Opinião

Distribuição das vagas nas câmaras municipais conforme decisão do STF

Autor

  • Julio Cesar Moreira Silva Junior

    é advogado eleitoralista pós-graduando em Direito Eleitoral pela Escola Mineira de Direito e pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público de Mato Grosso e professor de Direito na graduação e em cursos de capacitação a servidores públicos.

16 de abril de 2024, 19h35

O Supremo Tribunal Federal invalidou norma contida no Código Eleitoral que previa cláusula de desempenho de partidos e candidatos para distribuição de vagas nas eleições proporcionais, ou seja, a forma de escolha de vereadores, deputados estaduais e deputados federais.

Até a eleição de 2022 vigorou a disposição contida no Código Eleitoral que foi introduzida pela Lei Federal 12.211/2021, a qual exigia para preenchimento das sobras eleitorais o atingimento de 80% do quociente eleitoral para os partidos políticos e de 20% do quociente eleitoral para os candidatos, a chamada cláusula de desempenho.

Por maioria de votos (7 a 4), em julgamento realizado no dia 28/2/2024, o STF ao julgar as ADIs 7.728, 7.263 e 7.325 invalidou a norma que previa a restrição, ficando definido que todos os partidos poderão participar da última fase de distribuição das vagas pelas sobras eleitorais.

Pois bem. Neste ano teremos eleições proporcionais para as Câmaras Municipais aonde serão escolhidos as vereadoras e vereadores, já conforme o entendimento firmado pelo STF, desprezando a cláusula de desempenho na última fase.

Mas como é feito o cálculo para determinar quais representantes são eleitos? Por que muitas vezes um candidato ou candidata com menos votos conquista o mandato, e outro com mais votos não se elege? Como é determinada a escolha desses parlamentares?

Para declaração dos eleitos é realizado um cálculo para saber o quociente eleitoral e outro cálculo para aferir o quociente partidário:

Quociente eleitoral

É obtido pela divisão do numero de votos válidos (excluídos os brancos e nulos) pelo número de vagas a serem preenchidas na Câmara Municipal. Por exemplo, em um município em que o numero de votos válidos tenha sido 10.000 votos e a Câmara Municipal tenha nove vagas, o calculo será:

10.000 / 9 = 900

Assim, o quociente eleitoral neste município será 900 votos.

Importante observar que quando o numero não for inteiro, se for menor ou igual a 0,5, a fração é desprezada. Quando a fração é maior que 0,5, arredonda-se para cima.

Quociente partidário

É a formula que irá definir quantas vagas será destinada ao partido. O quociente partidário é obtido pela divisão dos votos que o partido recebeu pelo numero do quociente eleitoral, desprezada a fração.  Supondo que um partido tenha obtido 2.000 votos, o cálculo será:

2000/900 = 2,22

Como não existe fração de vaga, o que vem depois da vírgula é desprezado (não há arredondamento para o quociente partidário). Logo, o quociente partidário deste partido será dus vagas.

Distribuição das vagas:

A lei estabelece que a distribuição das vagas proporcionais seja realizada em três fases. A primeira é conhecida por eleição por quociente partidário, sendo preenchidas pelos partidos que tenham atingido 100% do quociente eleitoral e que os candidatos tenham obtido no mínimo 10% desse quociente eleitoral.

Câmara Municipal de Borá (SP)

Exemplo: município com nove vagas na Câmara Municipal, cujo numero de votos válidos tenha sido 10.000, o quociente eleitoral será 900 votos.

  • Partido A teve 2.750 votos.
  • Cálculo: 2.750 (numero de votos do partido) / 900 (quociente eleitoral) = 3,05

Como não existe fração de vaga, despreza-se a fração, logo o quociente partidário será 3 vagas. Assim, o Partido A terá direito a três vagas eleitas de forma direta pelo quociente partidário. Esses três candidatos devem ter obtido no mínimo 90 votos que é a cláusula de desempenho de 10% do quociente eleitoral e estar entre os três mais votados do partido.

