Opinião

A reforma tributária prejudica o setor do agronegócio?

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8 de fevereiro de 2024, 19h11

Após mais de 30 anos de intensos debates, a reforma tributária foi promulgada por meio da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, originada da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019. Esse marco representa um acontecimento de significativa importância no contexto político-econômico do Brasil.

A reforma promoveu substanciais transformações no âmbito do legislativo, desencadeando impactos notáveis — que já estão ocorrendo e ainda irão ocorrer – no mercado financeiro e em diversos setores da economia, dentre eles o segmento do agronegócio, uma cadeia produtiva de suma importância, já que contribui com aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

A unificação dos impostos municipais e federais, que converteu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS) em um novo tributo denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), assim como a fusão do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa uma mudança estrutural significativa, sendo incontestável o impacto dessas alterações na economia como um todo.

Prós e contras para o agro
Até o momento, surgiram pontos tanto favoráveis quanto desfavoráveis para o setor do agronegócio, haja vista que o Congresso está dentro do prazo de 180 dias para legislar a matéria atinente as leis necessárias que irão regrar a reforma constitucional.

Dentre os pontos positivos, estão:
a) isenção tributária sobre os produtos da cesta básica, cujos itens serão especificados por meio de lei complementar [1];
b) a redução de 60% na alíquota de produtos agropecuários, florestais, extrativos, vegetais e insumos [2];
c) a isenção de tributos sobre exportações, uma vez que a cobrança de impostos sobre produtos e serviços deixa de ocorrer na origem e passa a ser aplicada no local da venda final [3];
d) a concessão de crédito presumido do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para adquirentes de bens e serviços, incluindo o produtor rural [4];
e) isenção de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre aeronaves e máquinas agrícolas [5];
f) isenção da tributação do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) para produtor rural, seja pessoa física ou jurídica, cujo faturamento anual não ultrapasse R$ 3,6 milhões [6].

Por outro lado, aspectos negativos geram apreensão no setor, tais como:
a) a incidência do novo Imposto Seletivo (IS), de natureza extrafiscal, que integrará as bases de cálculo do IBS e do CBS, majorando-se sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, o que poderá afetar negativamente o agro, dependendo da inclusão de defensivos agrícolas e de outros produtos utilizados no rol, o que somente será definido em Lei Complementar, gerando uma insegurança no momento;
b) criação de novas taxas sobre os produtos primários semielaborados, como os alimentos, implicando na instituição de uma alíquota adicional;
c) extinção de benefícios fiscais estaduais de ICMS, anteriormente concedidos a diversas empresas do agronegócio, acarretando em um aumento de custos para as empresa e possível impacto na competitividade do setor;
d) não haverá isenção de IPVA para  caminhões e caminhonetes necessárias aos produtores rurais;
e) Além, disso o IPVA também poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental, o que certamente preocupa [7];
f) veja que mesmo com previsão de isenção do IVA para o produtor rural com faturamento até R$ 3,6  mihões/ano as obrigações acessórias tendem a aumentar, bem como a adoção do crédito presumido nesse formato, pode ser menor a depender do que seria se fosse contribuinte do IVA, o que poderá optar, ou seja, parece uma faca de dois gumes que deverá ser analisada em cada caso concreto;
g)
alterações no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cujas alíquotas serão progressivas, ou seja, quanto maior o patrimônio, mais alta será a alíquota, deflagrando um desafio ainda maior para os produtores proprietários de terras.

Análise dos pontos negativos
Veja que, apesar dos pontos positivos que foram negociados ao longo dos meses na tramitação da reforma tributária a favor do agronegócio, as incertezas e pontos negativos são substanciais.

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Um exemplo é que, a par da própria reforma, tivemos uma alteração na legislação de Subvenção para Investimento, através da Lei n° 14.789/2023, que fere o pacto federativo, na medida em que tributa na ordem federal os incentivos fiscais concedidos pelos estados e DF, concedidos justamente para estímulo dos negócios, a exemplo os Convênios ICMS do Confaz nº 52/1991 e nº 100/1997, que reduzem a base de cálculo para saídas interestaduais de insumos agropecuários, tais como fertilizantes, inseticidas, fungicidas, sementes, adubo e outros.

Ora, historicamente o agronegócio sempre foi objeto de diversas concessões de benefícios fiscais, de modo a fomentar a atividade no Brasil, gerar renda e empregos, o que ajudou muito na construção da imagem de celeiro do mundo, como um dos grandes exportadores de commodities do mundo.

Ocorre que, se de um lado o governo trouxe pontos positivos na reforma tributária para o setor, a fim de minimizar eventuais aumentos de carga tributária, de outro lado vem tirando, que é o caso das subvenções. Principalmente quando se fala em insumos como inseticidas, herbicidas, fertilizantes, corretivos de solo, fungicidas e entre outros, que são justamente aqueles que visam assegurar o aumento na produção.

Conclusão
Diante dessas considerações, tendo em vista que a reforma tributária ainda precisa ser implementada em sua totalidade, o que deve ocorrer nos próximos sete anos, a partir de 2026, é importante que o governo federal e os estados trabalhem juntos para garantir que os impactos positivos da reforma sejam alcançados e os impactos negativos sejam minimizados.

Em linhas gerais, portanto, a reforma tributária traz oportunidades para o agronegócio brasileiro, mas também impõe muitos desafios e um possível aumento de carga tributária em determinadas situações.

É importante que o setor esteja preparado para essas mudanças, a fim de aproveitar os benefícios e mitigar os riscos. Assim, eis a reflexão ainda por ser respondida: Será que a reforma tributária, aliadas às leis que ainda demandam confecção e as que foram recentemente alteradas, irá prejudicar o agronegócio ou fomentar ainda mais esse setor?

Devemos acompanhar o andar da carruagem.

 

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[1] Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa. § 3º A lei complementar a que se refere o caput preverá hipóteses de: II – redução em 100% (cem por cento) das alíquotas dos tributos referidos no caput para: b) produtos hortícolas, frutas e ovos.

[2] Art. 9º. § 1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços: X – produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; XI – insumos agropecuários e aquícolas.

[3]  Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. § 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo:  I – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações.

[4] Art. 9º. § 5º É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar, observado o seguinte: I – o Poder Executivo da União e o Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços poderão revisar, anualmente, de acordo com critérios estabelecidos em lei complementar, o valor do crédito presumido concedido, não se aplicando o disposto no art. 150, I, da Constituição Federal; e II – o crédito presumido de que trata este parágrafo terá como objetivo permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto em razão do disposto no caput deste parágrafo.

[5] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:   III – propriedade de veículos automotores. § 6º O imposto previsto no inciso III:  III – incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuados:  a) aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros.

[6] Art. 9º. § 4º O produtor rural pessoa física ou jurídica que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), atualizada anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e o produtor integrado de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 13.288, de 16 de maio de 2016, com a redação vigente em 31 de maio de 2023, poderão optar por ser contribuintes dos tributos de que trata o caput.

[7] “Art. 155……. § 6º …. II – poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental;

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