Opinião

CPI que mira padre Júlio Lancellotti expõe desdobramentos sociais perigosos

Autores

  • Celso Campilongo

    é professor titular da Universidade de São Paulo e atualmente exerce o cargo de diretor da Faculdade de Direito da USP. Advogado.

  • Vidal Serrano Nunes Junior

    é promotor de Justiça professor-doutor de Direito Constitucional da PUC-SP do Instituto Toledo de Ensino e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e ex-presidente do Conselho Diretor do Idec.

15 de fevereiro de 2024, 15h12

A recente tentativa de intimidação do padre Júlio Lancellotti veio sob o manto de Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo. Há problemas jurídicos importantes e desdobramentos sociais perigosos na iniciativa. O fato de vereadores terem retirado assinaturas do requerimento e, provavelmente, de a CPI nem vingar, não subtrai relevância à discussão.

O Legislativo goza de poderes de investigação equiparáveis àqueles judiciais. Instauração, processamento e conclusões de inquérito parlamentar submetem-se ao devido trâmite legal e respeito às garantias. É essa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Não foi o que se viu, até agora, no caso do intimorato padre.

Não é papel de CPIs constranger os investigados. Apesar de nem terem citado o nome e o fato determinado relacionado ao religioso, entrevistas mostraram que era ele o alvo. CPIs podem investigar particulares. Mas, quando o faz, o respeito à pessoa deve ser redobrado. Além disso, o poder de investigação está circunscrito ao mister da Casa legislativa que investiga. Nada disso foi observado. A natureza política de uma CPI não pode acobertar comportamentos arbitrários. Por isso, ela começa a se desfazer antes de instaurada.

Supostamente, a investigação recairia sobre organizações não governamentais que atuam na cracolândia. É sabido que muitas dessas entidades têm vínculos com a Igreja Católica. Doutrina e prática das paróquias de São Paulo dirigem atenção aos pobres e às pessoas em situação de rua. Há que se avaliar em que medida, a pretexto de compreender a real situação dos dependentes químicos da região central, a perseguição ao sacerdote não esbarra em ofensa à liberdade religiosa.

Antes da pandemia, a situação no centro já era dramática. Nos últimos dois anos, apesar dos esforços das autoridades, o estado de coisas se agravou. Poucos se engajam como a igreja e o padre Júlio no combate à violência e ao abandono a que ficaram relegadas essas populações. É paradoxal que aqueles que se alinham aos excluídos sejam vítimas de suas ações. Mereceriam apoio, não hostilidade dos políticos.

Padre Júlio Lancellotti

Processos de inclusão e exclusão social formam unidade de uma diferença. O ambiente em que realizam suas operações não controla, mas afeta resultados e desdobramentos desses processos.

Em contextos marcados pela desigualdade e desconfiança, como ocorre nas ruas de São Paulo, para onde afluem pessoas com problemas familiares, econômicos e de saúde, a exclusão potencializa efeitos “virais”. Não ter teto cria obstáculos à empregabilidade, à higiene pessoal e à convivência social: “exclusão viralizada”.

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