  • Partido B teve 2.000 votos.
  • Cálculo: 2.000 (numero de votos do partido) / 900 (quociente eleitoral) = 2,22

O quociente partidário do será 2,22. Assim, o Partido B terá direito a duas vagas eleitas de forma direta pelo quociente partidário, pois se despreza a fração. Esse 2 candidatos devem ter obtido no mínimo 90 votos que é a cláusula de desempenho de 10% do quociente eleitoral e estar entre os dois mais votados do partido.

  • Partido C teve 1.500 votos.
  • Cálculo: 1.500 (número de votos do partido) / 900 (quociente eleitoral) = 1,66

O quociente partidário do será 1,66. Assim, o Partido B terá direito a uma vaga eleita de forma direta pelo quociente partidário, pois se despreza a fração. Esse candidato deve ter obtido no mínimo 90 votos que é a cláusula de desempenho de 10% do quociente eleitoral e ser o mais votado do partido.

  • Partido D teve 700 votos.
  • Cálculo: 700 (número de votos do partido) / 900 (quociente eleitoral) = 0,77.

Neste caso, como deve ser desprezada a fração, o Partido D não atingiu o quociente eleitoral, não terá nenhum candidato eleito diretamente pelo quociente partidário.

Distribuição das sobras

É a segunda fase de distribuição das vagas. Com base no exemplo acima, o município preencheu 6 (seis) vagas, restando a preencher mais três vagas através das sobras eleitorais. Os eleitos pelas sobras são proclamados de acordo com um cálculo de média dos votos.

E como é feito o cálculo da média de cada partido político? É preciso dividir a quantidade de votos válidos que o partido recebeu pelo quociente partidário (que corresponde ao número de vagas obtidas pelo partido) acrescido de 1.

Conforme o entendimento firmado pelo STF na segunda fase o candidato dever ter obtido pelo menos 80% do quociente eleitoral e o candidato deve ter obtido no mínimo 20% do quociente eleitoral.

Assim, se o quociente eleitoral é 900 votos, nesta fase de distribuição das sobras, o partido deve ter obtido no mínimo 720 votos, sendo que o candidato para ser eleito teria que ter obtido no mínimo 180 votos.

Utilizando o exemplo deste artigo, os partidos A, B, C obtiveram numero de votos maior do que 80% do quociente eleitoral e o Partido D não obteve, não atingindo a cláusula de desempenho, assim apenas os partidos A, B e C brigariam pela sobra nesta fase.

Distribuição da primeira vaga das sobras

  • Partido A – possui quociente partidário de 3.

Cálculo: 2.750 (votos do partido) / 4 (quociente partidário + 1) = 687,5

  • Partido B – possui quociente partidário de 2.

Cálculo: 2.000 (votos do partido) / 3 (quociente partidário + 1) = 666,6

  • Partido C – possui quociente partidário de 1.

Cálculo: 1500 (votos do partido) / 2 (quociente partidário + 1) = 750

O Partido C ficaria com a primeira vaga das sobras, pois obteve numero 750, sendo o maior dentre os demais partidos.

Distribuição da segunda vaga das sobras

Nesta fase, o partido C que já obteve uma vaga pelo cálculo da média, para disputar as próximas sobras, na hora da divisão o número de vagas obtidas originariamente por quociente partidário deve ser somado ao numero de vagas obtidas pela média da primeira sobra, acrescido de 1, ou seja: 1 (eleito por quociente partidário) + 1 (eleito por média da primeira sobra) + 1 = 3

Observa-se ainda que para a distribuição da segunda vaga das sobras conforme entendimento do STF, também deve ser observada a Cláusula de Desempenho de 80% do quociente eleitoral para o partido e de 20% do quociente eleitoral para o candidato.

Assim, o Partido D também não disputará esta segunda rodada de distribuição da vagas de sobras, pois não atingiu 80% do quociente eleitoral.

A distribuição da segunda vaga será realizada utilizando-se o cálculo resultante da divisão do numero de votos do Partido pelo Quociente partidário + 1. Importante observar que o Partido C deve ser acrescido de 2, pois já foi contemplado com uma vaga na média.

Utilizando-se os exemplos de votação dos partidos listados acima teremos o seguinte:

  • Partido A – possui quociente partidário de 3.

Cálculo: 2.750 (votos do partido) / 4 (quociente partidário + 1) = 687,5

  • Partido B – possui quociente partidário de 2.

