Opinião

Procuradorias municipais na análise da constitucionalidade dos PLs que impõem despesas ao Executivo

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17 de dezembro de 2024, 16h21

Antes de adentrarmos ao tema em análise, é imprescindível ressaltar a competência legislativa dos municípios, nos termos do artigo 30 da Constituição. Diferentemente das matérias de competência legislativa privativa da União, elencadas no artigo 22, e das questões de competência comum entre a União e os estados, previstas no artigo 24, a competência legislativa municipal não se fundamenta em uma enumeração específica de matérias, mas sim no princípio do interesse local, que orienta o exercício dessa competência.

No tocante à competência legislativa municipal, cumpre destacar que os tribunais superiores têm reiterado a autonomia dos municípios para legislar sobre matérias de interesse local, desde que não haja transgressão às competências privativas da União ou dos estados. Assim, o Poder Judiciário tem reconhecido a relevância da descentralização e da autonomia dos entes municipais na formulação de normas que impactam diretamente a realidade local.

Superadas as considerações iniciais, convém destacar que é recorrente, nos municípios, a prática de vetos a projetos de lei de autoria dos vereadores por parte do Poder Executivo, com fundamento no argumento de inconstitucionalidade, com base no vício de iniciativa, em razão de implicações financeiras para o Executivo. Tal posicionamento é geralmente adotado pelas Procuradorias Municipais, que, em seus pareceres, frequentemente consideram inconstitucionais os projetos de lei que acarretam despesas ao Executivo.

Essa situação tem provocado, ao longo dos anos, inúmeros conflitos entre os parlamentos municipais e os prefeitos. Com frequência, surgem indagações sobre os limites da atuação dos vereadores: até que ponto lhes é permitido legislar sobre matérias que impliquem em despesas para o Executivo local? É legítimo que os vereadores sejam autores de projetos de lei que imponham ônus financeiro ao Poder Executivo?

A Suprema Corte tem posto fim a essa discussão, estabelecendo critérios claros para a atuação do legislativo municipal. No entanto, os conflitos entre os Poderes não se limitam à tramitação desses projetos. Mesmo após a promulgação das leis, é comum que o Executivo e o Legislativo se envolvam em longas batalhas judiciais sobre a constitucionalidade dessas leis.

Além disso, é frequente que as câmaras de vereadores derrubem os vetos do Eexecutivo a projetos de lei que impõem despesas ao orçamento municipal, mesmo quando a iniciativa é do Legislativo. Esse cenário leva muitos desses casos aos Tribunais de Justiça estaduais, onde, na grande maioria das vezes, as leis municipais acabam sendo declaradas inconstitucionais por vício de iniciativa. Em geral, os tribunais estaduais têm interpretado de maneira expansiva as matérias de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo.

Essas decisões, por sua vez, acabam limitando a atuação constitucional do parlamento municipal, pois resultam na anulação de leis municipais propostas pelos vereadores, as quais são retiradas do ordenamento jurídico local.

Entendimento do STF

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 878.911/RJ, que originou o Tema 917, decidiu, em sede de Repercussão Geral, que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trate da sua estrutura, da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos” (artigo 61, § 1º, II, “a”, “c” e “e” da Constituição Federal).

A decisão em questão revela que o vereador possui ampla competência para legislar, inclusive em matérias que impliquem em despesas para o Executivo municipal, desde que essas não envolvam a estrutura do Executivo, as atribuições de seus órgãos ou o regime jurídico dos servidores públicos.

Portanto, é indispensável que as procuradorias municipais atualizem seus entendimentos, considerando os recentes precedentes estabelecidos pela Suprema Corte.

Spacca

Tal decisão do STF não só forneceu diretrizes claras para a atuação do Legislativo, mas também proporcionou maior autonomia ao parlamento municipal, frequentemente sujeito à predominância do Poder Executivo local.

Consequentemente, o vício formal de inconstitucionalidade, que infringe a iniciativa privativa do Executivo, também deve ser observado nas matérias previstas no artigo 61, § 1º da Constituição. Assim, o vereador deve se abster de legislar sobre essas questões, independentemente de envolverem ou não despesas para o Executivo.

Pleno exercício da função de legislar

O presente debate tem ganhado relevância crescente no cenário político, especialmente em razão do papel central que se busca atribuir ao Poder Legislativo, com o objetivo de que este atue de maneira mais substancial, indo além da criação de projetos de menor complexidade, como a denominação de ruas ou a concessão de títulos de cidadão. Hoje em dia, espera-se que o parlamento, em suas esferas federal, estadual e municipal, exerça um papel com impacto direto na vida dos cidadãos.

Impor restrições à atuação dos vereadores sob a justificativa de que estes não podem propor projetos que impliquem em despesas para o Executivo, significa limitar indevidamente o papel essencial do Legislativo, prejudicando o pleno exercício da sua função constitucional de legislar.

As Procuradorias Municipais, devem estimular, em seus pareceres técnicos, o pleno exercício das prerrogativas do Poder Legislativo.

Nesse contexto, é fundamental que os municípios se alinhem ao entendimento firmado pelo Supremo, assegurando que o Legislativo local desempenhe sua função constitucional de forma plena. Vale ressaltar que cabe aos vereadores a elaboração das leis municipais e a fiscalização das atividades do Executivo — ou seja, do prefeito. São os vereadores que têm a responsabilidade de propor, debater e aprovar as leis que regulamentarão o município.

Na câmara municipal, os projetos, emendas, resoluções e vetos passam por comissões antes de serem submetidos à votação no plenário. Nesse processo, destaca-se a importância das comissões de Constituição e Justiça, que, ao avaliarem os vetos do Executivo sobre projetos de lei de iniciativa do Legislativo, devem tratar dessas questões com a profundidade e rigor necessários.

Por fim, além do importante papel das procuradorias municipais na análise jurídica acerca da constitucionalidade dos projetos de lei, é incumbência das procuradorias legislativas das câmaras municipais, fornecer a orientação necessária aos vereadores, com o intuito de evitar que sejam restritos, de maneira indevida, os projetos de lei oriundos do Legislativo que possam acarretar despesas ao Executivo.

O município só tem a ganhar quando os poderes Executivo e Legislativo atuam em conjunto, de forma harmoniosa, em prol do progresso da cidade.

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