito de receita bruta está definido no artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (alterado pela Lei nº 12.973/2014), e este não comporta hipótese que recepcione as subvenções governamentais.

Portanto, a redação do §4º do artigo 8º da Lei nº 14.789/2023 não inova, mas teria apenas oferecido o tratamento tributário que se alinha às normas gerais de apuração do imposto.

Ainda dentro do bojo das regras que tratam da opção do pagamento mensal do IRPJ (e CSLL), o artigo 2º determina que deverá ser observado o teor dos artigos 30, 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981/95 que, em síntese, trata do mecanismo que permite suspender ou reduzir o recolhimento do valor mensal por meio da escrituração comercial (balancetes de suspensão ou redução).

A dúvida que paira sobre o tema reside em definir se o legislador ordinário, ao tratar da apuração do imposto estimado na forma do artigo 2º, criou uma regra única composta de duas metodologias de apuração, ou existe, em algum grau, a predominância do cálculo com base na receita bruta como regra geral, em detrimento daquele performado com base nos balancetes de suspensão ou redução, na condição de opção volitiva.

A questão tem relevo na medida em que, se o entendimento predominante convergir para a existência de dois mecanismos apartados de apuração — receita bruta x suspensão/redução —, seremos convidados a imaginar que, na apuração do imposto mensal, os contribuintes estariam sujeitos a tratamentos tributários distintos a depender do mecanismo de cálculo eleito.

A esse respeito, vale recordar que debate similar foi travado quando da publicação da Lei nº 13.670, de 30/05/2018, que entre várias alterações, introduziu nova redação ao artigo 74 da Lei nº 9.430/96, incluindo no rol das vedações à compensação os débitos de estimativa de IRPJ e CSLL apurados na forma do artigo 2º dessa mesma lei.

A partir disso, instaurou-se a dúvida se a nova vedação seria aplicada exclusivamente às estimativas apuradas com base na receita bruta ou alcançariam o imposto apurado com base no balancete de suspensão/redução.

A resposta
A resposta veio do próprio Fisco, que por meio da Solução de Consulta Cosit nº 279, de 26/9/2019, assentou o seguinte:

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 279 – COSIT

Data: 26/09/2019

ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO COMPENSAÇÃO. DÉBITOS DE ESTIMATIVAS. IMPOSSIBILIDADE. Desde 31 de maio de 2018, os débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL não podem ser objeto de compensação pelo sujeito passivo, inclusive nos casos em que o sujeito passivo reduza o valor da estimativa mensal por meio de balanços ou balancetes mensais de redução. Dispositivos Legais: Lei nº 9.430, de 2006, arts. 1º, 2º, 3º, e 74, §3º, IX; Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, art. 35; ADI RFB nº 4, de 14, de agosto de 2018.

Portanto, o entendimento do Fisco à época foi no sentido da vedação ampla à compensação, abrangendo tanto os valores apurados, seja com base na técnica da receita bruta ou mediante levantamento de balancetes de suspensão/redução, pois a técnica utilizada não transmutaria a natureza jurídica de estimativa. Esse é o teor do item 20.1 do relatório fiscal da Receita por ocasião da resposta à consulta.

“20.1. Esse valor devido em cada mês poderá ser suspenso ou reduzido a partir dos balanços/balancetes mensais. Essa possibilidade constitui técnica para melhor adequação do valor a ser pago, mas não tem o condão de lhe alterar a natureza. O valor reduzido continua a ser estimativa mensal.”

Também é nesse sentido a jurisprudência firmada no âmbito do STJ sobre o alcance da vedação trazida pela Lei nº 13.670/2019 aos valores de estimativas apuradas com base nos balancetes de suspensão/redução.

Para citar, colacionamos o teor da decisão publicada no DJ em 18/8/2023 no AgInt no Agravo em Resp nº 1.911.916-SP, de relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues.

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO. IRPJ. CSLL. EXTINÇÃO DE CRÉDITOS. COMPENSAÇÃO POR ESTIMATIVA. CALENDÁRIO DE 2018. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA LEI 13.670/2018. RECOLHIMENTOS APURADOS COM BASE EM BALANCETES. APLICABILIDADE. PROVIMENTO NEGADO. 1. No tocante à prestação jurisdicional, inexiste vício no acórdão recorrido, não ocorrendo a alegada ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015. 2. No concernente às limitações trazidas pela Lei 13.670/ 2018 com vistas a permitir a compensação no ano-calendário de 2018 dos débitos de IRPJ e CSLL, observou-se, no ponto, que a controvérsia foi decidida com enfoque eminentemente constitucional, sendo descabida a revisão do acórdão pela via do recurso especial, sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102 da CF/1988. 3. Consoante entendimento desta Corte Superior, a vedação à compensação de recolhimentos mensais de IRPJ e de CSLL por estimativa, prevista no inciso IX do § 3º do art. 74 da Lei 9.430/1996, deve ser aplicada, inclusive, à hipótese de recolhimentos mensais apurados com base em balancetes (suspensão/redução).

Portanto, nos parece razoável afirmar que tanto o Fisco quanto o Judiciário possuem entendimento consolidado sobre a extensão e alcance da vedação introduzida pela Lei nº 13.670/2018 sobre os valores apurados a título de estimativa, seja pelo cálculo com base na receita bruta ou com base nos balancetes de suspensão ou redução, pois a metodologia de cálculo não contamina a sua natureza jurídica.

Nesse sentido, também parece lúcido que esse mesmo entendimento deve ser adotado na exegese do artigo 8º da Lei nº 14.789/2023 para afastar a tributação das subvenções para investimento na apuração das estimativas, conferindo tratamento isonômico aos contribuintes tributados com base no lucro real e que apuram estimativas mensais.

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Referências Bibliográficas
Brasil. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 1996.

Brasil. Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018. Altera a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, para dispor sobre a não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na venda de álcool para fins carburantes; altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; e revoga o § 4º do art. 15 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 maio 2018.

Brasil. Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de2023. Dispõe sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico; altera as Leis nºs 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 14.592, de 30 de maio de 2023, e 14.754, de 12 de dezembro de 2023; e revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e 12.973, de 13 de maio de 2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dezembro 2023.

Brasil. Receita Federal. Solução de Consulta COSIT nº 279, de 26 de setembro de 2019. COMPENSAÇÃO. DÉBITOS DE ESTIMATIVAS. IMPOSSIBILIDADE. Disponível em:<http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=103955>. Acesso em: 14/02/2023.

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.911.916-SP. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO. IRPJ. CSLL. EXTINÇÃO DE CRÉDITOS. COMPENSAÇÃO POR ESTIMATIVA. CALENDÁRIO DE 2018. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA LEI 13.670/2018. RECOLHIMENTOS APURADOS COM BASE EM BALANCETES. APLICABILIDADE. Decisão publicada no DJ em 18/08/2023.

Autores

  • é contabilista graduado pela Universidade Federal do Ceará, graduando em direito pela Estácio, pós-graduado em contabilidade e planejamento tributário pela Universidade Federal do Ceará e MBA em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ).

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