Cálculo: 2.000 (votos do partido) / 3 (quociente partidário + 1) = 666,6

  • Partido C – possui quociente partidário de 1.

Cálculo: 1500 (votos do partido) / 3 (quociente partidário + 1 + 1 vaga acrescentada pela média da sobra) = 500

O Partido A ficaria com a segunda vaga das sobras, pois obteve numero 687,5, sendo o maior dentre os demais partidos.

Distribuição da terceira vaga das sobras

Nesta terceira fase que é a distribuição da última vaga das sobras é que haverá o reflexo da decisão do STF, pois conforme entendimento firmado, os partidos não precisam ter alcançado 80% dos votos quociente eleitoral, bem como os candidatos também não precisarão ter atingido 20% dos votos do quociente eleitoral, logo todos os partidos disputarão a terceira fase de distribuição de sobras, não havendo cláusula de desempenho nesta última fase.

Observa-se que o partido C e o Partido A que já obtiveram uma vaga cada pelo cálculo da média, para disputar esta última sobra, na hora da divisão o número de vagas obtidas originalmente por quociente partidário deve ser acrescido de 1 (das vagas obtidas por média da primeira e segunda sobra, respectivamente) + 1.

Assim, utilizando nosso exemplo deste artigo, além do Partido A, B e C, o Partido D também disputará esta 3ª e última rodada de distribuição da vagas de sobras, pois não há cláusula de barreira, logo teremos a seguinte situação:

  • Partido A – possui quociente partidário de 3.

Cálculo: 2.750 (votos do partido) / 5 (quociente partidário + 1 eleito por média da segunda sobra +1) = 550

  • Partido B – possui quociente partidário de 2.

Cálculo: 2.000 (votos do partido) / 3 (quociente partidário + 1) = 666,6

  • Partido C – possui quociente partidário de 1.

Cálculo: 1500 (votos do partido) / 3 (quociente partidário + 1 eleito por média da primeira sobra +1) = 500

  • Partido D – possui quociente partidário de 0, pois não atingiu.
  • Cálculo: 700 (votos do partido) / 1 (quociente partidário +1) = 700

O Partido D acima citado como conquistou 700 votos teria um quociente partidário de 0,77, porém, como se despreza a fração de vaga, este Partido não teria quociente partidário, sendo que o numero de votos obtidos deve ser dividido por 1, logo, o Partido D ficaria com a terceira vaga da sobra, pois o numero resultado do cálculo é 700 que é maior do que os demais partidos.

Vale ressaltar que o candidato a ser proclamado eleito pelo Partido D não precisa ter atingido o percentual de 20% do quociente eleitoral, logo, pelo exemplo acima, será diplomado e empossado mesmo que não tenha alcançado 180 votos.

Deste modo, no município que foi exemplo deste artigo, as nove vagas da Câmara Municipal seriam distribuídas da seguinte forma:

  • Partido A – 4 vagas, sendo 3 por quociente partidário e 1 pela média da segunda sobra;
  • Partido B – 2 vagas, sendo ambas por quociente partidário;
  • Partido C – 2 vagas, sendo 1 por quociente partidário e 1 pela média da primeira sobra;
  • Partido D – 1 vaga que foi conquistada com a média da terceira e última sobra.

Verifica-se que a nova regra de distribuição das vagas, excluindo a cláusula de barreira na última fase de distribuição das vagas fez com que a Câmara Municipal exemplificada acima tivesse vereadores de quatro partidos diferentes, enquanto que se fosse distribuída com o critério antigo, teria apenas três partidos.

Conclui-se, portanto, que o STF ao invalidar a cláusula de barreira na terceira e última fase de distribuição das sobras eleitorais traz uma maior igualdade entre os partidos nanicos e os grandes partidos, valorizando ainda mais a democracia, beneficiando aqueles candidatos cujas votações podem não terem sido tão expressivas, o que certamente aumenta a representatividade político-partidária, valorizando o sistema proporcional.

Autores

  • é advogado eleitoralista, pós-graduando em Direito Eleitoral pela Escola Mineira de Direito e pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público de Mato Grosso e professor de Direito na graduação e em cursos de capacitação a servidores públicos.

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